sexta-feira, 14 de maio de 2021

ARTE E LUTA A SERVIÇO DA LIBERDADE

 Por Mani Ceiba e Álvaro Britto

Assista um pouco da história de Mestre Claudio na TV Pavio


Capoeira tem origem na resistência dos negros


A capoeira é, ao mesmo tempo, uma luta e uma arte. Mas você sabia que durante muito tempo a capoeira foi proibida no Brasil? Quem vê crianças pequenas jogando capoeira nas escolas ou rodas de capoeira com a apresentação de grandes mestres nem pode imaginar que essa conhecida forma de expressão das raízes negras era malvista e considerada perigosa. 

A palavra capoeira significa "o que foi mata", por meio da conexão dos termos ka'a ("mata") e pûer ("que foi"). Refere-se às áreas de mata rasa do interior do Brasil, onde era feita a agricultura indígena.

Tem origem no século XVII, criada pelo povo escravizado da etnia banto, e se difundiu por todo o Brasil através dos fugitivos da escravidão, que utilizavam frequentemente a vegetação rasteira para fugirem do encalço dos capitães-do-mato. Esses foram os primeiros capoeiristas.

Mais adiante, ainda no Período Colonial, os negros irão disfarçar a capoeira introduzindo-lhe mímicas, danças e músicas. Tudo isso serviria, tempos depois, para também resistir à repressão da Polícia Imperial e da Milícia Republicana.

A capoeira foi uma prática proibida no Brasil até 1930, quando passa a ser reconhecida como um símbolo da identidade brasileira. Em 2014, a Roda de Capoeira foi declarada Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco.

Para jogar capoeira precisamos de um ritmo ditado pelo atabaque, pelo berimbau e pelo agogô. Essa música é bem característica. Dois parceiros, de acordo com o toque do berimbau, executam movimentos de ataque, defesa e esquiva. Eles simulam uma luta. 


Mestre Cláudio: relação de amor com a capoeira

Em uma casa na rua Israel Franco Belga, no bairro Lavapés, podemos encontrar Claudio Pereira de Araújo, que é conhecido mesmo como Mestre Cláudio. Pesquisador das artes afro-brasileiras e fundador da Associação de Capoeira Berimbau de Angola, é presidente da Associação Cultural Resendense de Capoeira, que possui dez associações filiadas. Também pretende lançar um livro em quadrinhos contando a história da capoeira e a sua participação na promoção de uma pedagogia menos violenta da luta.  

Quer mais? Tem sim! Mestre Claudio recebeu a medalha Claudionor Rosa pelos seus trabalhos em arte e cultura. E levou ainda a nossa capoeira para Alemanha e África do Sul pelo projeto Peer Leeder, de intercâmbio e formação de jovens, presente na Escola Estadual Antônio Quirino, em Visconde de Mauá.  Claudio é um mestre griô, por ter adquirido a sabedoria da arte e da cultura que transmite de forma oral, e tem seu trabalho reconhecido pela comunidade e por outro griô. 

Sempre preocupado em difundir a capoeira, Mestre Claudio desenvolveu uma peça teatral, onde também questiona o resultado do 13 de maio. Nela, conta histórias da capoeira e do trabalho dos escravos na senzala com representações de Maculelê, Jongo e Samba de Roda. “Ao final, com o anúncio da abolição da escravatura, todos alegres, alguém pergunta: para onde vamos? Não temos terra para plantar, casa para morar, ferramentas para trabalhar....”


Referências: Educação UOL, Toda Matéria

RESISTÊNCIA DE UM POVO

 Jongo Divolta mostra sua tradição




Por Carol Angelo e Mani Ceiba  



O Jongo DiVolta surge em 11 de maio de 2015, dois dias anteriores à comemoração anual da Lei Áurea, buscando preservar as memórias da dança e do ritmo de origem africana. Através de José Geraldo, coordenador e fundador do coletivo, o Jongo ganha morada em Volta Redonda, cidade no interior do estado do Rio de Janeiro. 

Geraldinho, como é carinhosamente chamado, relata que em sua própria trajetória familiar foi que encontrou as histórias e culturas do continente africano. “A família da minha mãe, em Minas Gerais, era ligada à dança do congado e do moçambique [outras expressões culturais afrodescendentes] na Zona da Mata”. Contudo, foi na década de 80, no município de Pinheiral (RJ), que graças ao seu mestre de capoeira, Odair, e à matriarca do Jongo da cidade, Fatinha, que ele intensificou os laços com essa dança de roda. 


O ponto mais conhecido sobre a liberdade atribui a notícia da Abolição ao tambor maior, chamado também de cangoma ou angoma. 

 

Clementina de Jesus, nascida entre jongueiros, em Valença, gravou em disco. Os jongueiros de Piquete também cantam: 



Foto: Carol Angelo




“Tava durmindo, 

 

Cangoma me chamou. 

 

Disse levanta, povo, 

 

Cativeiro já acabou”. 

