domingo, 22 de dezembro de 2024

Comunidade quilombola de Maria Joaquina, em Cabo Frio (RJ), conquista avanço na regularização do território

 


Por Alvaro Britto*


Fiquei feliz com a noticia. Sou nascida e criada nesse quilombo. Meus pais vieram da África no navio negreiro. E nós viemos dessa luta, trabalhando na roça, na casa de farinha, puxando mandioca no rodete, carregando feixe de lenha na cabeça, porque nós não tinhamos gás nem luz. Não havia estrada, era uma trilhazinha que a gente tinha que passar pra estudar, porque meu pai obrigava a gente ir pra escola”, recordou dona Landina Maria de Oliveira, 70 anos, presidente desde 2012 da Associação de Remanescentes do Quilombo Maria Joaquina, em Cabo Frio.


Dona Landina, presidente da Associação de Remanescentes do Quilombo Maria Joaquina


A líder quilombola se referiu à resolução do Conselho Diretor do Incra, que julgou improcedentes os recursos apresentados ao processo de regularização do território. A decisão foi publicada na véspera da ação integrada realizada no dia 26, que contou, além do Incra/RJ, e da Defensoria Pública Estadual e Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Rio de Janeiro (Acquilerj), com o Departamento de Trânsito (Detran-RJ), a Defensoria Pública da União (DPU), a Cruz Vermelha e uma equipe do CRAS local.



Emancipação


Com área de 165 hectares e 79 famílias em 2013, quando foi aberto o processo no Incra, o Território Quilombola de Maria Joaquina, certificado pela Fundação Cultural Palmares em 2011, foi criado a partir da emancipação do então distrito de Armação dos Búzios do município de Cabo Frio, em 1995. “Antes da emancipação, as comunidades de Maria Joaquina e Rasa pertenciam ao mesmo território. Depois, Rasa ficou em Búzios e nós em Cabo Frio, e já estamos com 140 famílias”, explicou dona Landina.



Os moradores trabalham na terra e também fora, porque só a venda da produção não dá para manter a família. Produzimos milho, feijão, aipim, alface, banana, abacate, jaca, acerola, aroeira, galinha e ovos. São três núcleos na comunidade, mas trabalhamos juntos”, informou a liderança do Quilombo de Maria Joaquina. Ela disse ter esperança que as próximas etapas do processo de regularização – Portaria de Reconhecimento e Decreto Presidencial – ocorram até o final do ano.



A superintendente do Incra/RJ disse que a autarquia irá trabalhar nesse sentido.“Depois do Decreto Presidencial, o Incra fica autorizado a iniciar a desapropriação dos imóveis rurais de ocupantes não-quilombolas da território. Essa etapa engloba vistorias, avaliações dos imóveis rurais e ajuizamento de ações para posterior indenização dos proprietários”, esclareceu Maria Lúcia de Pontes.





Texto e fotos: Alvaro Britto


* Jornalista


Quilombo Tapera, em Petrópolis (RJ) tem importante conquista no processo de regularização do território

 

Equipe da ação integrada com as lideranças quilombolas Denise e Adão


Por Alvaro Britto*


Estamos muito felizes com a publicação do Relatório pelo Incra. É mais uma etapa da luta para a conquista da titulação do nosso território. Nossos antepassados sofreram muito para estarmos aqui. Foi muito sangue, usaram o corpo das mulheres, a nossa tataravó foi abusada. Defender sempre esse lugar lindo é a forma de agradecermos. E também para vivermos com justiça social e ambiental e contra todo tipo de racismo estrutural. Firmes, fortes, unidos e ligados para impedir a especulação com o nosso território”, declarou Denise André Casciano, 41 anos, diretora da Associação dos Remanescentes do Quilombo Tapera (ARQT), em Petrópolis, na região Serrana Fluminense.

Adão e Denise, lideranças do Quilombo Tapera

A comunidade recebeu no dia 23 de novembro o projeto Defensoria em Ação nos Quilombos, iniciativa da Defensoria Pública do Estado em parceria com a Acquilerj, Incra, Defensoria Pública da União (DPU) e Detran/RJ. “Esta última edição de 2024 foi muito especial porque coincidiu com o término do biênio da gestão da primeira Defensora Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro”, ressaltou a defensora pública Daniele da Silva de Magalhães, da Coordenadoria da Promoção da Equidade Racial, que coordenou a ação realizada em Tapera.

