“Percebemos nas ruas uma enorme aceitação da chapa feminina e com isso
várias mulheres se fortaleceram e pensam em começar a atuar politicamente.”
Por Alvaro Britto
Mulher, sagitariana, nascida em
Itatiaia, com descendência indígena guarani, morou e estudou no Rio. Atriz e
ativista cultural, atua na Companhia de Teatro Os Ciclomáticos. Mãe de duas
filhas, poeta, educadora, estudante, militante de esquerda...Fabíola Rodrigues
foi candidata do PSOL à prefeitura de Itatiaia, com apoio do PT, PCdoB e PSB na
eleição suplementar realizada em 13 de março. Tendo como co-prefeita a
servidora municipal Ricarda Helena, também do PSOL, não ganhou a eleição, mas
obteve uma vitória política importante para a luta das mulheres e das forças
populares da região. Ao unir a esquerda,
Fabíola demonstrou liderança, carisma e capacidade de agregar, realizando uma
campanha histórica sem promessas, ofertas de cargos e pouquíssimos recursos,
mas com muita garra e presença nas ruas junto com militantes e apoiadores
voluntários, além de propostas claras e sinceridade, sendo destaque nas
entrevistas realizadas pela mídia regional. Também foi a única candidatura de
oposição a todos os grupos que se revezaram no poder de Itatiaia ao longo dos
anos e aos governos estadual e federal.
POR QUE DECIDIU SER CANDIDATA?
“Eu tenho
uma insatisfação com injustiça. Eu não suporto injustiça. Tudo que me parece
injusto eu quero corrigir. Tenho percebido muitas injustiças na cidade de
Itatiaia, o que me incomodou e causou indignação. Por isso decidi aceitar a
proposta de vir candidata. Esse meu senso de justiça aflorou para essa maneira
de encarar a situação.”
DESCENDÊNCIA INDÍGENA E SIGNO
“Quando me
colocam como descendente indígena eu tenho dificuldade de me reconhecer porque
é uma descendência muito distante. Todo brasileiro tem um pouco de indígenas e
negro no meio disso tudo. A história que contaram para mim é que minha tataravó
foi pegada a laço em uma fazenda em Barra Mansa, na região da antiga fábrica da
Nestlé. Ela era guarani. É só o que eu
sei, porque a família nunca falou muito sobre isso. Sou sagitariana, de 11 de
dezembro, mas eu acho que a ascendência em Peixes é que fala mais alto na minha
vida.”
ARTE E POLÍTICA
“A minha
vida política e o meu pensar político começaram junto com o teatro. A arte é
reveladora por si só. A minha função educadora começou com o teatro. Hoje estou
estudando licenciatura em Pedagogia porque lá atrás eu fiz Direção Teatral na
UFRJ e vi que a arte tem um potencial de entretenimento mas tem no seu cerne a
educação, de forma leve. Eu quis levar isso também para dentro de uma educação muito
tradicional e rígida que vivemos no Brasil, já que ainda não conseguimos mudar
essa estrutura industrial da educação. Então eu penso que esse olhar artístico
e cultural é possível abranger uma educação mais ampla. Todas essas ideias eu
quero colocar em prática. Por isso também eu aceitei ser candidata.”
MULHERES NA POLÍTICA
“Acredito
que as mulheres devem ser mais participativas na vida política das cidades e do
país como um todo. A gente luta nos movimentos para ampliar os nossos direitos
mas sempre encontramos barreiras nos políticos. Só a própria mulher tem um
olhar para garantir esses avanços. Mas não é qualquer mulher. Infelizmente, há
mulheres no poder que ainda alimentam o machismo estrutural. Precisamos de
mulheres na política com um pensamento mais amplo, mais progressista em pensar
essa dinâmica social, de formação da mulher atuante para manter e ampliar os nossos
direitos.”
REGISTRO DA CANDIDATURA
“Houve um
problema no CANDex, o sistema de registro de candidaturas da Justiça Eleitoral,
que também afetou os outros partidos. A ata da Convenção partidária não estava
sendo inserida pelo sistema junto com o processo de registro da candidatura,
mas não fomos comunicados desse problema. Nossa ata estava correta, tanto que
na segunda-feira seguinte a levamos na Prefeitura para formalizar a licença
eleitoral da Ricarda, obrigatória pela legislação já que ela é servidora
pública. Quando descobrimos que o registro não havia sido efetivado por causa
da ata, tentamos resolver no cartório eleitoral mas nosso recurso não foi
aceito. Todos os outros partidos tiveram a informação de alguma forma e levaram
a ata presencialmente ainda dentro do prazo, menos a gente. Foi aberta pela
Justiça Eleitoral uma segunda versão corrigida do CANDex mas, mesmo com o
auxílio do cartório, também não conseguimos formalizar o registro. O caminho
então foi fazer o registro individualmente e não pelo partido, o que é previsto
na legislação eleitoral a partir de um certo prazo. Na hora, o sistema
selecionou o meu primeiro sobrenome, ficando Fabíola Soares em vez de Fabíola
Rodrigues, e na pressa o rapaz acabou não corrigindo. Mas acredito que não
confundiu ninguém, já que eu era a única mulher e a única Fabíola candidata. E
todos os nossos votos foram computados normalmente.”
