sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Festa em Quatis: dona Iva e seu Luiz casam no civil

 Cerimônia religiosa está marcada para 19 de abril, Sábado de Aleluia

Por Alvaro Britto*



Iva Resende de Oliveira, a Dona Iva, 76 anos, matriarca do Assentamento da Reforma Agrária Irmã Dorothy, localizado em Quatis, nasceu em 05/10/1948 na cidade de Resende Costa, em Minas Gerais. Está no Irmã Dorothy desde 2012 e antes ficou dois anos no acampamento Mariana Crioula, em Valença. Ela se casou no civil dia 31 de janeiro com Luiz Paulo da Costa, o seu Luiz, 64 anos, com a presença de parentes e várias amigas e amigos do assentamento e da luta pela Reforma Agrária.



 “Eu vou casar no religioso aqui no Irmã Dorothy em abril. No civil não teve nada, só cartório e um churrasquinho, mas o religioso irá abalar Paris! Quero mostrar um pouco de mim, o que gosto de fazer, vou chegar vestida de noiva numa charrete”, prometeu a noiva, que foi presidente da Associação de Agricultoras e Agricultores do Assentamento Irmã Dorothy.


Ela revelou que o marido, Luiz Paulo da Costa, “era um rapaz solteiro que não, sabia ler, não conhecia o pai e a mãe, não sabe nem de que lado veio. Agora, conversamos muito e ele começou a estudar. Tá até animado e diz que vai ser advogado. Eu falei: “Você pode ser mesmo, mete a cara!” Eu também prometi ajudar ele nos deveres da escola assim que voltar a enxergar bem.”


Dona Iva está se recuperando de uma cirurgia nos olhos e está enxergando muito pouco. “Luiz não tem vício nenhum, não bebe, não fuma, não joga. Ele cuida muito de mim. Depois da cirurgia em novembro, nunca mais eu fiz comida e ele cozinha muito bem. Eu sou enjoada. Como qualquer coisa mas tem que ser tudo muito bem feitinho, limpinho”, elogiou ela.



Fotos: Alvaro Britto

* Jornalista











Em Quatis, Assentamento Irmã Dorothy conquista trator

 Por Alvaro Britto*

 “Estou aqui porque eu gosto da terra e de plantar. A nossa luta é para que essa comida saudável chegue na mesa do povo brasileiro. A vinda desse trator é muito importante para isso.” Essa fala é de Iva Resende de Oliveira, a Dona Iva, 76 anos, matriarca do Assentamento da Reforma Agrária Irmã Dorothy, localizado em Quatis, no Sul Fluminense, onde mora e trabalha desde 2012 e foi presidente da Associação de Agricultoras e Agricultores.


Dona Iva se referiu à entrega de um trator ao assentamento, realizada no dia 5 de fevereiro pelo Incra, adquirido pela autarquia federal com recursos de emenda parlamentar do deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ). O equipamento está provisoriamente abrigado no galpão da Prefeitura Municipal de Quatis, em espaço cedido pela Secretaria de Desenvolvimento Rural, até que o Incra conclua o processo de seleção de famílias beneficiárias que ocuparão os lotes do assentamento.

                   


O trator entregue tem motor a diesel de 75 cavalos de potência e ar condicionado, e beneficiará diretamente as 45 famílias do Assentamento Irmã Dorothy. A Associação das Agricultoras e Agricultores será responsável pela sua utilização através de um termo de autorização de uso firmado com o Incra. Vários assentados, junto com representantes do Incra e da Secretaria de Desenvolvimento Rural de Quatis, participaram do ato de entrega do equipamento.

Conquista

Presente ao ato de entrega, Sandra Regina Dias, atual presidente da Associação de Agricultoras e Agricultores do Assentamento Irmã Dorothy, declarou emocionada: “Até perco as palavras! Essa conquista prova que a luta de mais de 20 anos é para valer, agora com o recebimento dessa importante ferramenta de trabalho, que será de grande utilidade para a produção das famílias. Essa conquista é de todas e todos!”


