sábado, 18 de junho de 2022

COMITÊ POPULAR DE LUTA

Marielle Franco é homenageada em Resende

Por Alvaro Britto


Foi lançado na noite do dia 21 de maio, o Comitê Popular de Luta Marielle Franco em Resende. Quase trinta pessoas – maioria de mulheres - resistiram ao frio e se reuniram com muito entusiasmo, emoção e compromisso de luta, acolhidos com muito carinho pela professora Priscila Messias, presidenta do PCdoB de Resende, em sua casa na Cidade Alegria. Filiados a partidos da coligação, militantes de movimentos populares, vários ativistas de esquerda sem filiação, enfim cidadãs e cidadãos brasileiros unidos para homenagear Marielle e na luta para mudar o Brasil e o estado do Rio de Janeiro. A reportagem do Pavio Curto também estava lá.

Em Resende, já estão em funcionamento mais três comitês: do Calçadão, do bairro Novo Surubi e da Feira Livre da Beira Rio, cujo lançamento festivo está previsto para o dia 3 de julho. Outros bairros e movimentos populares também estão se organizando. Já são mais de 3 mil Comitês espalhados pelo Brasil e no mundo, organizados em territórios, segmentos sociais, movimentos populares e também virtuais, prontos para reconstruir a esperança e resgatar a alegria de nosso povo nas redes e nas ruas. 

O que é e qual a importância dos comitês?


Os comitês populares de luta são espaços que reúnem e acolhem todas as pessoas que querem participar das lutas em cada lugar e contribuir para transformar a vida do povo brasileiro. Podem se organizar por rua, comunidade, bairro, cidade, local de estudo, local de trabalho, luta setorial, pré-candidaturas, mandatos e de todas as formas que ajudem a reunir pessoas, inclusive de forma virtual, para organizar a atuação nas redes sociais.

Há um entendimento comum de que, para transformar o Brasil, é urgente e necessário criar um forte e organizado movimento capaz de sustentar, nas ruas, um Programa Popular de Reconstrução e Transformação do Brasil. Porque é necessário defender os direitos do povo e construir uma consciência popular de que o voto para presidente é só o primeiro passo; é necessário construir uma base de deputados/as, senadores/as, governadores/as, que sustentem as transformações que o País precisa. Porque a melhor maneira de combater as mentiras e as fake news é criando vínculos e confiança com as pessoas em cada lugar do Brasil.

Os Comitês têm, portanto, três momentos distintos mas interligados e que se superpõem. No primeiro, organizar as pessoas, realizar atividades de conscientização e formação, promover atividades de pré-campanha, debater as propostas do Programa Popular de Reconstrução e Transformação do Brasil. No segundo, a partir de agosto, engajar-se na campanha eleitoral propriamente dita de Lula, Freixo e das candidatas e candidatos ao parlamento dos partidos de esquerda.  E na terceira etapa, após a vitória, garantir a posse, dar sustentação e mobilizar a sociedade em defesa da implementação das propostas do nosso programa.


Com a palavra, as organizadoras do Comitê Marielle Franco

De acordo com seus princípios editoriais, o Pavio Curto entrevistou e publica na íntegra os depoimentos com as expectativas das cinco mulheres que estão na coordenação do Comitê Popular de Luta Marielle Franco, organizado a partir da região da Grande Alegria, em Resende. 

Ana Maria Sória – comerciante, PT: “A minha expectativa é que o Comitê cresça com adesão das mulheres daquele lado da cidade, que cada uma que entre consiga trazer a vizinha, filha, colega e isso já está acontecendo. Pretendemos, entre outras atividades, marcar presença aos sábados na feira livre do Acesso Oeste, que vai dar visibilidade ao Comitê. Vamos conversar com as pessoas que estiverem circulando por lá e colher assinaturas e com isso fortalecer o número de mulheres no Comitê. Teremos também encontros culturais e de estudo para preparar o Comitê pra Campanha eleitoral de fato, à partir de agosto.”


Priscila Messias – professora, PCdoB: “O Comitê de Lutas Marielle Franco nasceu da necessidade de semear o amor e a esperança na região da grande Alegria. Um comitê inclusivo conduzido por mulheres partidos e movimentos sociais que se uniram para derrotar Bolsonaro e eleger Lula presidente e Freixo governador do estado do RJ.Nossas expectativas é de que, possamos, através do amor e acolhimento, promover conscientização política para todes.”


Mariana Bossan – professora,  PSB: “Nossa expectativa com o Comitê Popular de Lutas Marielle Franco é poder alcançar pessoas que não estão engajadas em militância política, mas que já se perceberam cidadãos indignados com a atual situação do nosso país, especialmente as mulheres que tem seus direitos violados diariamente. É uma oportunidade de dar esperança à quem deseja mudança e um lugar de escuta em que as demandas populares sejam ouvidas.”


Roseneia Oliveira – professora, PT: “Penso que por se localizar na região da Grande Alegria, o Comitê Popular de Lutas Marielle Franco tem excelentes possibilidades de alcançar um grande número de pessoas interessadas em participar da reconstrução do Brasil e também no futuro, de se tornar uma referência ou base de debates sobre variados temas desta enorme comunidade na Cidade de Resende. As características de Marielle Franco - ativista social/feminista/lgbtqia+- darão sustentação as inserções na comunidade, tanto no espaço fixo quanto de forma itinerante nos bairros próximos.”


Luciana de Souza – servidora pública, PT: “O que eu espero do nosso comitê de militância é que ele cresça, que possamos politizar as pessoas criando uma corrente progressista, fortalecendo a esquerda na nossa região, principalmente aqui em Resende.”



Saiba como organizar um Comitê Popular de Luta

Quem pode participar dos Comitês Populares de Luta e como eles podem funcionar?

Pessoas filiadas ou não aos Partidos, que querem se organizar para as lutas de cada lugar. Os Comitês podem funcionar com atividades presenciais, digitais, ou com participação presencial e digital ao mesmo tempo. Os Comitês digitais necessariamente atuam em um local, município ou luta setorial.

Que princípios orientam os Comitês Populares de Lutas?

1. A defesa do povo brasileiro e de uma sociedade justa, fraterna e igualitária; 

2. Enfrentamento à extrema direita e ao neoliberalismo; Combate aos preconceitos; Acolhimento; e Trabalho Coletivo; 

3. Os Comitês são um espaço de trabalho conjunto, no qual todas as pessoas são valorizadas, respeitadas nos seus saberes e nas diversas formas que podem contribuir. 

Que atividades os Comitês Populares de Lutas realizam?

Os Comitês atuam em rede e recebem, semanalmente, orientações sobre a conjuntura e as atividades nacionais, criando um grande movimento em todo o País.  Alguns exemplos de atividades:

1. Reuniões e atividades públicas periódicas; 

2. Identificar as principais dores, lutas e alegrias das pessoas do local onde o Comitê vai atuar, para criar pontes com o Programa Popular de Reconstrução e Transformação do Brasil; 

3. Identificar movimentos sociais, grupos, associações, sindicatos, comunidades, locais de estudo, locais de trabalho e reuniões e convidar as pessoas para o Comitê; 

4. Identificar locais, como praças, ruas, feiras, equipamentos e espaços públicos, pontos de transporte, estações, festas, comércios e outros pontos de encontro das pessoas onde o Comitê possa realizar atividades; 

5. Panfletagens. Entregar materiais, ouvir e conversar com as pessoas, cadastrar os contatos e convidar as pessoas para as próximas atividades; 6. Visitas de Casa em Casa. Pensar coletivamente num roteiro de conversas com as pessoas, escolher um dia em que estão em casa, conversar, ouvir e valorizar os pontos de vista delas;

6. Visitas de Casa em Casa. Pensar coletivamente num roteiro de conversas com as pessoas, escolher um dia em que estão em casa, conversar, ouvir e valorizar os pontos de vista delas;