MACHISMO NAS RUAS
“Nós
mulheres sofremos preconceito diariamente que muitas vezes é imperceptível ao
olhar masculino. É uma questão de educação a longo prazo e essa é nossa
proposta. Só o fato de termos uma chapa com duas mulheres já é uma ruptura com
esse preconceito e importante para mostrarmos que qualquer mulher é capaz e
preparada para participar da política. Infelizmente isso é pouco falado e até
questionado. Houve um episódio marcante, próximo à escola Wagner Guimarães,
quando eu estava fazendo campanha no ponto de ônibus e um rapaz provocou
dizendo que Itatiaia teria um rei na prefeitura. Eu questionei perguntando “Por
que não uma rainha?”. Ele começou a debater comigo de forma extremamente
agressiva, sendo que nem morador de Itatiaia era. Eu respondi educadamente explicando quais as
várias necessidades que as mulheres têm na cidade. Foi quando eu percebi que
várias mulheres se aproximaram e ficaram junto comigo, demonstrando
solidariedade. Ele sentado e nós em pé. E aí ele começou a abaixar o tom da voz
quando elas começaram a falar em meu apoio. Independente de votarem em mim ou
não, entenderam a necessidade de estarem junto ao perceberam que ele não estava
agindo corretamente, pois nem era da cidade e cresceu a voz para mim porque eu
sou mulher.”
MACHISMO ENTRE APOIADORES
“Também
houve no grupo de apoio uma situação bem complicada. Inclusive a pessoa saiu do
grupo após a discussão. A mulheres do Partido e demais apoiadoras estavam
organizando o 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Não era uma atividade da
campanha eleitoral, que inclusive teria caminhada na parte da manhã. Seria
exclusiva para as mulheres debaterem nossas questões e direitos, as pautas
feministas, inclusive aquelas referentes à cidade. Isso foi questionado por um
apoiador, alegando que em pleno 2022 estávamos querendo separar a campanha em
grupos de mulheres e de homens. Eu argumentei de que era um momento nosso, de
conversarmos sobre nossas dores, nossos problemas, de expormos nossas ideias,
nossos pensamentos. Assuntos que não queremos que sejam ouvidos pelos homens.
Se ele quisesse um dia debater questões masculinas, como virilidade ou saúde da
próstata, e pretendesse criar um grupo de homens teria todo o nosso apoio. Após
o 8M, iriamos divulgar os projetos e ações decididos. Essa posição causou
incômodo, mas ficou restrito a essa pessoa, que se retirou do grupo. Acredito
que ele não entendeu o projeto da chapa feminina, mas os demais homens do grupo
se sensibilizaram e apoiaram a atividade do 8M. Isso foi um bom começo. “
CHAPA FEMININA
“Percebemos
nas ruas uma enorme aceitação da chapa feminina e com isso várias mulheres se
fortaleceram e pensam em começar a atuar politicamente. A nossa campanha foi
uma vitória. Como educadora, e Ricarda também, o mais importante é o processo e
não o resultado final. Se você focar só no resultado, acaba perdendo todo o
aprendizado ao longo do caminho. O processo da nossa campanha foi muito
positivo, mesmo que para alguns o resultado nas urnas não tenha sido muito
significativo, o que discordo. Importante o que retiramos e avançamos com o
processo. Conhecemos uma nova Itatiaia,
onde mulheres estão buscado a libertação. Queremos incentivar essa participação
de mulheres comprometidas com a garantia e ampliação dos nossos direitos.”
FUTURO POLÍTICO
“Já estou
fazendo uma monte de coisas hoje. Não existe futuro político. Eu sempre fui
política, apenas não atuava na política institucional. Quando saí candidata,
fiquei super preocupada de como as pessoas iriam receber. Todo mundo entendeu
perfeitamente. Só eu me assustei. Familiares, amigos, colegas, todos já me viam
como política. Já era esperado. Só eu que ainda não me via como política. O meu
futuro é a continuidade do que já venho fazendo. Não penso em carreira
política, vir vereadora, deputada... eu penso em fazer política. Temos os nosso projetos para a cidade. O
movimento popular é a base de tudo. Fortalecer e levar informação à população é
fortalecer o Estado de Direito e a cidadania. Independente de estar no governo,
eu estou atuante nos conselhos, nos movimentos, e sempre vou estar. Descobri
que sou uma pedra no sapato desses políticos tradicionais e continuarei sendo.”
UNIDADE DA ESQUERDA
“Essa
questão de agregar e unir pessoas ao meu redor foi muito em função do projeto e
principalmente da verdade. Quando você é verdadeira, tem uma verdade, assume
algo para si, e chega para a pessoa e diz “é possível!”, isso fortalece. E eu dizia “é possível mas eu quero você
junto comigo!”. No início eu fui meio jogada nesse processo. Quem convidou a
maioria das pessoas e articulou o grupo de apoio foi o Ronaldo do PSB. Ele
organizou e disse: “toma!”. E as pessoas só vieram comigo porque acreditaram na
chapa feminina. E desde o início eu disse que ganhar a eleição não era o
objetivo principal, mas consequência de um trabalho, de um projeto, que é a
educação política de Itatiaia.”
