segunda-feira, 3 de maio de 2021

DA MANTIQUEIRA

  


 Dona Maria Puri: “Não fizemos nada de errado e estamos sendo massacrados”

Em entrevista ao Pavio Curto, indígena faz relato emocionante de sua vida

Por Mani Ceiba e Alvaro Britto


O destino da equipe de reportagem do Pavio Curto naquela manhã nublada de terça-feira, dia 13 de abril, foi o vilarejo de Mirantão, distrito do município de Bocaina de Minas (MG), em plena Serra da Mantiqueira, uma cadeia de montanhas cujo nome de origem tupi significa "montanha que chora". É lá que mora há cerca de 50 anos a brasileira Maria José Soares, indígena do povo Puri com muito orgulho, mais conhecida como dona Maria Puri. 

“Desde os três anos me entendo como Puri, ao conhecer meu bisavô...ele era da Fumaça. Mas tenho parentes em Mauá, Maringá...até em Angra”

Dona Maria não sabe a sua idade ao certo, mas pelas suas contas tem cerca de 80 anos.  Em relação à data do aniversário, não tem dúvida: é dia 7 de abril, uma semana antes da entrevista concedida ao Pavio Curto em sua casa. Viúva, casou-se pela primeira vez com menos de 15 anos. Seu marido foi assassinado cerca de um ano depois. Aos 25 anos, casou pela segunda vez, tendo enviuvado recentemente. Teve dez filhos, mas apenas três estão vivos.  Frequentemente recebe visitas de parentes Puris, principalmente de Visconde de Mauá. 


“Eu gosto de ser Puri... mas meus filhos debocham quando eu falo que sou Puri...”

O povo Puri pertence ao tronco linguístico macro-jê e é originário do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. No século XVIII, antes de serem vendidos como escravos, os Puris foram estimados em mais de 5 mil indígenas. O censo do IBGE 2010 registrou 675 Puris. Desses, 335 em MG, 169 no RJ, 113 no ES e 24 em SP. O termo “puri”, tem origem na língua dos Coroado, significando “ousado”.  Isso seria devido ao modo surpresa como esses indígenas atacavam seus inimigos e a mobilidade entre os vales das serras.

“Minha vó foi caçada no laço. ...Fomos perseguidos muitos anos. ...Os índios eram brabos...agora estão mais mansos...”

Dona Maria não poupa os colonizadores brancos: “Os índios estavam lá no mato. Por que mexeram com eles? Acho isso um erro. Nunca perturbaram ninguém, e são perturbados desde o princípio.” Segundo ela,” tem muita gente no meio do mato que se assume como índio”. O atual governo também não escapa: “Já mataram muitos índios. Estão sendo massacrados nesse governo.”

“Aprendi a fazer bonecas com a minha avó quando tinha três anos. Mas só comecei a vender depois que meu segundo marido morreu.”

Momento encantador da entrevista aconteceu quando Maria Puri abriu uma caixa repleta de bonecas coloridas. Vários formatos e tamanhos, umas de pano outras de algodão. Em comum o amor de quem aprendeu o ofício aos três anos com a avó para as brincadeiras com as amigas. A artesã indígena emocionou-se ao contar a história e contagiou a equipe do Pavio Curto. “As crianças adoram me ver!”, disse ela ao ouvir as crianças passando pela rua e chamarem pelo seu nome, interrompendo carinhosamente a entrevista. 

“Eu era feliz e não sabia... A gente é que fazia as próprias bonecas, os brinquedos eram os cachorrinhos, porquinhos, cabritinhos...”

Também emocionante foi o seu relato da convivência com a natureza durante a infância. Na época morava em fazendas da região onde os pais trabalhavam. Lá, as brincadeiras eram com as bonecas que ela mesma fazia e com os pequenos animais, principalmente os filhotes. “Eles eram os nossos brinquedos, Nada era comprado. Saudades daquele tempo!”, revelou Dona Maria.  Atualmente, a venda das bonecas é uma das fontes de sobrevivência da indígena, junto com os doces e geleias artesanais de frutas como goiaba, caqui, pêssego, jabuticaba, laranja, além de conservas de broto de bambu e pimenta, tudo plantado e colhido no próprio quintal.  