7. Caminhadas, Cicleatas ou Skateatas. Reunir um número razoável de pessoas, definir trajetos, palavras de ordem, sons, como abordar as pessoas, pontos de concentração e dispersão da atividade e comunicar as autoridades públicas locais; 

8. Mural, Varal ou Microfone dos Sonhos, Desejos e Histórias de Lutas. Convidar as pessoas para escrever ou contar suas histórias, desejos e sonhos e criar as conexões com o Programa Popular de Reconstrução e Transformação do Brasil; 

9. Atividades Culturais. Filmes, curtas, vídeos, projeções, músicas, pinturas, intervenções teatrais, que podem ser usados para reunir as pessoas e iniciar uma conversa; 

10. Mesa na praça (ou local público) com café e bolo. Convidar as pessoas a tomar um café com bolo e conversar sobre como elas veem o País, o seu lugar e como isso se articula com o Programa Popular de Reconstrução e Transformação do Brasil; 

11. Aulas Públicas ou Rodas de Conversa. São momentos de chamar pessoas para falar sobre diversos assuntos, por exemplo, economia, educação, meio ambiente, e também ouvir e dialogar com as pessoas que estão participando;

12. Atividades Digitais. Compartilhar os materiais e publicar nas redes e grupos, produzir vídeos, memes e cards, fazer lives com as pessoas do local, formação da central municipal de combate às fakenews  e espalhar a verdade na rede; 

13. Use a Criatividade. Junte e combine algumas dessas atividades sugeridas, ou reúna as pessoas do Comitê para pensar novas formas de fazer atividades e aprenda com as experiências dos outros Comitês pelo País.

Como faço para construir um Comitê Popular de Luta?

Passo 1: Reunir presencial ou digitalmente um grupo de pessoas que queiram construir um Comitê; 

Passo 2: Definir em que rua, comunidade, bairro, cidade, local de estudo, local de trabalho ou luta setorial o Comitê vai atuar; Passo 

3: Registrar o Comitê na Plataforma (casa13.pt.org.br) e indicar até três pessoas que vão receber os materiais e orientações, por e-mail, Whatsapp e Telegram; Passo 

4: Planejar e realizar as atividades. É importante começar, mesmo que sejam atividades simples com um grupo pequeno.

Como os Comitês podem articular o Programa Popular de Reconstrução e Transformação do Brasil ao locais, comunidades e lutas setoriais?

Os Comitês fazem a ponte entre o Programa e as lutas das pessoas nos locais onde atuam; por exemplo, se no bairro onde o Comitê atua, a principal luta é pelo saneamento básico, o Comitê pode fazer materiais sobre as propostas para o saneamento que estarão no Programa.

Texto e fotos: Alvaro Britto

Fonte: pt.org.br 

Tudo faz sentido, mas é mera coincidência

Aos 25 anos, Os Ciclomáticos traz reflexão sobre o papel da mídia


Por Alvaro Britto

Quem não já se pegou contando o número de likes ou visualizações em um post? Quem já não compartilhou uma desinformação, a popular fake –news? Quem não se pegou conversando com uma pessoa que está na sala ao lado através de aplicativo de mensagens? Quem não se viu numa mesa onde todos estão interagindo nas redes sociais e ninguém interage com quem está sentado ao lado? Quem não se viu orientando seu comportamento e atitudes pelo que está viralizando nas redes sociais?

Que a mídia sempre influenciou as nossas vidas, isso não é novidade. Desde as pinturas rupestres até a poderosa rede Globo, passando pela Bíblia e chegando na rede da legalidade de Brizola. Entretanto, algumas características das redes sociais as colocam em “outro patamar”, para o bem e para o mal, como a rapidez e falta de obstáculos para a propagação da informação, a chamada viralização. Uma mensagem postada no Brasil – dependendo da conexão e do pacote de dados, é claro – pode chegar a centenas, milhares, de pessoas quase que instantaneamente em países do outro lado do mundo. 

Há ainda outra novidade. Diferente da antiga comunicação unidirecional, tipo “eu falo, gravo, escrevo ou desenho e todos escutam, assistem ou leem”, com as redes sociais o jogo passou a ter mão dupla. Claro que sempre houve a comunicação interpessoal, onde conversamos e dialogamos com outra pessoa, ou mesmo em uma aula ou numa palestra participativa. Hoje, todos são produtores de conteúdo – de boa ou má qualidade, mas não é essa a discussão – que podem chegar a inúmeras pessoas a qualquer distância. Isso revolucionou a comunicação e, naturalmente, a convivência entre os seres que habitam o planeta.

Com a palavra, quem constrói os Ciclomáticos


Essa é a reflexão que traz o grupo Os Ciclomáticos Companhia de Teatro com o seu novo espetáculo “Tudo faz sentido, mas é mera coincidência”, que estreou no dia 2 de junho no Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto, no bairro do Humaitá, no Rio de Janeiro. A montagem inédita, que também comemora os 25 anos da companhia teatral, tem texto de Fabiola Rodrigues e Ribamar Ribeiro, que também assina a direção. No elenco, Carla Meirelles, no papel da filha; Getúlio Nascimento, o cachorro; Julio Cesar Ferreira, o pai; Nívea Nascimento, a mãe; Renato Neves, o filho; e Fabíola Rodrigues, como a mídia (não é a Alexa, como a atriz faz questão de destacar).

A atual temporada vai até o dia 25 de junho. A peça tem patrocínio da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e Secretaria Municipal de Cultura, através do projeto “Os Ciclomáticos – 25 anos de Teatro Suburbano”, contemplado no edital FOCA 2021. A reportagem do Pavio Curto foi gentilmente convidada pelos Ciclomáticos para a estreia e compareceu. Já havíamos assistido ao espetáculo “Ariano – O Cavaleiro Sertanejo” no mês anterior e saímos maravilhados pela energia positiva e qualidade do espetáculo. A amiga, atriz, diretora e escritora Fabíola Rodrigues também integra o Coletivo Pavio Curto e nos apresentou ao trabalho dos Ciclomáticos. 


Entretanto, na nossa equipe de reportagem (ainda) não há críticos de teatro. Como é de costume e um dos princípios do Pavio Curto, resolvemos dar a voz a quem constrói o espetáculo e os Ciclomáticos. Na correria da vida, entre uma apresentação e outra, uma viagem e outra, precisamos escolher apenas quatro representantes: Ribamar, Fabiola, Getúlio e Nívea, a quem agradecemos imensamente a disponibilidade e o pronto retorno.

Os Ciclomáticos, como o Pavio Curto, tem entre suas marcas o trabalho coletivo. Logo, citamos e homenageamos todos os demais integrantes, também responsáveis pela construção desses 25 anos de caminhada de muita luta e sucesso. Parabéns!! André Vital (in memoriam) - figurinista e visagista; Cachalote Mattos – cenógrafo; Carla Meirelles - atriz e diretora; Fabíola Rodrigues - atriz, diretora e escritora; Fernanda Dias - atriz e coreógrafa; Getúlio Nascimento - ator, maquiador e preparador vocal; Juliana Santos - atriz, fonoaudióloga e preparadora vocal; Julio Cesar Ferreira - ator e diretor; Mauro Carvalho - ator, coreógrafo e iluminador; Nívea Nascimento - atriz, designer e figurinista; Renato Neves - ator e diretor; Ribamar Ribeiro - ator, diretor, escritor e Produtor. 


Ribamar Ribeiro: “O nosso teatro é um ato de resistência e não vão nos derrubar!”


Ribamar Ribeiro é ator, diretor, dramaturgo, produtor, professor e sonoplasta. Possui Licenciatura em Artes Visuais e é Mestre em Artes na UERJ. Já escreveu e dirigiu mais de 50 espetáculos teatrais.

