Em artigo, militantes históricos do MST relembram o Iº Encontro Nacional, em 1984 e reafirmam a necessidade em cultivar a memória das lutas históricas do Movimento
Foto 1: 1º Encontro Nacional do MST – Cascavel (PR), 1984 - Arquivo
MST
A organização é a chave que permite agarrar as iniciativas do povo e de seus líderes e transformá-las em ação!” - Che Guevara
Era o ano de 1984, dia 22 de janeiro. Com o grito de
ordem, terra para quem nela trabalha e vive! foi
anunciada a fundação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST)!
Esse anúncio foi a decisão coletiva firmada no que consideramos
hoje o Iº Encontro Nacional do MST, realizado 40 anos atrás, de 20 a 22 de
janeiro de 1984, no Seminário Diocesano de Cascavel, no Paraná. Participaram em
torno de 100 pessoas de 12 estados, representando diferentes lutas pela terra
locais, sindicatos de trabalhadores rurais combativos em articulações
promovidas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Também participaram
representantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), da Associação
Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), do Conselho Indigenista Missionário
(CIMI) e assessores.
Foto 2: 1ª Ocupação de
terra do MST – Fazenda Annoni (RS) – Daniel de Andrade
O Encontro decidiu o nome, os objetivos, os princípios
organizativos e as linhas gerais de atuação do MST, e marcou nosso primeiro
Congresso para o ano seguinte. Entre os objetivos gerais, uma espécie de
ideário de tempo longo:
·Lutar
pela Terra.
·Lutar
pela Reforma Agrária.
·Lutar
por uma sociedade sem exploradores e explorados.
Na época da criação do MST o Brasil vivenciava os últimos
suspiros da ditadura civil-militar, iniciada em 1964 e encerrada em 1985.
Muitas foram as lutas contra a ditadura. Manifestações de ruas, greves, atos
pela anistia, ocupações de terra. É nesse contexto de ascenso das lutas de
massa, iniciado na segunda metade da década de 1970, que a classe trabalhadora
brasileira, da cidade e do campo, forjou a fundação do Partido dos
Trabalhadores (PT) (10/02/1980), da CUT (28/08/1983) e do MST. Três
instrumentos que ao longo desses 40 anos tiveram um papel relevante na luta de
classes no Brasil.
Estudiosos da questão agrária e lideranças de lutas camponesas,
com as quais as nossas primeiras lideranças dialogaram durante o processo de
gestação do MST nos disseram com firmeza: se o MST quer ter vida longa precisa
aprender duas grandes lições das lutas pela terra, que já se fizeram no Brasil:
(1ª) É preciso construir um Movimento Nacional. Todas as lutas
pela terra que ficaram restritas a um local ou região, mais cedo ou mais tarde
foram massacradas e suas organizações destruídas.
(2ª) É necessário fincar raízes na região nordeste do país, onde
se concentra quase 50% das famílias sem-terra.
Foto 3: Acampamento Gal.
Delgado – SP, 1985 – Regina Vilela
No caminho outros aprendizados foram sendo incorporados ao o que
fazer do MST. Os princípios organizativos e o método de direção; a prática dos
valores humanistas e socialistas; o internacionalismo; os métodos de formação e
a importância do estudo:
“Sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário!”, nos
ensinou Lenin.
A consciência de que somos herdeiros das lutas que nos
antecederam e temos muito a aprender do seu legado é uma marca de nascença do
MST. Somos herdeiros das lutas históricas dos povos indígenas e dos negros que
criaram seus quilombos. Somos herdeiros de movimentos camponeses, especialmente
dos que se tornaram verdadeiras epopeias como Canudos, Contestado, Caldeirão,
Ligas Camponesas. Somos fruto da partilha e teorizações dessas e outras
experiências de luta e aprendemos que a memória das lutas do povo é nossa raiz
forte. Alimento que nos sustenta para caminhar mais firmes na história.
Foto 4: Jejum por Terra e
Justiça – DF, 1986 – Eduardo Tavares
Passados 40 anos, o MST se orgulha de ter hasteado sua bandeira
em latifúndios de 23 estados e do Distrito Federal. Já podemos aprender também
com nossa própria história: Beber do próprio poço! Com as
ocupações de terra, os acampamentos e as marchas; com nossos assentamentos, as
práticas agroecológicas e a produção de alimentos saudáveis; com o legado de
nossos mortos; com a prática concreta da solidariedade e a força da mística,
que nos anima a continuar na luta pelos objetivos da nossa criação em
1984.
Dom Pedro Casaldáliga em uma mensagem que gravou em agosto de 2020 nos relembrou da missão que nos cabe: “enquanto o ‘diabo’ estiver solto por aí… o MST deve continuar sendo a ‘cutucada’ para a mo-vi-men-ta-ção…”, afirmou o pároco.
Em sua sabedoria, Dom Pedro entendeu sobre nós e nos ensina: a
palavra movimento, que também está no nome de nosso projeto
educativo (Pedagogia do Movimento), não se refere apenas a uma abreviação de
MST. Ela destaca a força formativa de estar
em movimento e de provocar o movimento, a ação pensada e organizada
coletivamente.
Foto 5: 1º de Maio – Teixeira de Freitas (BA), 1987 – Arquivo MST
Os “diabos” continuam soltos e a perversidade e insanidade que nos rodeia exigem que a “cutucada” seja cada vez mais incisiva, e seja forte o bastante para mexer no sistema que cria os “diabos”. Tanto mais nessa fase histórica de decadência do modo de produção capitalista, com em seu motor econômico entrando em colapso. Estamos chegando ao limite do suportável, do ponto de vista social, ambiental, humano, e isso exige movimentação geral para reconstruir a vida social em outras bases.
Abrir um novo ciclo de ocupações e conquistas de terra é talvez
a principal cutucada que precisamos dar para movimentação
desse próximo período. Na feijoada do MST, feijão é terra,
dizia Adão Pretto. Mas essa cutucada somente será
garantida se trabalharmos para que muito mais gente compreenda que a função
social da terra é produzir alimentos para todo povo e a construção da Reforma
Agrária Popular é um desafio do conjunto da classe trabalhadora.
Foto 6: Ocupação Cruz Alta (RS), 1989 – Arquivo MST
É tempo de aprender com nossos erros e acertos. Conquistas e
derrotas. É tempo de cultivar a memória e educar as novas gerações nesse
cultivo. Sem nunca esquecer que ninguém mais do que nós poderá salvar a nossa
história, honrando o legado que construímos e do qual precisamos ser guardiões.
E que todos e todas nós, cada um desde o que faz ou pode passar
a fazer, ajudemos o MST a seguir adiante. Como costuma nos dizer Aleida
Guevara, “nenhum passo atrás; nem para tomar impulso!”
Caminhemos sempre à frente, aprendendo sobre o que já fizemos e vivemos nesses
40 anos, firmando as finalidades sociais e de formação humana que justificam
continuarmos existindo como organização ativa da classe trabalhadora e
analisando a cada passo nossa atualidade, para caminhar mais seguros hacia
adelante!
Foto 7: 1º Coletivo de Juventude do MST – MG, 1989 – Arquivo MST/MG
Lutar,
construir Reforma Agrária Popular!
Vida
longa ao MST!
*Editado por Solange Engelmann
Fonte: Página do MST
29/01/2024