“A gente plantava pra comer. Era muito melhor. Tinha mandioca, cará, inhame, batata...Hoje tudo é comprado na venda. “

Até chegar em Mirantão, há cerca de 50 anos, Dona Maria Puri viveu a maior parte da sua vida em roças e fazendas da região, onde seus pais trabalhavam, se alimentando do que a família plantava. Quando trabalhou em um sítio no alto da serra, colhia pinhão para vender.  Depois trabalhou vários anos em fábrica de chocolate. “Lá aprendi a fazer geleias”, recordou Dona Maria. Também prestou serviços na Comunidade Santo Daime, na localidade de Ponte dos Cachorros, região de Visconde Mauá. “Conheci vários artistas”, lembrou a indígena. 

”Ana Rita é um barato! Adoro tanto ela! ... Estou com muita saudade!”


 Em um momento de muito carinho da entrevista, Dona Maria lembrou da amiga Ana Rita Nogueira, que morou 21 anos em Mirantão. Ana Rita foi presidente, conselheira e hoje é tesoureira da Aprovim (Associação de Produtores de Visconde de Mauá e região). Descobriu a farinha de pinhão, uma prática de feitio Puri, começando a vender a farinha das mulheres produtoras em 1993. Atualmente, Ana Rita mora em Visconde de Mauá e também tem um carinho imenso por Dona Maria Puri.

E, depois dessa entrevista, quem não tem? Nós, do Pavio Curto, ficamos apaixonados. E estaremos sempre apoiando e divulgando a luta e a cultura dos povos originários. Não como meros observadores ou objetos de estudo, mas abrindo espaço para a suas falas. No Pavio, eles serão protagonistas!  

Renunciando rótulos, jovens formam uma nova relação com a ideologia

 Juventude aborda como compreende os valores políticos na atualidade

Por Ana Carolina Ângelo

Em entrevistas concedidas virtualmente, jovens relatam suas experiências individuais com o espectro ideológico. Identificando as particularidades de conceitos políticos pré-definidos, o grupo auxilia na construção de uma juventude engajada, contudo, desprendida de delimitações conceituais.

Com convicções semelhantes, os entrevistados estendem o termo ideologia à prática, além da teoria. Ressaltando a dupla conotação dessa palavra, Laura Lima, estudante de Serviço Social na UFSM, expõe, “acho importante cada pessoa ter bem definido o que acha ideal para si e para a sociedade, podendo reconhecer onde efetuar mudanças na sua vida, em seu comportamento”.

Há também a compreensão da existência de um posicionamento equívoco na militância. Sem aderir a uma categoria política particular, Camille Mathias, de 29 anos, opina, “muitos [jovens] se posicionam mal. Querem mostrar que possuem uma ideologia, impondo regras na internet, porém não colocam em prática. É muito artificial”. Ainda nesse contexto, Pedro Heckert, estudante de Economia na UFRRJ e libertário austríaco, afirma, “a maioria defende algo que não entende cem por cento e não sabe nada sobre as consequências de defender certas ideias”.

 

Adesão à Justiça

Para os jovens que hasteiam bandeiras ideológicas, há uma procura incessante pelo correto. “Minha ideologia é dar suporte a todos os que precisam. Defendo porque acredito ser justo. Eu sou pela justiça”, enfatiza Danilo Mateus, ator vinculado ao movimento indígena. Já Lívia Lages, partidária ao PT e militante das causas feministas, relata, “a minha consciência ideológica surgiu mais na igreja, lá lutamos pela justiça social. Acredito que a ideologia leve justiça, paz e bem-estar para todos”.