Representante do Detran; Marcella e Daniele, da Defensoria Pública do RJ; e Elisa, do Incra

Publicação do RTID

A chefe da Divisão Quilombola do Incra/RJ, antropóloga Elisa Ribeiro, destacou que a ação foi importante para o Incra estar presente no território pouco mais de um mês após a publicação pela autarquia, em outubro, do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da comunidade quilombola Tapera. “É uma etapa importante do processo de regularização do território, pois é o início da sua oficialização, do reconhecimento público de suas dimensões e localização, assim como de seus moradores” esclareceu ela.

Atendimento do Incra com Denise, liderança da comunidade de Tapera

O RTID reúne estudos técnicos e informações históricas, antropológicas, cartográficas, fundiárias, agronômicas, geográficas e socioeconômicas, que permitem identificar os limites do território, visando à titulação coletiva da área. O território delimitado do Quilombo Tapera tem 594,7 hectares e é composto por 27 famílias. O laudo antropológico do RTID foi produzido pelo Instituto de Terras e Cartografia do RJ (Iterj) entre 2016 e 2019. Em seguida, técnicos do Incra elaboraram o cadastro das famílias quilombolas, o relatório agroambiental e a planta e memorial descritivo.


Comunidade do Quilombo de Tapera


História de luta

As terras tradicionalmente ocupadas pelos quilombolas de Tapera estão localizadas em um vale cercado por maciços rochosos, cuja estrutura fundiária deriva de desmembramentos do imóvel rural Fazenda Santo Antônio, localizado no Vale do Cuiabá, distrito de Itaipava. O imóvel possui registros cartoriais e documentais que datam do século XVIII. Segundo o fundador e presidente da ARQT, Adão Casciano, de 43 anos, nascido e morador no Quilombo Tapera, a comunidade está na região há mais de 150 anos.

Banners expostos na sede da Associação 


Fundamos a Associação em 2010 para defendermos nossos direitos a políticas públicas como energia elétrica, melhoria da estrada, saneamento e transporte público além de lutarmos pela titulação do nosso território. Infelizmente, com a tragédia ambiental de 2011, perdemos nossas casas e o foco foi a reconstrução”, explicou o presidente da ARQT. “Com o apoio e orientação do procurador da República Charles Pessoa conseguimos a certidão da Fundação Palmares em maio de 2011 e abrimos o processo no Incra no início de 2013”, contou Adão.


Comunidade do Quilombo de Tapera


A troca de experiência com outras comunidades nos eventos da Acquilerj tem sido de grande importância. O empoderamento das mulheres quilombolas tem me motivado muito. Sugeri no Coletivo Feminista de Petrópolis e a Câmara Municipal criou o Dia Municipal da Mulher”, comemorou Denise, diretora cultural da ARQT. Ela tem organizado oficinas de artesanato, como turbante, fuxico e macramê. “Precisamos resgatar a nossa cultura, largar um pouco o celular. No Dia das Crianças realizamos brincadeiras ancestrais. Estamos com oficinas de jongo e em breve de feijoada. E logo e teremos um museu quilombola!”, garantiu a líder quilombola.



Balanço da ação

Segundo a defensora pública Daniele Silva, a ação realizada em Tapera “trouxe a sensação de estarmos no caminho certo ao ver a sociedade civil empoderada, a atividade associativa da Acquilerj respeitada, confiantes no trabalho da Defensoria Pública de cumprir sua missão constitucional de defesa intransigente das pessoas em situação de vulnerabilidade. Fica a esperança que no próximo biênio esse projeto seja preservado, buscando também seu aprimoramento”, concluiu.

Arendimento da Defensoria Pública da União 


Para o presidente da ARQT, “o evento foi muito positivo, já que várias demandas, como segunda via de documentos, foram resolvidas e a comunidade obteve informações sobre seus direitos”. Segundo Adão, estiveram na ação quase 50 pessoas.

Atendimento do Detran

A chefe da Divisão Quilombola do Incra/RJ destacou a preocupação da autarquia com o direito do quilombola idoso ao reconhecimento como segurado especial para fim de aposentadoria, que foi dificultado pela Portaria 1.209 do INSS. “Mesmo assim, a DPU fez o levantamento dos moradores de Tapera que estão solicitando a aposentadoria especial e o Incra já repassou as fichas de cadastro para que seja feita a solicitação ao INSS”, afirmou ela.