É Diretor Artístico e um dos fundadores de Os Ciclomáticos Companhia de Teatro e da CTI - Comunidade Teatral Independente. Como Ator já trabalhou com André Paes Leme, Marília Martins, José da Costa e Nanci de Freitas e Antônio Abujamra. Possui mais de 40 prêmios em todo o Brasil. Professor da FUNARTE, SENAC Rio e SESC Rio. Ministrou oficinas e palestras nas Universidades: UNIRIO, UFBA, Universidade Rural e Estácio de Sá; e também em Festivais Internacionais: Lima - Peru, França e Alemanha. Em 2006 dirigiu o musical sobre samba: "É Isso Aí, Irajá!", de Nei Lopes. 

Em 2013 escreve e dirige "Casa Grande e Senzala - Manifesto Musical Brasileiro" vencedor do Prêmio Montagem Cênica do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Em 2015 recebe o Prêmio Internacional do Festival Internacional de Teatro Latino-americano em Lima no Peru como diretor e dramaturgo pela pesquisa de linguagem. Também participa do festival Santiago a mil na Comitiva Brasileira do Ministério da Cultura no Chile. Em 2018 foi jurado do Concurso de Dramaturgia para Infância e Juventude - FUNARTE - 2018. Em 2020 participa do Laboratório de Direção Cênica do X FESTEPE - Festival Internacional de Teatro y Performance em Chancay - Lima - Peru.

Como dramaturgo, foi selecionado para as publicações com os seus textos: "Cenas do Confinamento", "Escrita Criativa - UERJ" e "Festival de Peças de Um Minuto" de Os Parlapatões. A sua performance "Arquivo Vivo" foi apresentada na UERJ, UFRJ / EBA e na PUC Rio. 

Como começou sua carreira no teatro?

Eu comecei a fazer teatro na igreja católica perto de onde morava. Era um menino da favela do Jacarezinho e nunca tive artista na família, mas sempre tive vontade de atuar. Até me lembro que guardei um recorte de jornal que tinha uma matéria sobre escolas de teatro. Fui fazer Tablado, e logo depois fiz o teste para entrar para o Curso de Ator Profissional do Senac Rio. Ali foi onde encontrei a minha família que se tornaria parte do que é Os Ciclomáticos hoje!

Como nasceu o Ciclomáticos e o que significa teatro suburbano?

Os Ciclomáticos nasce nas ruas de Bonsucesso, onde fica o Senac e ali este grupo de jovens percebeu que poderia se juntar para fazer teatro.

Hoje, a Companhia possui sede própria, localizada na Rua de Santana, Centro, Rio de Janeiro, denominada Espaço das Artes – Os Ciclomáticos. Em 1999, passou a se chamar Os Ciclomáticos Companhia de Teatro, da qual sou um dos fundadores. Uma das curiosidades sobre o nome da Companhia é que o nome anterior era da diretora do Grupo na época, Lia Sol Lenberg. Porém, com a saída dela, em uma de nossas reuniões, iniciamos uma busca para o novo nome do grupo. Na época, ensaiávamos na casa de um dos integrantes, Renato Neves, e no meio da reunião alguém sugeriu o nome Ciclomáticos e perguntamos o porquê desse nome. A resposta foi a seguinte: “Nós sempre ensaiamos perto dessa geladeira velha que usamos como armário, sempre aqui e o nome dela é Ciclomático. Acho que seria legal este nome.” Enfim, neste dia passamos a nos chamar Os Ciclomáticos, a companhia com nome de geladeira.

Nós somos legitimamente uma companhia de teatro suburbana. Os integrantes todos são do subúrbio carioca e ter esta representatividade é de extrema importância, já que no Rio existe um forte bairrismo e por muitas vezes acredita-se que só tem teatro de qualidade na zona sul e centro do Rio. Por isso, nos intitulamos de teatro suburbano.


Quantas peças escreveu? Qual o estilo predominante?

Escrevi em minha carreira mais de 40 espetáculos, para Os Ciclomáticos e outros coletivos. A maioria dos meus espetáculos vem da pesquisa do teatro-seminário, metodologia criada por mim, que se tornou a pesquisa do mestrado em Artes.

O que é ser diretor do Ciclomáticos?

É uma honra! Ter estes artistas incríveis que acreditam nas minhas loucuras e embarcam juntos sem pestanejar é fantástico! Só tenho a agradecer!

Como foi a emoção e o significado dessa estrela junto com a comemoração dos 25 anos?

Uma celebração, afinal de contas bodas de prata não é para qualquer um! Muito orgulhoso de fazer um trabalho tão diferente e contemporâneo com a companhia. Só alegria, pois tudo faz sentido, mas é mera coincidência!

Projetos para o futuro?

Temos vários! Queremos abrir um mercado internacional apresentando nossos espetáculos, levando arte para a Europa, Américas e Ásia! Reverberar a qualidade do trabalho artístico para o mundo! E continuar levando arte para o Brasil, que está precisando mais do que nunca!

Como avalia o atual momento da cultura brasileira?

Nós artistas fomos muito apedrejados nesta conjuntura, muito desvalorizados e a pandemia provou como fomos necessários para manter a saúde mental e psicológica. O nosso teatro é um ato de resistência e não vão nos derrubar!

Fabíola Rodrigues: “a mídia desempenha um papel de espelhamento do que a sociedade reflete”


É diretora formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-graduada em Psicopedagogia Institucional pela AVM-Cândido Mendes, estudou interpretação e linguagem corporal no Centro Artístico Experimental - SESC RIO, sob a coordenação de Ana Kfouri. Membro da Companhia desde 2003, como atriz e diretora, ingressou no papel de dramaturga em 2006 no programa infantil “Antes que o Galo Cante”, escrito em conjunto com Ribamar Ribeiro. 

Coordenadora e instrutora de projetos sociais no SENAC RIO, trabalha com desenvolvimento e inclusão social desde 1998 e colabora com a APAE, SEFRAS e CIEDS. Premiada como atriz, diretora e dramaturga em festivais reconhecidos nacionalmente, ela participa de vários shows realizados pela empresa, incluindo seu trabalho mais recente como atriz, o musical “Casa Grande e Senzala - Manifesto Musical Brasileiro”. Atualmente como educadora de arte, ela pesquisa e desenvolve projetos em torno do universo das histórias.

Como começou sua carreira no teatro?

Sou de Itatiaia e comecei fazendo um curso com Daniel Fortes e ele me convidou para conhecer o grupo em Penedo. Eu tinha 16 anos na época. O grupo já existia mas estava se estruturando no momento, Herdeiros de Tespis. Os integrantes, incluindo eu, fomos para o Rio estudar. A primeira ideia era nos formar e retornar com o grupo. Tentamos no Rio, mas não funcionou. Em 2003 conheci o Ribamar em um curso de direção teatral no SESC Tijuca, e ele me falou sobre os Ciclomáticos e o projeto novo. Me convidou para assistir uma leitura do texto e quando vi já estava como atriz no projeto. Desde então faço parte do grupo.

Como e quando você entrou para o Ciclomáticos? Além de atriz, o que mais faz?

Eu entrei oficialmente em 2003 com o espetáculo "Amargasalmas". Fui convidada por Ribamar Ribeiro para atuar, estávamos fazendo um curso no SESC Tijuca com a Marília Martins, onde nos conhecemos. Atualmente além de atuar, também escrevo, colaborando com a dramaturgia e letra de música.

Quantas peças você já escreveu? Qual o estilo predominante?

Escrevi quatro peças das quais duas foram encenadas. Além de esquetes teatrais e adaptações. Não saberia definir um estilo, porque em geral escrevo pensando no projeto e cada um acaba por ter seu estilo próprio.

Como foi a emoção e o significado dessa estreia junto com a comemoração dos 25 anos?

Foi emocionante, em especial porque foi a primeira estreia sem o André Vital e isso mexeu muito com a gente. Outra questão foi o desafio de uma nova linguagem e personagens bem diferentes do que estávamos acostumados.