Antônio Tadeu de Sousa foi o motorista da carreta que trouxe o trator de Goiânia, onde mora com a família, para Quatis, numa viagem de mais de 24 horas. Ele normalmente transporta tratores para grandes fazendeiros, mas nessa viagem o destino foi um assentamento da Reforma Agrária com pequenos agricultores familiares.



 “Logo senti que são grandes lutadores. Eu fiz só uma pequena parte ao trazer o trator. Isso é muito pouco para o tamanho da luta deles.  A gente vê na pele o duro trabalho de todos. São pessoas muito educadas e idealistas. Isso é muito importante para o nosso país, que precisa cuidar das pessoas menores, não só dos grandes”, disse o motorista.  

 Irmã Dorothy


Em 1997, a Fazenda da Pedra, onde está localizado o Assentamento Irmã Dorothy, foi identificada como imóvel que não cumpria com a função social da propriedade. Em 2004, o Incra iniciou o processo para criação do assentamento e, em 2005, famílias organizadas pelo MST e pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Barra Mansa ocuparam o local, reivindicando a reforma agrária.


Decreto assinado pelo presidente Lula no seu primeiro mandato autorizou o processo judicial de desapropriação em 19 de outubro de 2006.  No dia 15 de outubro de 2014, foi determinada pela Justiça a imissão na posse do imóvel pelo Incra e em 2015, foi finalmente criado o Assentamento Irmã Dorothy. O seu nome homenageia a missionária Dorothy Stang, assassinada em 12 de fevereiro de 2005 a mando de latifundiários em Anapu, no Pará.



Além da luta pela regularização das famílias pelo Incra, a comunidade também está empenhada no término da construção do galpão que irá acolher várias atividades – como feira de produtos agrícolas e artesanato, eventos culturais, cursos de formação - e sediar a Associação de Agricultoras e Agricultores do Assentamento Irmã Dorothy. “Aqui as coisas são conquistadas com muita luta de todos. Estamos esperançosos e confiamos na atual gestão do Incra”, afirmou Dona Iva.

 

Fotos: Alvaro Britto

 

* Jornalista

Cidades do Sul Fluminense tiveram calor recorde em 2024

 Oito municípios superaram 1,5ºC de elevação em relação à temperatura média daquela registrada nos últimos 80 anos

Por Alvaro Britto



Se o calor no mundo foi recorde no ano passado,  com o planeta superando pela primeira vez 1,5ºC de elevação em relação à temperatura média do período pré-industrial —crítica para o equilíbrio climático —, em 30 cidades do Brasil a média de 2024 ficou pelo menos 3ºC acima da marca registrada nos últimos 80 anos, de acordo com estudo da pesquisadora Ana Paula Cunha, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

Também na região Sul Fluminense, várias cidades alcançaram em 2024 temperaturas acima da média dos últimos 80 anos, sendo que oito delas ultrapassaram 1,5ºC de elevação: Paraty + 1.685 ºC; Valença + 1.660 ºC; Rio da Flores + 1.643 ºC; Resende + 1.589 ºC; Angra dos Reis + 1.588 ºC; Vassouras + 1. 547 ºC; Barra do Piraí + 1518 ºC; e Itatiaia + 1.516 ºC. E as sucessivas ondas de calor nos dois primeiros meses de 2025 indicam perspectivas ainda mais graves.

Estudo do Cemaden

O estudo da pesquisadora do Cemaden mediu a anomalia de calor na temperatura média dos municípios em 2024 em relação à média histórica. A conta foi realizada por meio da combinação de bancos de dados baseados em informação de satélites e medições. Ana Paula Cunha usou como base os dados do ERA5, do serviço climático europeu Copernicus. O resultado foi divulgado em reportagem do jornal O Globo.

“Nossa análise não se refere ao período pré-industrial porque a incerteza seria muito grande frente à escassez de dados. Mas se vê claramente que os anos de 2023 e 2024 só potencializaram uma tendência de aquecimento que já ocorria há décadas, pelo menos desde os anos 1940/70”, explicou a pesquisadora.

