sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Jongo livre

Por Julia Andrade e Carol Angelo*

O jongo ou caxambu é um ritmo trazido da região Congo-Angola, na África, pelo povo escravizado que trabalhava nas fazendas de café do Vale do Paraíba, no interior dos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo.

Roda de Jongo da Associação Cultural Sementes D’África

O povo Bantu, que trouxe o jongo para o Brasil, foi de extrema importância para a formação cultural do país. Utilizava a dança para, além de se manter próximo à própria cultura, entreter os brancos escravocratas, donos das fazendas em que trabalhavam, em suas festividades religiosas. 

A dança ainda sofre grande preconceito por derivar de uma cultura preta e escravizada. O jongueiro Cosme Caxambu, da Associação Cultural Sementes D’África, acredita que esse tabu vem sendo quebrado por meio de uma maior visibilidade em escolas, universidades, teatros e outros espaços. Com seus 50 anos de dança, Cosme também afirma a necessidade que a tradição teve de se adaptar para continuar sobrevivendo. 

Originalmente, o jongo é uma dança praticada somente pelos mais velhos, Hoje, o grupo de Cosme tem entre 15 e 30 pessoas — há crianças de 3 anos que já fazem parte dessa confraternização.

Roda de Jongo da Associação Cultural Sementes D’África

O dançarino também destaca a importância cultural do jongo na região Sul Fluminense, que atualmente conta com cinco grupos tradicionais. Apesar disso, Cosme acredita que o apoio do poder público poderia contribuir para ampliar a influência e o impacto social positivo da dança. 

Em Volta Redonda, cidade próxima ao município de Barra do Piraí, há outro coletivo de matriz africana, o Jongo Di Volta. Como uma iniciativa de extensão dos jongueiros de Pinheiral, o historiador e poeta José Geraldo da Costa, coordenador do coletivo, relata que sua ligação com o jongo está presente desde o nascimento. Criado por uma família negra do Vale do Paraíba, Geraldo foi formalmente apresentado ao jongo nos anos 1980 pelo mestre de Capoeira Odair e a mestre Fatinha de Pinheiral.

Questionado sobre a relação do jongo com a população volta-redondense, o historiador menciona a intolerância que ronda a população negra e a sua cultura. Há uma associação de que práticas religiosas afrodescendentes são malignas, o que acirra o preconceito adotado. Ele cita o exemplo de Pinheiral: “Nas comunidades tradicionais como lá, ainda há muito preconceito, por parte, inclusive, do poder público”, explica, ressaltando o desrespeito até das entidades municipais.

Apesar das diversas situações controversas, buscando reprimir manifestações culturais de matriz africana, Geraldo acredita que “manter a memória do Jongo é manter vivas nossas referências, memórias coletivas de lutas e resistências. O Jongo é uma Herança Cultural Negra criada no Vale do Paraíba”.

Roda de Jongo da Associação Cultural Sementes D’África


*Estudantes de Jornalismo

Fotos: Carol Angelo



quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Terceiro Setor: a engrenagem da sociedade

Projeto de Barra Mansa acolhe pacientes com câncer e oferece rapidez em serviços de saúde

Luma Lane e Agatha Bogarim*

Fundada em 2017, a iniciativa Casa Rosa oferece mais de cinco serviços gratuitos a pacientes da região Sul Fluminense. Foto: Luma Lane


Em seu Artigo 196, a Constituição Federal de 1988 garante a todos os cidadãos o direito à saúde. Nesse sentido, cabe ao Estado criar políticas de acesso igualitário aos serviços necessários ao bem-estar físico e mental da população. No entanto, ainda que haja legislações específicas para determinadas doenças — como o Estatuto da Pessoa com Câncer — alguns grupos acabam desassistidos pelo poder público.

As Organizações da Sociedade Civil (OSC’s) buscam suprir a falta de assistência do Estado a causas sociais. São entidades privadas e sem fins lucrativos que atuam em atividades de interesse público e coletivo. Por serem legais, formadas pelo livre interesse e autônomas, as OSC’s fazem parte do Terceiro Setor da economia brasileira.

Em Barra Mansa, a Casa Rosa auxilia desde 2019 pacientes em tratamento de câncer, com a criação da Associação Amor em Movimento. O trabalho voluntário começou dois anos antes, no serviço de Oncologia da Santa Casa de Barra - Oncobarra. A intenção era auxiliar os pacientes em suas necessidades durante o tratamento, explica Márcia Cristina, fundadora do movimento. 

“Fui curada de um câncer terminal e fui assistida por uma casa em Volta Redonda. Então, fiz da minha dor a minha missão”, declara.

Márcia faz acolhimento durante o almoço. Foto: Luma Lane.