Você interpreta a mídia, tema central da peça.  Com vê o papel e influência da mídia nas relações familiares e na sociedade como um todo?


A mídia se confunde um pouco enquanto conceito e personagem. Neste caso, respondendo como dramaturga eu diria que a mídia desempenha um papel de espelhamento do que a sociedade reflete. Foi importante desenvolver no texto também que a mídia sempre esteve atrelada às tecnologias. E que a tecnologia não necessariamente é um aparato eletrônico. A máquina de escrever é uma tecnologia, a caneta é tecnologia. Então quando ela fala "eu comecei nos jornais e nas revistas", tem que se colocar também que a prensa foi a primeira tecnologia que levou às massas o papel midiático.  Então ela nasce ali naquele momento em que você consegue atingir as massas. 

Foi importante também passar a informação do que realmente é a mídia e do que a mídia pode alcançar. Não é uma coisa ruim. Ela tem outras capacidades, outras potencialidades que podem ser atingidas de formas diferentes, mas ela só faz aquilo o que a sociedade mandou fazer. E também alertar sobre os problemas que essa nova tecnologia carrega, como os algoritmos e a questão da bolha de você estar inserido no sistema que não te deixa ampliar além daquilo que já conhece. E principalmente sobre a privacidade, que era algo muito caro e que agora há um mundo tecnológico onde as pessoas simplesmente ignoram ou não percebem que estão abrindo mão dessa privacidade. 

Como atriz, eu já vejo na mídia uma personagem extremamente arrogante e prepotente, porque ela conhece seu poder mas ao mesmo tempo sua fragilidade. Em cena, são poucos os momentos em que ela revelou essa fragilidade. Todo mundo pensa que ela tem o controle mas na verdade o controle não está com ela.  Apesar dela controlar todo o espetáculo e toda a cena, essa personagem é na verdade controlada, já que ela não tem a opção de fazer diferente pois é apenas o reflexo da sociedade e daquela família. Isso a incomoda profundamente.  Ela quer ser controlada pelo lado mais benéfico e vê na figura do cachorro essa possibilidade. Mas acaba não sendo porque a sociedade vai mudando o cachorro para o mesmo viés que a família se encontrava.

Você sofre ou já sofreu machismo no teatro? Isso está mudando ou piorou nesses tempos de obscurantismo?

Como sempre vivenciei a experiência de grupo, nunca presenciei o machismo no teatro. O mais próximo foi com um professor da faculdade de Direção Teatral que quando eu disse que começaria a atuar, disse uma frase grosseira, "dizendo que era só colocar os peitinhos de fora". Durante este período mais obscuro a verdade é que toda a classe sofreu ataques.

Nívea Nascimento: ”25 anos marca uma trajetória de muito trabalho, muita dedicação e muito amor”


Formada em Publicidade, Técnica de Produção de Moda e atriz de Os Ciclomáticos Cia de Teatro, atua em inúmeros espetáculos dentro de Os Ciclomáticos e também na CTI - Comunidade Teatral Independente, que consiste em um movimento cultural da zona norte do Rio de Janeiro, instituição essa que exerce as três funções, atriz, figurinista e designer gráfica.

Com 20 anos trabalhando no ramo da cultura, é detentora de vários prêmios em destaque de atuação e figurino. Participou de incontáveis festivais de teatro dentro e fora do país como Peru, França e Alemanha. Teve o prazer de se apresentar para plateias numerosas que contavam com 6 mil espectadores, e outras menores que tiveram contato com arte pela primeira vez e saíram transformadas (coisas das artes).

Como atriz em teatro seus últimos trabalhos foram: Casa Grande e Senzala - Manifesto Musical Brasileiro; A Farra do Boi Bumbá; Avesso; Minha alma é nada depois dessa história; O Noviço. Atuação em curta metragem: Porta a fora. Figurino: Avesso; O Beijo no Asfalto; A farsa do Poder; O Noviço; O que eu fiz para merecer isso.

Como começou sua carreira no teatro?

Teatro faço desde sempre. Iniciei na escola primária. Desde lá já diziam que era uma mini Claudia Raia  kkkkkk

Como e quando você entrou para o Ciclomáticos?

Em 2003 iniciei um curso de teatro pelo Senac RJ onde o Renato Neves era coordenador e o Ribamar Ribeiro professor de teatro. Meu primeiro espetáculo profissional foi com direção do Ribamar inclusive. Em 2004, "É isso aí, Irajá" com texto de Ney Lopes. Eu fazia teatro sem nunca ter ido ao teatro, que loucura isso, não?! Foi em 2004, no teatro Miguel Falabella, no Norte Shopping, que assisti pela primeira vez, com toda estrutura teatral, um espetáculo, "Amargasalamas", também com direção do Ribamar. Um anos depois eu estava em palco, com os Ciclomáticos, fazendo uma substituição para esse mesmo espetáculo. Em 2006 recebi o convite para integrar a Cia.

O que é ser uma atriz do Ciclomáticos?

É ralar muito kkkk! Não por ser atriz lá. Mas pelo fato do grupo trabalhar de forma coletiva, onde o ator não é somente ator, ele é também contra regra, produtor, designer, relações públicas, financeiro... Talvez a técnica seja a única área que trabalhe numa única função. Os demais, atores e diretores, esses fazem de tudo!

Como foi a emoção e o significado dessa estreia junto com o aniversário de 25 anos da Cia?

É o primeiro espetáculo depois da perda de um dos fundadores da Cia, André Vital, figurinista e visagista do grupo. Um comediante nato. Não! Ele não era ator. Mas levava muito jeito para comédias ácidas. kkkkk Nos deixou numa sexta-feira de carnaval, a festa que ele mais amava.

Todas as nossas obras levam a mão muito forte e presente do André. Mesmo que ele fosse aberto aos novos olhares, pois sempre trabalhou de forma colaborativa, agregando pessoas, somando com outros artistas, ainda assim, sua assinatura era muito particular. E graças a ele, e a maestria que tinha e juntar pessoas, promover encontros, que escolhemos Julia Paula e Tiago Costa para estarem com a gente nesse trabalho que inclusive, é a cara dele. Em todo os sentidos. André e Julia estudaram moda juntos na faculdade e Tiago tem em seus trabalhos artísticos como performance drag muitas referências dele.

25 anos marca uma trajetória de muito trabalho, muita dedicação e muito amor. Somos uma família com todos os seus percalços, mas permanecemos juntos. Se nem uma pandemia mundial nos separou, nada mais nos separa.

Como está sendo interpretar a mãe, uma espécie de síntese ampliada da família?


Está sendo uma delícia! Ela é histriônica com todas as características do significado dessa palavra. 

Uma mãe, mulher e esposa que nem pode expressar tudo que pensa. Quer ser vista como a melhor entre os melhores dentro de toda sua futilidade e falta de afeto familiar, tanto para dar quanto para receber. Uma mulher que quer se apresentar para o mundo mas não quer ser vista por ele. Uma matriarca típica que vive o caos mas fecha os olhos para tudo. 

Estou amando o papel. Acredito ser uma crítica familiar, social e tecnológica necessária.

Você sofre ou já sofreu machismo no teatro? Isso está mudando ou piorou nesses tempos de obscurantismo?

Não, nunca sofri machismo no teatro. Não que me lembre. Sempre fui muito imediatista. Agitava uma função e saía, agitava outra e saía. Se fizeram não presenciei. 

As pessoas estão seguindo a linha da verdade, "essa é a MINHA VERDADE", e cada ser constrói e segue a sua própria verdade. É até difícil mensurar se dentro de tantas "verdades" mudanças ocorreram e/ou estão ocorrendo.