Especialistas explicam que o fenômeno é resultado da combinação de fatores globais, como o aumento de temperatura devido às mudanças climáticas e ao El Niño, e aspectos locais, como significativa parte do território desmatada e ocupada por plantações, pastagens ou simplesmente terras de solo degradado. “O território brasileiro não aquece de forma homogênea. É um país continental e algumas áreas esquentam mais do que outras por uma série de fatores”, esclareceu ela.

Números assustadores

O meteorologista Marcelo Seluchi, do Cemaden, ressalta que os números são assustadores.  “Meio grau Celsius acima da média do ano todo já é muito. Mas tivemos alguns lugares com mais de 3ºC acima da média do ano. É uma barbaridade“ afirmou ele.  No Sudeste, o calor está relacionado à escassez de chuva. E pesaram as muitas ondas de calor. Elas foram associadas à falta de frentes frias, retidas no Sul, em boa parte devido ao El Niño, que tem forte relação com as chuvas que em maio devastaram o Rio Grande do Sul.

Além disso, as ondas de calor foram muito frequentes e intensas numa região que já costuma sofrer com calor e baixa umidade. Possui ainda elementos que favorecem a elevação da temperatura, como continentalidade (não tem o alívio da umidade do mar) e vastas áreas desmatadas e ocupadas por plantações e pastagens. “Vegetação nativa retém mais umidade do que esse tipo de áreas”, explicou Seluchi. Quando há baixa umidade, a maior parte da energia solar que chega à superfície é convertida em calor, elevando a temperatura do ar.

Partes da Amazônia ficaram mais de 2ºC acima da média e isso também é causa da falta de chuva. O ano passado foi extremamente seco na Amazônia, em parte devido ao El Niño, em parte ao Atlântico com temperaturas acima da média. “Os chamados rios voadores transportam umidade da Amazônia para o Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Se a Amazônia sofre com a seca, as consequências são sentidas nas áreas que dependem da umidade proveniente dela.” explicou Ana Paula Cunha.

No Sul Fluminense

A nossa reportagem ouviu moradores de algumas cidades da região sobre o aumento do calor.

Acácio Junior, o Cacinho, chargista do Pavio Curto, nasceu em Barra do Piraí, cidade que ficou na 7ª colocação no Sul Fluminense entre aquelas que a média de temperatura subiu nos últimos anos. Ele mora em Juiz de Fora desde 2005, sendo que está na área rural há seis anos. Visitou a cidade natal recentemente, onde moram seus familiares. “Hoje Barra poderia se chamar Barra do Piraí Hell, devido ao grande calor. Antigamente, era considerada uma região fria. Hoje o frio nem passa perto”, afirmou Cacinho.

Resende ocupa a 4ª posição de município mais quente do Sul Fluminense. Para o arquiteto Caleb Chaves, nascido e morador da cidade, “a emissão de gases de efeito estufa é a grande causa do aumento do calor e nada é feito para reduzi-lo”. Ele também indica a impermeabilização do solo urbano e o asfaltamento das ruas, além do corte desenfreado de árvores. Como forma de reduzir os efeitos ele sugere uma ocupação do solo mais permeável e menos densa, arborização urbana e um sistema de transporte público eficiente de baixo impacto.

Na cidade vizinha de Itatiaia, que está na 8ª posição, a moradora Fabíola Rodrigues, atriz, escritora e produtora de teatro, também acendedora do Pavio Curto, lembra de que há alguns anos ninguém tinha ar condicionado na cidade. “Bastava abrir as janelas da casa que refrescava. Atualmente o ar condicionado está se tornando essencial”, disse ela. Além do aquecimento global, Fabíola identifica localmente o asfaltamento excessivo das ruas como principal causa do aumento de calor.  

 

Ilustração: Cacinho

* Jornalista

Fontes: Cemaden e O Globo