A casa oferece tratamento diário, de segunda a sexta-feira, das 7h às 16h30. Entre os serviços disponibilizados, estão consultas com psicólogo, nutricionista e psicanalista, além da assistência social e jurídica. Por meio da doação de perucas e próteses mamárias, o projeto estimula a autoestima durante o tratamento. 

Alessandra Souza conheceu a associação em 2021, quando começou sua segunda luta contra o câncer de mama. Para ela, muitas atividades desenvolvidas pela organização deveriam ser de competência dos governos municipal e estadual. “Psicóloga, nutricionista, até dizem ter, mas para conseguir uma vaga é demorado. Na Casa Rosa, é bem rápido e flexível”, assegura.

Alessandra é atendida pelo projeto há um ano. Foto: Luma Lane

Entre 1.200 e 1.500 pessoas são atendidas por mês pela entidade. Com o apoio de voluntários, a iniciativa oferece rapidez em serviços que deveriam ser prestados pelo Estado. O tempo médio de espera para atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é de um ano e quatro meses. Os dados são de 2020, apurados pela Assembleia Legislativa do Mato Grosso. 

Segundo a lei federal 12.732/2012, após o diagnóstico do câncer de mama, o atendimento pelo SUS deve feito em até 60 dias. No entanto, a norma não é cumprida em boa parte do país.



Cleonice atua como secretária e faz a recepção dos acolhidos. Foto: Arquivo pessoal.

Cleonice Ferreira é voluntária no projeto desde 2018, quando conheceu a Casa Rosa durante de um curso de capelania, Entre os acolhimentos realizados ao longo de três anos, uma história ficou marcada na memória.

“Um rapaz tinha acabado de saber o diagnóstico da esposa. Quando ele chegou na Casa Rosa, chorou muito, desesperadamente. Ali, deparados com aquela situação, percebemos o quão frágil é a vida, como devemos valorizar e amar as pessoas que estão ao nosso lado. Pudemos dar a àquele rapaz, com a graça de Deus, um pouco de consolo, e depois acompanhamos e ainda participamos desse processo com ele. Vamos juntos prosseguindo no tratamento, vibrando e torcendo para a cura completa”, relata. 

Alessandra, que pretende se juntar aos voluntários ao fim de seu tratamento pós-cirúrgico, descreve o apoio do projeto como “fora do normal”.

“Hoje, além do café da manhã completo e da sopa diária, eu tenho consultas com psicóloga, nutricionista, além da reflexoterapia, além de um apoio com cesta básica, leite e complemento alimentar. A Casa Rosa é um apoio surreal que nós, pacientes em tratamento, temos o privilégio de receber”, afirma.

A organização também oferece três refeições diárias. Café da manhã, sopa e lanche da tarde são disponibilizados aos pacientes, graças à ajuda de 42 voluntários e cerca de R$ 11 mil por mês conseguidos por meio de doações. Os assistidos também vêm de outras cidades e precisam passar o dia no projeto à espera de procedimentos quimio ou radioterápicos da Oncobarra.

Todas as refeições são provenientes de doações de pessoas comuns. Foto: Luma Lane

Mas a incerteza na arrecadação de recursos põe em risco os serviços. Márcia lamenta a falta de apoio dos órgãos públicos.

“A iniciativa é mantida através de doações de pessoas comuns. A maior dificuldade é conseguir arrecadar dinheiro para manter despesas básicas, como aluguel, luz, água, gás. Não temos ajuda do município nem do estado. Eles não têm interesse. Acredito que poderiam ajudar através de emendas”, confessa Márcia. 

Para Cleonice, a resistência da população é outra questão que afeta o índice de doações: “As pessoas não conhecem de fato o que projeto oferece”.

O levantamento exclusivo “Perfil do doador”, feito pelo jornal O Comunicador, aponta que 23% da população da região Sul Fluminense sente algum tipo de receio ao fazer doações para projetos sociais. Questionados sobre “quais fatores geram desconfiança” no momento de ajudar às instituições, os moradores utilizaram expressões como “honestidade”, “desvio de recursos” e “índole”.


A pesquisa revela que a maior parte das doações é feita de maneira momentânea e pelo público jovem. Além disso, a transparência surge como condição fundamental para as contribuições.

Mesmo com o desafio mensal de manter a Casa Rosa em pleno funcionamento, há tempo para sonhar. 

“Ainda temos muito que avançar. A questão do espaço físico e financeiro cria uma certa limitação. Queremos continuar prestando um serviço de qualidade e amparo, no qual as pessoas os pacientes e acompanhantes se sintam amados e respeitados”, diz.

Todos os eventos são abertos ao público e visam ao agradecimento e à divulgação do projeto. Foto: Cleonice Pereira/Arquivo Pessoal


* Estudantes de Jornalismo