Getulio Nascimento: “Ser um ator do Ciclomáticos é você se entregar de corpo e alma pra aquela arte”


Getulio Nascimento é ator e cantor, licenciado em Artes Visuais, integrante de Os Ciclomáticos Companhia de Teatro e da CTI – Comunidade Teatral Independente. Além de ator, também trabalha como cantor, preparador vocal, professor de artes cênicas e maquiador. Participou de mais de vinte espetáculos como ator, entre eles: “Casa Grande e Senzala – Manifesto Musical Brasileiro”, “Salve Ela – Carolina Maria de Jesus em Cena”, “GENET – Os Anjos Devem Morrer” entre outros. 

Como cantor gravou trilhas sonoras para os espetáculos, se apresenta com o show "Caminhos e Andanças" e lançou em 2021 o seu primeiro álbum "Eu Vim". Como preparador vocal trabalhou no espetáculo "Ariano - O Cavaleiro Sertanejo", “Casa Grande e Senzala – Manifesto Musical Brasileiro” com Os Ciclomáticos, com a CTI – Comunidade Teatral Independente e nos Cursos de Formação dos Espetáculos-Aula para Professores de Artes Cênicas da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. 

Estudou na Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Pena e no SENAC Rio. É professor no SESC Rio e também lecionou Teatro na AVICRES – Associação Vida no Crescimento na Solidariedade, nos SESCs de Engenho de Dentro, Madureira e Niterói, e no Espaço Cultural Brasil, trabalhando com crianças e adolescentes carentes. Possui 10 prêmios e 4 indicações como Ator, entre eles, o Prêmio Paschoalino dado pela FETAERJ – Federação de Teatro Associativo do Estado do Rio de Janeiro e o FENATA. Possui também 4 prêmios e 2 indicações de Melhor Maquiagem em festivais de Teatro.

Como começou sua carreira no teatro?

Começo como artista aos sete anos de idade, cantando e fazendo teatro na Igreja Católica.  Até 16 anos fiz cursos livres de canto e teatro.  A partir daí, comecei a fazer outros cursos e estudar de fato o teatro como forma de trabalho. No SENAC de Irajá, com o Ribamar como professor e Renato Neves coordenador dos cursos, comecei a ter contato com o teatro profissionalizante. Após terminar o SENAC, no final de 2005, fiz prova e passei para o curso profissionalizante da Escola de Teatro Martins Pena, que é uma escola centenária, primeira escola pública de teatro do Brasil fundada em 1908. Comecei em 2006 e fui até o início de 2009 fazendo esse curso profissionalizante. 

Como e quando você entrou para o Ciclomáticos?

Em 2006 mesmo, ainda cursando a Escola de Teatro, fui convidado a participar do Ciclomáticos, para o Espetáculo infantil “Antes que o galo cante”. Junto com ele, o grupo também estava montando um espetáculo para comemorar os dez anos da Cia, “Sobre mentiras e segredos”. Trabalhei como ator convidado. Em seguida passei a ser ator fixo do grupo. 

A minha carreira de ator veio muito em paralelo com a minha carreira de cantor. Por ter esses talentos múltiplos, elas sempre andaram juntas. Tanto que no teatro eu sempre cantei, assim como no canto eu sempre trouxe um pouco da atuação. E quando eu estava estudando teatro, tanto no SENAC quanto na Escola Martins Pena, também fazia cursos relacionados a canto. Tanto que, assim que terminei a Escola, emendei num curso de canto lírico, que estudei durante três anos e meio. Então também sou um cantor erudito, além de ser um cantor popular. 

Então até hoje a minha vida como cantor e como ator andam juntas, em paralelo. Sempre que estou no Ciclomáticos, estou com projetos paralelos do meu show, “Caminhos e Andanças”, que eu tinha antes de lançar o meu álbum no ano passado, o meu primeiro com músicas autorais. Essa é a minha dupla jornada de carreira que me acompanha até hoje. 

O que é ser ator do Ciclomáticos?


Ser ator do Ciclomáticos é você não ser apenas ator, é você ser um artista, um multiartista dentro do Ciclomáticos, porque aqui nós nunca fazemos apenas uma função. Além de atores, também somos maquiadores, contrarregras, cenotécnicos, fazemos de tudo. Ser um ator do Ciclomáticos é você se entregar de corpo e alma pra aquela arte. Tem uma coisa que a gente sempre faz, que aconteceu comigo e também com outras pessoas do grupo. Nós temos todas as áreas de atuação dentro das artes cênicas entre os integrantes do grupo. Tanto que, como ator, eu fui também me especializar em canto pra trazer a arte do canto pra dentro do grupo, nos trabalhos em que precisasse ter um olhar do canto eu pudesse trazê-lo. 

Além disso, o meu gosto por desenho e também por ser artista visual, uma das minhas formações, também trouxe a maquiagem para o meu trabalho como ator e chego a assinar um cenário dentro de um espetáculo do grupo. Então ser um ator do Ciclomáticos é você ser um multiartista dentro do grupo, trazendo o que tem de melhor, o que mais gostaria de fazer, estudar isso e trazer de fato como mão e braços e tudo pra dentro do grupo. 

Como foi a emoção e o significado dessa estreia junto com o aniversário de 25 anos da Cia?

Uma emoção incrível fazer essa estreia, ainda mais em comemoração com os 25 anos do grupo. Porque fazer 25 anos numa Cia de Teatro suburbana já é uma grande conquista. Então fazer aniversário com a estreia de um espetáculo incrível é muito importante pra nós, pois além de uma comemoração, é ao mesmo tempo uma reflexão sobre o que a gente passa hoje em dia, sobretudo essas questões tecnológicas que influenciam o nosso dia a dia. 

Os Ciclomáticos, com 25 anos de muito trabalho, de muita luta, a gente continua ainda firme, vivos, pulsantes e trazendo reflexões para o público, que é o que a gente mais gosta de trazer nos nossos espetáculos. Além de trazer a beleza estética, artística, a gente gosta de fazer com que o público pense e reflita sobre diversas questões, dando voz à cultura popular, como em “Ariano, Cavaleiro sertanejo” e “Farra do Boi bumbá”.

Trazer a importância da nossa brasilidade e da nossa miscigenação, assim como foi no espetáculo “Casa Grande e Senzala - Manifesto Musical Brasileiro”. E agora em “Tudo faz sentido, mas é mera coincidência”, trazendo essa questão tecnológica. Então nesses 25 anos, era uma coisa que nos pulsava muito pra nós falarmos, o que nos move, o que nos inquieta. 

Como é interpretar o cachorro, espécie de consciência crítica da família?

Interpretar o cachorro é muito difícil. Primeiro porque a gente tem que vivenciar aquilo de verdade, para não ficar um personagem muito risível e pouco verdadeiro. O primeiro passo foi na verdade trazer esse sentimento do cachorro real, que quer apenas ser amado, ter o amor dessa família. Mas a família o renega tanto, o enxota tanto, o despreza tanto, que na verdade vai trazendo essas inquietudes e essas reflexões. 

Na verdade, é por conta dessa família que ele fala tudo isso, essas frases de grandes autores, pensamentos de grandes filósofos. Ele traz isso como reflexo dessa família, mas também é um reflexo da nossa sociedade. Então, falar esses textos tem um peso muito grande pra mim, pra mim como ator, e óbvio, como personagem também.  É uma reflexão em todos os sentidos, é super importante, necessária e é uma crítica a tudo isso. 

Homenagem do Pavio

Após o espetáculo de estreia, a reportagem do Pavio homenageou Os Ciclomáticos em nome da nossa amiga e integrante do Coletivo Pavio Curto, Fabíola Rodrigues, com uma linda camiseta que marca o “esperançar” do mestre Paulo Freire.