SUPERAR OS PRECONCEITOS
“Uma
educação política mais profunda é colocar uma mulher negra, trabalhadora, da
base, popular mesmo, que seja reconhecida pela sua experiência de vida, que
saiba do que está falando por sua vivência. E muito foi questionado se a
Ricarda estaria preparada para assumir. Eu vejo nisso pelo menos três
preconceitos. Por ela ser negra, ser mulher e por ela vir da base, ser uma
mulher simples, ter origem popular. No
entanto, se você escuta a história de vida da Ricarda, não tinha ninguém mais
preparada do que ela na campanha. Foi uma lutadora das adversidades, uma
conquistadora. Tudo o que tem na vida foi fruto do seu trabalho, de
perseverança e de planejamento. Uma mulher cuidando sozinha de crianças,
estudar para passar num concurso público, se empenhar para entrar numa
faculdade, manter a sua família com dignidade.”
UMA CO-PREFEITA PREPARADA
“Ricarda tem
uma organização, um planejamento, uma estrutura sem igual. Fez vários cursos,
como esse fitoterápico, que ampliou seu conhecimento sobre as plantas, que já
era um conhecimento ancestral do seu pai, que era mateiro, como ela diz. Ele
entrava no mato para colher raízes e plantas e ela ia junto. Mesmo com essa
experiência, ela buscou o estudo científico. Ela é uma pessoa que está sempre
estudando, em contínuo progresso e avanço. Eu acho que ela seria o retrato
ideal de Itatiaia e poderia vir como a candidata a prefeita. Eu fui escolhida
porque ela é tímida e eu falante. Ao meu lado pude contar com essa grande
mulher que é a Ricarda. Ela foi um dos grandes presentes que a gente ganhou no
Partido e que eu ganhei na vida.”
NOVO GOVERNO DE ITATIAIA
“Eu sempre
sou muito otimista. Espero que o prefeito eleito faça um bom trabalho. Mas se
não fizer estarei lá para cobrar, bater na porta do gabinete, não deixar passar
o que estiver errado. Ele vem com a proposta de ser algo novo, de mudança.
Mudança no grupo político nós sabemos que haverá, mas não necessariamente das
propostas. Precisamos ficar em cima, se envolver, cobrar, levar propostas e
projetos e sair com a esperança que serão realizados. Não podemos nos acomodar. E quem votou nele
tem todo direito de cobrar, até cobrar em dobro. Eu não votei e vou cobrar.”
DERROTAR BOLSONARO
“A derrota
de Bolsonaro começou a partir dele próprio, de suas ações e falta delas. Foi um
governo omisso, genocida. Ele se afundou. Precisamos mostrar para a população
os melhores caminhos. Comparar a estrutura e a situação do Brasil de antes do
golpe de 2016 e de hoje. Não dá para ser mais didático. Precisamos repensar
mesmo uma política mais de esquerda, mais socialista, que pense mais os diretos
do povo, que encontre os caminhos mais corretos da soberania nacional, sem estar
lambendo botas. O Brasil era respeitado no passado. É muito triste ver a nossa
atual imagem lá fora.”
FREIXO GOVERNADOR E LULA PRESIDENTE
“Precisamos
mostrar que o melhor caminho para mudar é com Freixo no governo estadual e Lula
na presidência. Despertar a esperança no
povo. O povo está desesperançado não só
em Itatiaia, já que eu rodo muito com teatro e vejo isso em todo o Brasil. Desde
o governo Temer e só piorou com Bolsonaro. Muita gente foi iludida. Precisamos
dar uma reviravolta e votar em pessoas realmente comprometidas com uma política
social, mais justa, melhor distribuição de renda, reforma agrária, defesa dos
territórios indígenas, que pare a devastação da natureza. Os retrocessos são
enormes, mas pode ser revisto, pode ser melhorado com o nosso voto em outubro.
Precisamos ter nossos programas e propostas de forma que o povo compreenda, em
linguagem popular. Os projetos precisam ser conhecidos e valorizados na hora do
voto, e não apenas as pessoas. “
Bomba, bomba!!
Fabíola anuncia sua entrada na equipe
de acendedoras e acendedores do Pavio Curto
“Podem esperar boas ideias, inclusive estávamos conversando
sobre a comemoração do aniversário do 1º ano do Pavio Curto 21, como aumentar o
alcance das redes sociais, motivar os acendedores e acendedoras, divulgação do
Projeto Semear, entre outras. Estou bastante empolgada com o projeto coletivo
do Pavio, mesmo com minhas dificuldades de tempo em função do meu trabalho. Mas pretendo contribuir bastante. Espero atender
muito bem e estou ansiosa para começar o trabalho.”
Em tempo: Também passaram a integrar o grupo de ilustrador@as do Pavio
Curto as artistas visuais Sara Raquel, de Itatiaia e Andy, de Juiz de Fora.
Bem-vindas!!
Fotos: Pedro Assis, Alvaro Britto, Tiago da Silveira e divulgação