segunda-feira, 5 de julho de 2021

A LUTA CONTINUA

Movimentos populares se reinventam na pandemia
Contato com a base foi prejudicado pela dificuldade de acesso à internet


Por Alvaro Britto

Da noite para dia, em março de 2020, a pandemia transformou radicalmente as relações entre as pessoas.  Mesmo aqueles que acreditavam que seria apenas uma ‘gripezinha’, foram obrigados por decretos e leis municipais e estaduais a seguirem o distanciamento social. Muito se fala no trabalho e ensino remoto, nos shows e peças de teatro virtuais, nas palestras e debates online, agora conhecidas como lives...

Mas...e como ficaram os movimentos, organizações e coletivos populares que têm no trabalho de base e no contato com seus associados e com o público-alvo que buscam representar o principal combustível de sua atuação? Para conhecer um pouco dessa realidade através da voz de alguns de seus representantes, o Pavio Curto ouviu lideranças da juventude, mulheres, LGBTQIA+, negros e profissionais da educação do Sul Fluminense.    

As entrevistas foram realizadas em uma manifestação ‘Fora Bolsonaro’, realizada em Resende na manhã do sábado, dia 19 de junho. Um raro momento em que os movimentos populares foram para as ruas, solicitando dos participantes a utilização de máscaras e álcool 70 – inclusive distribuídos durante a atividade – e o respeito ao distanciamento social, sem aglomerações. “Estamos nas ruas porque esse governo é mais perigoso que o vírus!” – esse é o discurso comum dos movimentos populares de oposição que voltaram às ruas em maio e nunca mais saíram, exigindo o afastamento do atual presidente. 



Yuri William: “Governo Bolsonaro legitima o preconceito e a violência com o discurso do ódio”

Funcionando desde julho de 2019, o Coletivo Seja é um movimento LGBTQIA+ de mobilização social e afirmação da diversidade. Segundo informou o militante Yuri Willan, antes da pandemia foram realizados eventos e rodas de conversa presenciais em Porto Real, cidade sede do coletivo. “Com a pandemia, precisamos buscar novas formas de dialogar com as pessoas”. 

Lives semanais sobre temas como saúde, educação, cultura e trabalho foram realizadas pelo Seja em 2020. “Com a pandemia, nossa atuação foi ampliada para a região, alcançando pessoas de Resende, Quatis e Itatiaia, além de Porto Real”, explicou Yuri. Mas, segundo ele, 2021 chegou junto com a saturação em relação às lives.

- Passamos a usar outras ferramentas como a publicação de vídeos curtos, fotos e cards no feed, mas sempre mantendo o conteúdo crítico – explicou Yuri Willan. Sobre a relação com as prefeituras e câmaras de vereadores da região, ele avaliou que há muitas dificuldades de diálogo em Resende, Porto Real e Itatiaia. “A exceção é Quatis, onde o poder público é mais avançado.  Mas estamos ganhando voz na sociedade, sinto que tem crescido o interesse nas pautas LGBTQUIA+”.

Yuri denunciou também a invisibilização da violência. “Não há registros nas delegacias e com isso não há políticas públicas específicas”. Segundo ele, a comunidade trans é a que mais sofre violência, inclusive policial. “O governo Bolsonaro legitima o preconceito e a violência com o discurso do ódio”, afirmou o militante do Coletivo Seja.  

Priscila Messias: “A violência contra a mulher tem aumentado nesse período”

A União Brasileira de Mulheres de Resende (UBM) vem se reinventando na pandemia mas tem enfrentado muitas dificuldades. “Além dos problemas de acesso à internet, as mulheres têm vivido duplas e até triplas jornadas, o que complica a participação em nossas lives”, explicou Priscila Messias, coordenadora da entidade, informando que a comunicação através de grupos de whatsapp tem trazido bom resultado. 

Ela informou que a UBM vem buscando atuar em parceria com outros movimentos feministas, principalmente no apoio às mulheres da periferia onde as carências são maiores. “Além de cestas básicas, estamos nos mobilizando para distribuir absorventes íntimos”, explicou Priscila, que também afirmou que “a violência contra a mulher tem aumentado nesse período”.