Fotos: Igor Mattos, Zayra Brum

sexta-feira, 17 de junho de 2022

Projeto "Dignidade Menstrual - uma questão de saúde pública" é lançado em Resende

Por Alvaro Britto

Será lançado no próximo dia 24 de junho, às 10 horas, na Câmara Municipal de Resende, o projeto "Dignidade Menstrual - uma questão de saúde pública”, com a presença da deputada estadual Enfermeira Rejane (PCdoB), presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Mulheres (CDDM/ALERJ) e autoridades municipais de políticas públicas para as mulheres. 



O evento é uma iniciativa da União Brasileira de Mulheres (UBM) de Resende em parceria com o Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual (NUGED) do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) - Campus Resende e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES). 

O projeto "Dignidade Menstrual - uma questão de saúde pública" tem por objetivo levantar o debate e levar informações sobre o direito a dignidade menstrual para adolescentes de escolas públicas da cidade de Resende.

Situação de Resende

Resende tem uma população de cerca de 68 mil mulheres, segundo os índices do IBGE de 2010, grande parte delas em idade menstrual. E, embora seja de necessidade básica, os absorventes não fazem parte da cesta básica.

O município de Resende, assim como todo o Brasil, vem sofrendo com os problemas econômicos, levando muitos ao desemprego e as dificuldades financeiras, em especial as mulheres que são as primeiras que sofrem os impactos da falta de oportunidades profissionais.

A dignidade menstrual trata do acesso das pessoas que menstruam a itens que garantirão sua saúde íntima. Será que, frente a dura realidade econômica, todes estão tendo acesso aos itens vitais para sua saúde íntima?

O projeto pretende levantar esse debate e cobrar do poder público seu compromisso com a saúde integral das mulheres e a garantia da dignidade menstrual.

- A abertura do projeto tem muito significado e potência, pois contará com a participação, além da deputada, de nomes que atuam junto aos espaços de políticas públicas para as mulheres do município, o que eleva a discussão. Também estamos ansiosas para começarmos a ir pra escolas e conhecer as perspectivas dos adolescentes em relação ao debate – afirmou a professora Priscila Messias, presidenta da UBM de Resende. 



O que é o projeto?

Público-alvo

Alunos de escolas públicas do município de Resende e região das Agulhas Negras em idade menstrual sem o devido aprofundamento no debate nacional sobre dignidade menstrual, a fim de que compreendam e exijam o cumprimento da lei de distribuição dos absorventes nas escolas municipais e estaduais.

O projeto propõe uma educação menstrual no qual será abordado as questões que tangem o tema como saúde menstrual, dignidade menstrual e direito à programas de saúde integral.

O projeto será direcionado para adolescentes (11 a 18 anos) estudantes de escola pública no município de Resende, podendo se estender para os demais municípios da região das Agulhas Negras.

Por que o projeto?

A dignidade menstrual é um dos focos das organizações não governamentais, do Brasil e do mundo, atentas à saúde feminina e das crianças e adolescentes, não diferente a União Brasileira de Mulheres na cidade de Resende-RJ se preocupa com a dignidade menstrual de meninas e mulheres residentes no município.

No ano de 2020 a entidade se organizou e lançou a campanha de doação de absorventes higiênicos a serem distribuídos para mulheres em situação de rua ou vulnerabilidade social, e, contando com a parceria de muitas mulheres, arrecadou mais de 200 unidades desse item. 

Embora tivesse alcançado o seu objetivo na arrecadação, a UBM-Resende não teve êxito em alcançar o público-alvo, mulheres em situação de vulnerabilidade e privações econômicas. Frente a essa dificuldade, resolveu se aprofundar no tema com o objetivo de entender como a cidade vem abrangendo a necessidade menstrual de suas munícipes.



Objetivos específicos

● Identificar no município de Resende, e região das Agulhas Negras, onde estão os discentes em possíveis situações de pobreza menstrual; 

● Cobrar do poder executivo programas de saúde para crianças e adolescentes que menstruam em relação à saúde menstrual e direitos reprodutivos; 

● Conscientizar a população sobre leis e projetos a respeito da saúde feminina, em especial à dignidade menstrual; 

● Identificar possíveis dificuldades de discentes frequentarem às aulas em seus dias menstruais; 

● Saber se as escolas do município e região das Agulhas Negras oferecem condições necessárias para a higiene menstrual; 

● Saber se nas escolas existem projetos de acolhimento adequado para discentes em seus dias menstruais; 

● Encorajar que as unidades escolares criem ações de acolhimento para discentes em seus dias menstrual; 

● Conscientizar toda a comunidade escolar que dignidade menstrual é questão de saúde pública.

Metodologia

O projeto irá ocorrer em formato de mesa de debate ou roda de conversa, nas quais estarão presentes representantes da CDDM/ALERJ, da UBM Resende e algum profissional que trará o conteúdo sobre saúde e dignidade menstrual. Em seguida, a mesa ou a roda estará aberta às perguntas e considerações dos discentes.

O evento se dará de forma quinzenal, com a presença de representantes das instituições responsáveis pela promoção de políticas públicas, saúde e educação.

Resultados pretendidos 

O UBM-Resende espera, como resultado do projeto, a promoção de informação sobre saúde e dignidade menstrual e buscar a garantia da dignidade menstrual de crianças e adolescentes do município tendo como foco promover um debate a fim de que sejam implementadas políticas públicas direcionadas à saúde, higiene e cuidados menstruais de crianças, adolescentes e adultos.

Monitoramento e avaliação

Ao final de cada evento, haverá uma breve avaliação direcionada aos discentes a fim de obter parâmetros para ajustes durante a realização do projeto.


Estudante organiza “caixinha solidária” em colégio de Resende  

A jovem Gabriela Camassa tem 19 anos e é moradora da Vila Santa Cecília, em Resende. Antes da Pandemia, em 2019, na época cursando o ensino médio no Colégio Estadual Pedro Braile Neto, assistiu na Netflix o documentário curta-metragem "Absorvendo o Tabu”, ganhador do Oscar naquele ano. O filme retrata a Índia rural, onde o estigma da menstruação persiste, mulheres produzem absorventes de baixo custo em uma nova máquina e caminham para a independência financeira. 

- Fiquei um tanto desesperada com a situação das meninas da Índia, que além de não terem uma educação adequada sobre o assunto, também não têm condições de comprar os próprios absorventes. Então comecei a refletir sobre as meninas que faltam aula por não conseguirem comparecer à escola durante os dias em que estão menstruando – revelou Gabriela. 


Percebendo que o problema existia também no colégio onde estudava, ela então resolveu partir para ação e montar uma “caixinha solidária”. 

- Eu montei, e inicialmente contribuí com todos os itens, que foram absorventes, lixa de unha, pasta de dente, hidratante e etc.  Assim que coloquei no banheiro eu deixei com um bilhete dizendo que seria legal se as outras também ajudassem, e assim foi feito – explicou a estudante. 

Segundo ela, “todas as meninas gostaram e usavam a caixinha, foi bem legal fazer parte de algo assim”, informando ainda que o colégio apoiou integralmente e “a diretora inclusive adorou a ideia e recebeu super bem”.

Atualmente, Gabriela Camassa cursa o 1º período do curso de Publicidade e Propaganda na Associação Educacional Dom Bosco (AEDB), onde também faz estágio. Ela pretende retomar o projeto da “caixinha solidária”.

- Agora eu estou pensando em fazer uma dessas na faculdade, com as minhas amigas. Ainda estamos pensando em como será, quais os itens vamos colocar e quando vamos começar com o projeto, mas creio que não é algo que irá demorar, com mais pessoas fica mais fácil - anunciou a jovem resendense.    


Dignidade menstrual: uma urgência para o Brasil

Por Marília Arraes*  



Autora do Projeto de Lei 4968/2019, aprovado pela Câmara dos Deputados em 26/08/2021, que prevê a distribuição gratuita de absorventes para crianças e mulheres em situação de vulnerabilidade e institui o Programa Nacional de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, a deputada federal Marília Arraes enviou ao Pavio Curto o artigo a seguir, onde justifica a necessidade da proposta. O PL foi aprovado pelo Senado em 14/09/2021 e vetado por Bolsonaro em outubro. No dia 10 de março de 2022, o Congresso Nacional derrubou os vetos do presidente. 

