Índice de ataques psicológicos decorrente de relacionamentos abusivos é alarmante e tem crescido pelo Brasil; Jovens adultas contam como perceberam que faziam parte desta estatística
Por Ana Júlia Pompeu e Polliana Amurim*
Não foi algo perceptível logo de cara, os primeiros indícios vieram de forma sútil: contatos deletados do celular sem explicação, comentários desaprovando roupas que antes não eram um problema e privação do contato com amigos próximos. Essas foram algumas das situações vividas por Emanuelle, Iasmin e Juliana em seus respectivos relacionamentos. As três acreditavam que esses episódios não eram nada demais, apenas parte de um relacionamento normal e que, assim como vários, tinham problemas comuns de qualquer namoro. No entanto, esses são alguns dos indícios de um relacionamento abusivo e de violência psicológica.
Essa é a realidade de grande parte da população feminina pelo mundo. Em um contexto nacional, os índices são alarmantes, visto que 43% das mulheres brasileiras já foram vítimas de violência psicológica de um parceiro íntimo. Apenas em 2021 foram registrados 666 casos de violência psicológica somente no Rio de Janeiro. Já em julho de 2022, o Brasil já havia registrado mais de 31 mil denúncias de violência doméstica ou familiar contra as mulheres.
O artigo 7º da Lei Maria da Penha, considera violência psicológica qualquer conduta que cause a vítima dano emocional e diminuição da autoestima ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.
Com seis anos de experiência em atendimento psicológico clínico, a psicóloga Adriana Gonçalves se dedica a ajudar mulheres que foram vítimas de abusos em relacionamentos. “Entre as principais questões apresentadas por cada paciente, destacam-se o controle financeiro exercido pelos agressores, os ataques à personalidade das vítimas e os sentimentos de culpa frequentemente relatados pelas mulheres”, completou Adriana.
Porém, não é uma tarefa fácil perceber que está dentro de um relacionamento abusivo. Quando uma agressão é concreta e deixa marcas é mais fácil do que notar violências que avançam quase que silenciosamente. Muitas vezes o agressor aproveita de uma fragilidade da vítima para começar a se impor e fazer exigências sem que ela reconheça. Uma das principais imposições é deixar de sair com amigos e familiares, dessa forma a vítima fica cada vez mais dependente emocional do agressor e sem aliados, o que dificulta o rompimento da relação.
“Por conta de alguns problemas familiares e psicológicos, eu já estava muito abalada emocionalmente, então não conseguia perceber que havia um padrão e que meu ex-namorado estava usando minha fraqueza para impor termos dentro do nosso relacionamento. Foi depois de muitos meses que eu entendi o que estava acontecendo e percebi que estava em uma relação tóxica”, conta Emanuelle, de 22 anos, sobre seu último relacionamento.
Iasmin Ferreira, de 22 anos, explica que só percebeu o que estava acontecendo após notar que estava isolada de seus amigos e familiares. “Depois de mais ou menos 3 anos de relacionamento, eu fui ficando cada vez mais sozinha. Já não tinha vontade de fazer nada, constantemente sentia vontade de chorar e nem o colégio frequentava mais. Eu comecei a me questionar do porquê e foi assim que entendi que havia algo errado”, conta Iasmin.
Por dentro do relacionamento
O relacionamento abusivo não é linear e apresenta um ciclo característico, descrito como: Construção das tensões, sendo o momento em que as brigas se iniciam e a mulher é isolada; Explosão da violência, quando há agressão física ou psicológica; Lua de mel, o momento em que o homem perde perdão, promete mudar e ambos se reconciliam. Esse ciclo torna a violência psicológica ainda mais forte, já que cria a ilusão de que o relacionamento não é de todo ruim e há momentos de amor e conexão que são capazes de superar as situações ruins.
Juliana Valença, de 23 anos, conta que, no início, seu último namoro parecia ir muito bem e se mostrava diferente dos outros que já teve, mas essa sensação não durou muito. “Depois de um tempo, meu ex-namorado foi me monopolizando e querendo total atenção somente para ele. Eu já não saía com as minhas amigas, não tinha momentos de lazer comigo mesma ou com a minha família. Se eu mudava nossos planos para ficar com outras pessoas, brigávamos por dias e eu sempre saía como errada e acabava pedindo desculpas”, conta Juliana.
A psicóloga Adriana Gonçalves afirma que a violência psicológica é tão prejudicial quanto a física. Nesse caso, diferente de agressão, a violência surge através de ataques constantes, xingamentos, manipulações e ”brincadeiras” que agridem emocionalmente a pessoa e que podem deixar marcas para a vida toda. Aos poucos comentários e ações que parecem inofensivas vão entrando cada vez mais na cabeça da vítima e logo ela se encontra fragilizada emocionalmente, sem confiança e sem perspectivas de mudança. Na maioria dos casos, a vítima se sente culpada por tudo que está passando, isso faz com que seja difícil superar a relação e quebrar a dependência.
“Terminar o relacionamento abusivo afetou diretamente a minha autoestima e a minha própria personalidade. Eu passei por uma perda de identidade, pois não sabia mais o que eu gostava, que estilo de roupa ou música me atraia. Porque tudo que eu era e tinha me tornando, havia sido moldado por aquela pessoa. Eu tive que me reencontrar e descobrir do que eu gostava”, afirma Emanuelle.
Em casos como o de Emanuelle, o tratamento psicológico torna-se um aliado. A terapia ajuda a trazer a identidade e autoestima da vítima de volta e também a entender tudo o que aconteceu. “É necessário a atuação do psicólogo e demais profissionais para quebrar o ciclo destrutivo e, assim, construir novos caminhos, a partir de decisões tomadas por si só”, explica a psicóloga Adriana.
Com a ajuda do profissional, a vítima vai reconhecer aos poucos o que passou, ou ainda está passando. Além disso, o acompanhamento psicológico é de extrema importância para que não sejam desenvolvidas doenças psicossomáticas, como: depressão, ansiedade, ataque do pânico, entre outros.
No Sul Fluminense há órgãos responsáveis em auxiliar mulheres em situações de hostilidade. Em Barra Mansa, os principais são a Guarda Municipal (24) 3328-9643; Patrulha da Mulher (24) 99931-8829; Centros de Referência em Assistência Social (24) 3322-6534; Hospital da Mulher (24) 3324-5991.
Mudança no cenário
Embora os casos de violência física frequentemente recebam mais atenção, é encorajador ver que o tema da violência psicológica e relacionamentos abusivos têm sido discutidos abertamente. Muitos veículos de comunicação têm abordado o tema e alertado especialmente os jovens para que desenvolvam uma consciência cada vez maior sobre as ações que caracterizam um relacionamento abusivo.
É importante reconhecer que esse tipo de violência pode ser tão prejudicial quanto a violência física, causando danos psicológicos duradouros e afetando a autoestima e o bem-estar emocional das vítimas. Por isso, é fundamental que se continue a falar sobre o assunto e a promover a conscientização para ajudar a prevenir e combater mais casos de violência psicológica.
Denuncie: Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, whatsapp (61) 9610-0180
*Jornalistas
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@ Cacinho