- Os índices de feminicídio cresceram no estado do Rio de Janeiro e em Resende infelizmente não é diferente. Essa situação é agravada porque a cidade não dispõe de delegacia com atendimento especializado à mulher – denunciou a coordenadora da UBM. 

Priscila lembrou também que muitas mulheres caíram no subemprego na pandemia. “Na crise, a mulher é a última ser admitida e a primeira a ser demitida”. Segundo ela, muitas mulheres da periferia são arrimos de família, dificultando ainda mais a sobrevivência.   

Sebastião de Oliveira: “O racismo cresceu na pandemia”

- Os povos negros e indígenas foram os mais afetados pela pandemia – declarou Sebastião de Oliveira, morador de Resende e militante do coletivo Agentes de Pastoral Negros. Ele informou que a Coalizão Negra Por Direitos tem liderado e articulado as lutas, sendo que a prioridade nesse momento é a garantia da sobrevivência das famílias através da arrecadação e distribuição de alimentos nas periferias. 

Tião, como é conhecido, disse que o movimento negro também está na luta pela vacina e pelo auxílio emergencial de R$ 600. “O racismo cresceu na pandemia”, lembrando os casos de entregadores e o do Carrefour, onde, segundo ele, a pressão social obrigou a empresa a firmar um acordo onde se compromete a executar um Plano Antirracista com ações que vão desde relações de trabalho, canal de denúncias, treinamentos para dirigentes e trabalhadores em relação a atos de discriminação, compromissos em relação à rede de fornecedores, até a reparação de danos morais coletivos. 

O militante do movimento negro disse sentir muitas dificuldades de atuação na região nesse período da pandemia. “As ações têm acontecido de forma isolada, como a entrega de cestas básicas em algumas comunidades”. Ele disse que o movimento ‘Vidas Negras Importam’, que teve origem nos EUA, tem influenciado na conscientização principalmente de jovens negros no Brasil, já que a internet possibilitou a globalização das lutas. 

Daysiane Alves: “A reforma do ensino médio é um duro golpe contra a Educação brasileira”.  

Segundo a diretora do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE-RJ), Daysiane Alves, o movimento sindical está se reinventando durante a tragédia da pandemia. “Mas o trabalho de base foi muito prejudicado, pois tanto as aulas como a nossa comunicação com a categoria dependem do acesso à internet, que ainda é precário para boa parte dos trabalhadores, daí que uma das nossas principais bandeiras é o acesso digital universal público e gratuito”, disse ela.

Daysiane anunciou a luta prioritária do SEPE: “A reforma do ensino médio é um duro golpe contra a Educação brasileira”. Segundo ela, a consequência da proposta é a formação praticamente exclusiva para o mercado de trabalho, criando obstáculos para a opção pelo ensino superior. “Isso é um projeto claro e se combina com os ataques e o sucateamento da universidade pública por parte esse governo, que rejeita o pensamento crítico e as ciências humanas”, denunciou a sindicalista.

Ela informou também que o SEPE está realizando uma parceria com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) com o objetivo de dar visibilidade à luta pela reforma agrária e em defesa da agricultura familiar, através do apoio na comercialização de produtos agroecológicos dos assentamentos da região. “Não é apenas uma atividade de venda de produtos orgânicos mais baratos. Estamos conversando sobre sustentabilidade, produção e distribuição coletiva, valorização do trabalhador rural. Pretendemos também realizar vivências nos assentamentos”, explicou Daysiane.  

Alessandro Henrique: “Pretendemos fortalecer a atuação junto aos grêmios estudantis”

Na avaliação do militante da União da Juventude Socialista (UJS) em Resende, Alessandro Henrique, a pandemia dificultou muito o trabalho de base junto aos estudantes devido ao ensino remoto. “Temos realizado debates e atividades de conscientização em lives, mas muita gente não tem acesso à internet”, explicou ele.

Alessandro disse que percebeu o aumento do interesse da juventude na política e que a aposição a Bolsonaro tem crescido entre os jovens. Alessandro revelou que a UJS já está planejando suas ações para quando a pandemia terminar. “Pretendemos fortalecer a atuação junto aos grêmios estudantis e realizar banquinhas nos bairros com atividades para a juventude”.