Tabu e desinformação

A menstruação é um processo natural do ciclo reprodutivo feminino, começando na puberdade — em média, aos 13 anos — e encerrando por volta dos 50. Apesar de ser algo rotineiro, ocorrendo uma vez por mês (caso não haja fecundação), o assunto ainda é tabu para muitas pessoas, cercado de desinformação e falta de acesso a absorventes e outros itens de higiene.

Uma em cada quatro adolescentes brasileiras não tem um pacote de absorventes à mão quando a menstruação chega. Quase 20% não têm acesso à água em casa e mais de 200 mil estudam em escolas com banheiros sem condições de uso. Garantir a dignidade menstrual para meninas e mulheres brasileiras sempre foi uma das minhas preocupações. 

O relatório Pobreza menstrual no Brasil: desigualdades e violações de direitos, publicado recentemente pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), evidencia a urgência em políticas públicas de saúde para zelar pela dignidade humana de meninas e mulheres que sofrem cotidianamente com a escassez de condições adequadas para o período menstrual.

Falta de acesso e infraestrutura

Pobreza menstrual é uma expressão utilizada para denominar a falta de acesso a produtos de higiene menstrual, de infraestrutura sanitária adequada em casa e na escola e de conhecimentos necessários para esse período do ciclo reprodutivo. As brasileiras que mais sofrem com essa situação são as que vivem em condições de pobreza e vulnerabilidade em ambientes rurais ou urbanos.

O levantamento analisou dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de meninas entre 10 e 19 anos por meio da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS 2013), da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE 2015) e da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2017-2018), totalizando 15,5 milhões de brasileiras.

Em se tratando dos domicílios, cerca de 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiros, 900 mil não têm acesso a água canalizada e 6,5 milhões não possuem redes de esgoto em casa. Quando o assunto é infraestrutura escolar, 321 mil alunas estudam em estabelecimentos que não possuem banheiros em condições de uso. Mais de 4 milhões de meninas não possuem à sua disposição algum requisito mínimo de higiene, como papel, água ou sabão.

Problemas de saúde e evasão escolar

Quase 50% das garotas analisadas enfrentam, ainda, algum grau de insegurança alimentar. Cerca de 1 milhão delas vivem em situação de precariedade alimentar grave. Nesses casos, as famílias priorizam o consumo de alimentos em detrimento dos gastos com absorventes e outros produtos de higiene menstrual.

 Quando não há o acesso adequado a esses produtos, muitas mulheres improvisam permanecendo com o mesmo absorvente por muitas horas ou utilizando pedaços de pano, roupas velhas, jornal e até miolo de pão, resultando em problemas que variam desde alergia e candidíase até a síndrome do choque tóxico potencialmente fatal. A saúde emocional também é outro problema sério, ocasionando um aumento de evasão escolar.

 A pobreza menstrual é uma triste constatação de negligência por parte das autoridades para garantia mínima da dignidade feminina. É urgente investimentos em infraestrutura e acesso aos produtos de menstrual. Os absorventes poderiam ser disponibilizados em postos de saúde, por exemplo, assim como já é feito com preservativos e medicamentos — e a taxação de impostos poderia ser reduzida para baratear esses produtos. O saneamento básico em escolas deveria ser uma obrigação, assim como nos lares brasileiros. 


*Marília Arraes é deputada federal (Solidariedade-PE) 

Fotos: Divulgação e arquivo pessoal


Ditadura Nunca Mais!!

Ministério Público Federal realiza visita técnica ao antigo Batalhão da Barra Mansa

Por Alejandra Estevez



Em maio passado, o Ministério Público Federal realizou uma visita técnica ao Parque da Cidade de Barra Mansa, atuais escombros autoritários. A visita contou com a presença de membros do MPF, do Centro de Memória do Sul Fluminense (CEMESF), vinculado à Universidade Federal Fluminense (UFF), a professora Alejandra Estevez, Rafael Crooz do Núcleo A Margem e da Procuradoria Geral do Município de Barra Mansa. 

Durante a ditadura civil-militar, os referidos batalhões serviram como centros oficiais de repressão e tortura da região sul fluminense, promovendo a perseguição política e graves violações aos direitos humanos voltada em especial contra a classe trabalhadora e setores católicos progressistas. O espaço foi transformado em Parque da Cidade de Barra Mansa nos anos 1990 e hoje se encontra em estado de abandono. 


A visita teve por objetivo realizar um reconhecimento do espaço, com vistas a garantir o cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta firmado em 2016 entre o MPF e a Prefeitura Municipal de Barra Mansa, que determina a preservação das edificações e espaços que serviram como prisão no interior do Batalhão, de interesse histórico, e medidas de reparação simbólica ligadas à justiça de transição.

Uma dessas áreas, que abriga duas edificações históricas - o Arquivo e a antiga S3 - denominada de Praça da Memória, vem sendo ocupada pelo Centro de Memória do Sul Fluminense, vinculado à UFF, e por diversos coletivos culturais e educadores desde então, embora sem as condições apropriadas para tal. 


Está em curso desde 2021 a assinatura de um convênio entre a UFF e o município de Barra Mansa com o intuito de criar o Museu do Trabalho e dos Direitos Humanos nesta área.

No segundo semestre o Núcleo A Margem exibirá o terceiro episódio da trilogia Nasceu uma cidade - operação cascas - A Luta.

Tempo de conhecer

Na região sul fluminense, a Comissão Municipal da Verdade de Volta Redonda (CMV-VR) (2013-2015) proporcionou pela primeira vez aos habitantes locais um conhecimento pormenorizado sobre o passado ditatorial na região, atravessado pelo sofrimento e pelo esquecimento. Em seu relatório final, podemos conhecer 14 casos de violações aos direitos humanos ocorridos em Volta Redonda e Barra Mansa, cujos impactos foram devastadores para a classe trabalhadora e suas famílias, grupos progressistas da Igreja católica, grupos da esquerda revolucionária, jornalistas e coletivos culturais, entre outros.

O espaço hoje chamado de Parque da Cidade, administrado pela Prefeitura de Barra Mansa, já foi sede do antigo 1° Batalhão de Infantaria Blindada do Exército, entre 1950 e 1972. No local, funcionam atualmente algumas unidades administrativas da municipalidade, o Tiro de Guerra, a Secretaria de Ordem Pública de Barra Mansa, além de alguns projetos culturais, como a Orquestra Sinfônica de Barra Mansa e o grupo teatral Sala Preta. Desde sua criação, nos anos 1990, o espaço já foi palco de shows, feiras agropecuárias, feiras de negócios e outras atividades de entretenimento e lazer. Os eventos e atividades lá realizados atraem antigas e novas gerações que pouco conhecimento têm sobre os usos do espaço no passado recente, contribuindo para o esquecimento induzido.

O 1° BIB foi criado em 1950 com a função de “assegurar a ordem pública” na região. Localizado estrategicamente, o batalhão ficava a cerca de 10km da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), inaugurada pouco antes, em 1946, como parte do projeto nacional desenvolvimentista do governo Vargas. Desde cedo, a empresa siderúrgica e o batalhão caminhariam juntas no controle e repressão à classe trabalhadora.

No dia 1° de abril de 1964, o 1° BIB teve como alvo principal os trabalhadores da CSN, sobretudo os líderes sindicais que organizaram uma resistência grevista na usina, no sindicato e na rádio siderúrgica, em Volta Redonda. Naquele mesmo dia, as lideranças sindicais foram presas, no 1° BIB ou na Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende, e nos dois meses subsequentes mais de 200 trabalhadores foram demitidos ou aposentados compulsoriamente, pelo Ato Institucional n° 1, e 185 funcionários foram punidos pela empresa. Desses, 77 permaneceram presos no BIB ou na AMAN, até 6 meses depois. O caráter de classe do Golpe de 1964 ficou claro desde o primeiro dia.