 




Roda de Jongo da Associação Cultural Sementes D’África — Foto: Carol Angelo


Jongo é ferramenta de resistência negra. Uma manifestação de origem africana que ecoa no vale do Paraíba desde o século 18, quando os negros africanos de origem banto, vindos do Congo e de Angola, em condição de trabalho escravo são trazidos para as lavouras de café e cana-de-açúcar no vale do Rio Paraíba, entre São Paulo e Minas Gerais. A riqueza dessa cultura sobreviveu, através do Jongo, que desde 2005, é considerado patrimônio imaterial cultural. O título foi concedido pelo Ministério da Cultura, que inscreveu essa manifestação cultural no Livro de Registro das Formas de Expressão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). 

De valor inestimável para a memória popular no país, o Jongo é uma forma de louvação aos antepassados e afirmação de identidade. Integra a percussão de tambores, danças e simbologias. Essas manifestações são vistas principalmente nas festas de santos do sincretismo religioso, festa junina e no dia 13 de maio, dia da abolição da escravatura.  

Mesmo 133 anos depois da abolição, a tradição jongueira continua viva espalhando essa herança forte, apesar de todo o sofrimento dos negros que foram escravizados, de toda a resistência às adversidades da discriminação racial do passado e de hoje e da luta pela sobrevivência da cultura popular tão massacrada pela cultura globalizada. 

É uma dança de roda e de umbigada. Esta se localiza nas solas dos pés descalços, nas palmas das mãos, vibrando o caxambu (tambor), e nas vozes do canto. “As canções de Jongo, nós chamamos de pontos [...] o jongueiro tem que saber cantar, responder, dialogar, e tudo isso, na roda de Jongo que se faz através da música, do ponto”, afirma José Geraldo. 

Um dos elementos mais marcantes do Jongo é o ponto. Forma poética e musical expressa nos versos cantados pelos jongueiros. Buscando a origem e o motivo de se chamar ponto, encontramos na língua dos luba, falada no longínquo interior, naque nzòngo significa “tiro de fuzil, em algumas expressões se usa para imitar um tiro de fuzil com a boca”. Essas palavras ressoam com o umbundu songo, “ponta de flecha, bala”, e ondaka usongo, “a palavra é uma flecha/bala” em luba katanga. 

O Ponto é como uma bala e fala em uma relação com o provérbio e a crônica sobre a vida cotidiana, sobre o passado e o presente. Configurava-se num conhecimento quase que secreto, guardado pelos jongueiros velhos, – que ensinam seus conhecimentos aos jovens iniciados. A poesia metafórica do Jongo permitiu que seus praticantes, por meio dos pontos, se comunicassem de forma que capatazes e senhores não os compreendessem, possibilitando fugas no tempo do cativeiro. 

Confundido com a umbanda, o Jongo também recebe o julgamento de “macumba” e sofre a mesma demonização pela falta de conhecimento e respeito por culturas oriundas de povos não europeus e pela intolerância religiosa que se apresenta hoje mais fortemente em nosso país. 


Foto: Carol Angelo

Eu cheguei aqui no Jongo de pé no chão 

 

No balanço dessas ondas vim lá de Angola 

 

Arrastei o pé na´ngoma poeira sumbiu 

 

Pra pedir a proteção de Mamãe senhora 



Foto: Carol Angelo


A prática do Jongo vem sendo recriada e flexionada pelas comunidades. Um exemplo é como crianças e jovens passam a ser chamados a aprender o Jongo, ao contrário do que acontecia no passado. Isso ocorre por diferentes razões, como mudança nas funções sociais atribuídas ao Jongo além de valorização da própria cultura. Enquanto outras são mantidas enquanto tradição. 

A importância do Jongo hoje é figurar como uma nova forma de suas comunidades reafirmarem seus pertencimentos culturais e identitários. E, inclusive, de conquista da legitimidade pública, como ferramenta de luta contra o racismo, tornando-se uma forma também de visibilidade para políticas sociais dos negros e cada vez mais sendo utilizada a favor dos quilombolas. 

Parafraseando Geraldo, o Jongo DiVolta vem desenvolvendo atividades com outras entidades. O coletivo, também antirracista, não se limita ao Jongo, porém, o “utiliza como âncora”. Já estabeleceu projetos com o Clube Palmares, escolas municipais, o governo do estado, entre outros, dialogando, assim, com diversas esferas. Tendo, por exemplo, no dia 11 desse mês celebrado o sexto aniversário do coletivo junto ao Ministério do Turismo e à Fundação CSN. 

Apesar da comunicação não restritiva, um aspecto presente é a independência em relação às instituições. Buscando uma prática de autossustentação, o Jongo DiVolta procura estar emancipado economicamente do poder institucional e das iniciativas privadas. “Nesse sentindo, nós selecionamos muito bem com quem desenvolvemos ou podemos desenvolver futuros projetos [...] Os recursos que temos são necessários para gerir nossos projetos e, em sua maioria, são captados por ações que nós fazemos”, José Geraldo enfatiza. 

Presentes nas mídias sociais, o coletivo continua virtualmente, através do Instagram e YouTube. Segundo Geraldo, só haverá o retorno das reuniões presenciais quando todos os integrantes forem vacinados. Enquanto isso, a participação permanece remota, mas resistente.