Texto e fotos: Alvaro Britto


* Jornalista


Comunidade Quilombola Alto da Serra do Mar, em Rio Claro (RJ), comemora Decreto do presidente Lula

    Comunidade recebeu dirigentes do Incra/RJ em outubro 
 

Por Alvaro Britto*

Fomos da humilhação a motivo de orgulho graças à nossa luta”, afirmou Terezinha Antero, 77 anos, ao comemorar a publicação, em 20 de setembro, do Decreto Presidencial que declarou de interesse social o Território Quilombola Alto da Serra do Mar, em Lídice, distrito de Rio Claro. Nascida em Passa Três, outro distrito do município localizado entre o Vale do Paraíba e a Costa Verde, no Sul Fluminense, Dona Terezinha chegou ao quilombo aos oito anos de idade, na década de 50 do século XX.

    Seu Dito e Dona Terezinha

Ela pertence à família Antero, cuja união com a família Leite através do seu casamento em 1965 com Benedito Leite, atualmente com 81 anos e nascido em Engenheiro Passos, distrito de Resende, deu origem à comunidade quilombola Alto da Serra. As duas famílias são descendentes de trabalhadores escravizados que viviam nas antigas fazendas de café do Vale do Paraíba. Após a abolição, sobreviveram da extração de carvão vegetal, combustível da nascente indústria da região, e colheita do palmito.

                                   Seu Dito

Agricultura familiar

Com a proibição do carvão e do palmito, buscamos a agricultura familiar, produzindo banana, milho, feijão, coco, aipim, hortaliça. A dificuldade era conseguir vender. Mas mesmo assim a gente fazia esse caminho aqui a pé, o caminho do ouro, pegava o ônibus lá embaixo e vendia a produção em Angra dos Reis”, contou Benedito Leite Filho, presidente da Associação Quilombola Alto da Serra do Mar, onde nasceu e vive há 53 anos. Bené é um dos seis filhos de Dona Terezinha e Seu Dito.

                     Benedito Filho, o Bené,  presidente da Associação

Nos anos 80 começaram as disputas judiciais pelo território. Além reintegração de posse, penhora, leilão e medida cautelar, as famílias sofreram ameaças. Somente em 2003 foi feito um acordo. “O pessoal chegava e dizia “sou dono do pedaço, eu sou dono do outro”. Resistimos com o apoio do projeto Balcão de Direitos da ONG Koinonia, que trouxe advogados e a Defensoria Pública, onde na época atuava a Maria Lúcia, que hoje é superintendente do Incra e está de volta para anunciar o Decreto”, lembrou Bené.

                      Bené fala na reunião com representantes do Incra/RJ


Muita emoção estar de volta para conversar com a comunidade sobre essa conquista tão importante depois de 21 anos”, comemorou a superintendente Maria Lúcia de Pontes. Com uma equipe da recém-criada Divisão Quilombola do Incra/RJ, ela visitou Alto da Serra no dia 31 de outubro para esclarecer as próximas etapas. “Agora, o Incra fica autorizado a iniciara desapropriação dos imóveis rurais de ocupantes não-quilombolas da território. Essa etapa engloba vistorias, avaliações e ajuizamento de ações para posterior indenização dos proprietários”, explicou. 


    Reunião da comunidade de Alto da Serra do Mar com dirigentes do Incra/RJ

Orgulho de ser quilombola

No Território Quilombola Alto da Serra do Mar, que possui uma área de 211,98 hectares, 20 famílias vivem da agricultura, piscicultura e criação de animais de pequeno porte. Em 2003, a comunidade se autodeclarou remanescente quilombola, abriu processo de titulação do território em que vivem em 2006 no Incra, foi certificada pela Fundação Cultural Palmares em 2010 e teve sua Portaria de Reconhecimento publicada em 19 de abril de 2016. 


                      Dona Terezinha assina lista de presença                                                                                                                                              
Como diz minha mãe, hoje temos vários motivos de orgulho: a produção de doces e bananadas, a comercialização dos nossos produtos na região, o reflorestamento e recuperação das nascentes dos rios, o ecoturismo com visitas guiadas por quilombolas na Trilha do Cameru, o plantio de sementes juçara para atrair fauna e flora, a capacitação em associação e cooperativismo na Escola Rio das Pedras, e a nossa Dança Afro, composta por jovens que se apresentam por todos os cantos, representando a cultura quilombola do Alto da Serra”, apontou Benedito Filho.

                      Alvaro Britto entrevista Dona Terezinha e Seu Dito



Texto e fotos: Alvaro Britto


* Jornalista