Além das prisões arbitrárias, as forças repressivas invadiram a sede do Sindicato dos Metalúrgicos, em Volta Redonda, confiscaram documentos históricos, destruíram mobiliário, cassaram os mandatos da diretoria democraticamente eleita e determinaram um interventor em seu lugar, impactando assim a capacidade de reivindicação de seus direitos por parte dos trabalhadores. Ao lado da perseguição aos sindicalistas, foram instaurados Inquérito Policiais Militares (IPM) contra o chamado “Grupo dos Onze” e contra o Partido Comunista que atuava nas cidades de Volta Redonda, Barra Mansa, Barra do Piraí e Piraí.

A partir de 1966, com a chegada do bispo Dom Waldyr Calheiros à região, os católicos progressistas se tornaram o novo alvo das perseguições políticas. A Igreja de Dom Waldyr assumiu um trabalho pastoral junto às comunidades mais pobres e foi uma força de oposição política ao regime de extrema importância. Padres e militantes católicos foram, tal qual os sindicalistas, intimados, obrigados a prestarem depoimentos, presos e torturados. Após o AI-5, a tortura foi institucionalizada no batalhão, atingindo trabalhadores, militantes católicos, militantes de organizações revolucionárias e, até mesmo, militares de baixa patente.

O 1° BIB foi um centro militar de perseguição e tortura para opositores do regime na região sul fluminense. O encerramento de suas atividades repressivas, em 1972, foi um acontecimento inédito na história da ditadura. Após a comprovação de que militares haviam torturado 15 soldados do próprio batalhão, o que resultou na morte de quatro deles, entre 1971 e 1972, os militares envolvidos com as torturas foram condenados à prisão, por determinação da própria Justiça Militar.

Em 1973, no auge da repressão política durante o governo Médici, a Justiça Militar condenou os militares envolvidos e encerrou as atividades do 1° BIB. Trata-se do único caso no Brasil em que militares foram responsabilizados e punidos por suas práticas violadoras durante (e após) o regime militar. Após 1979, com a Lei de Anistia, nenhum outro torturador poderia mais ser condenado por seus atos criminosos. Resta, ainda, como entulho autoritário, um entrave para a efetivação da justiça.

Recentemente, nova fagulha de esperança se acendeu entre os militantes de direitos humanos com a decisão inédita da justiça contra o sargento reformado do Exército Antonio Waneir Pinheiro de Lima, acusado pelo crime de sequestro, cárcere privado e estupro da jovem militante Inês Etienne, em 1971, na Casa da Morte, centro clandestino de prisão e tortura localizada em Petrópolis (RJ). Este ano, por ocasião das efemérides da semana do golpe de 1964, os movimentos por memória, verdade e justiça lançaram a campanha #ReinterpretaJáSTF, como forma de pressão política e midiativismo.

São muitas as idas e vindas. No sul fluminense, após a condenação dos militares envolvidos no assassinato dos quatro soldados, o 1° BIB foi desativado, com a intenção deliberada de apagamento das memórias traumáticas, e no mesmo espaço foi instalado o 22° Batalhão de Infantaria Motorizada do Exército, que passou a comandar a repressão política na região. A prática de torturas físicas não foi mais registrada, porém deu continuidade ao papel repressivo do antigo 1° BIB, especialmente contra a classe trabalhadora.

Mesmo com o fim formal da ditadura em 1985 e a promulgação da nova Constituição em 1988, os militares do 22° BIMtz responderam com forte violência ao movimento grevista dos anos 1980, em especial na histórica greve de novembro de 1988, o que culminou, uma vez mais, no assassinato de três operários no interior da usina siderúrgica, William, Valmir e Barroso e, posteriormente, no atentado terrorista ao monumento 9 de novembro, na Praça Juarez Antunes, em Volta Redonda, em homenagem aos operários assassinados.



Tempo de planejar

Como fruto deste processo e de maneira a garantir a continuidade das investigações da Comissão Municipal da Verdade de Volta Redonda e implementação de suas recomendações, o Centro de Memória do Sul Fluminense Genival Luiz da Silva, ligado à Universidade Federal Fluminense (CEMESF/UFF) estabeleceu como missão a preservação das memórias e histórias das lutas políticas na região. A partir de 2015, teve início o processo de transformação do antigo 1° BIB em centro de memória e defesa dos direitos humanos. Tais iniciativas se inscrevem no rol das políticas de memória e reparação, no quadro da justiça de transição e sua efetivação na região sul fluminense.

Este processo tem como amparo legal o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) n° 3/2016, firmado entre o Ministério Público Federal e a Prefeitura Municipal de Barra Mansa. O TAC prevê “assegurar reparações simbólicas em favor da preservação da memória e do patrimônio histórico nacional na área correspondente ao quartel onde funcionou o 1° Batalhão de Infantaria Blindada (1° BIB) e o parque ao redor”.

Para que as determinações do TAC pudessem ser cumpridas, foi formado um grupo de trabalho, coordenado pelo CEMESF/UFF, que identificou as áreas de interesse histórico, especialmente relacionadas aos eventos ocorridos durante a ditadura civil-militar, e dividiu o espaço em três grandes conjuntos de edificações: Tulhas, Intendência e Praça da Memória.

Como forma de sensibilizar e informar a população local sobre as graves violações praticadas na região, são desenvolvidos no espaço dois projetos de extensão, coordenados pelo CEMESF/UFF: Cine Arquivo e Visitas compartilhadas ao antigo BIB. Os projetos são voltados para atender a rede básica de ensino dos municípios de Volta Redonda e Barra Mansa e estão comprometidos em garantir o direito à verdade e à memória na região sul fluminense.

Em 2020, finalmente nasceu o projeto para o futuro Museu do Trabalho e dos Direitos Humanos, situado na Praça da Memória, no atual Parque da Cidade de Barra Mansa. Através da colaboração de duas consultorias, encarregadas de elaborar o pré-projeto arquitetônico e o Plano Museológico para o espaço do antigo batalhão, abriu-se um canal de escuta e de estruturação das propostas com a comunidade local.

De maneira a garantir uma construção mais participativa, o CEMESF/UFF promoveu encontros com grupos focais – ex-presos políticos, educadores, profissionais da cultura e ocupantes do Parque da Cidade, secretarias municipais de Barra Mansa e Volta Redonda – contribuindo para a ativação da rede de atingidos pela ditadura e de “empreendedores da memória” e provocando a imaginação comprometida com os direitos humanos, a cidadania e a democracia em torno das potencialidades para a transformação desse antigo centro de terror, hoje esvaziado de sentido, em lugar de memória e de re(existências).



Tempo de imaginar...

Agora, é tempo de imaginar. Imaginar o inimaginável, cuja voz nos sussurra histórias passadas, de um tempo que esperamos nunca mais.

Lascas de tempo, de memória, essa coisa não escrita que ganha matéria, vida, forma, até escapulir em imaginação. Aqui. Agora. Imaginar um tempo de medo, do não dito, ainda inaudito porque faltam ouvidos. As vozes estão por aí, por toda parte, abaixo e acima das paredes, da terra, do rio. Se dissipam em som, essa força etérea que atravessa o tempo, vagam passageiras no ritmo cadenciado do trem de minério e sangue, nas asas dos quero-quero (que lembram liberdade), no leve soluço do Paraíba (que embala a dor).

Mas, essas vozes, o que contam? O que podem contar? O que queremos ouvir? O que podemos ouvir? É preciso coração para aprender. Também coragem.



Acompanhem essa luta.



Texto @9.letras Alejandra Estevez

Fotos: Rafael crooz