sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Pavio Curto e Dom Waldyr Calheiros: uma história antiga

Por Alvaro Britto

“O nome é muito inteligente. Dizem por aí que eu tenho pavio curto. Já é uma identificação. Me alegro muito com essa iniciativa de vocês, ao resgatar aqui na região a imprensa alternativa. Parece que não é nada, mas é uma semente. E a gente sabe que uma semente desaparece mas depois reaparece com mais força. Evidentemente há um tempo de fermentação debaixo da terra. Mas depois ela vai florir. E aí a gente pergunta: por quê? E acaba lembrado da semente.”

Dom Waldyr Calheiros (1923 - 2013), em entrevista ao Pavio Curto realizada em 8 de março de 2001. 

Há vinte anos, quando lançamos a versão impressa do Pavio Curto, Dom Waldyr aceitou prontamente ser o nosso primeiro entrevistado, acreditando e comemorando a iniciativa, e também profetizando sobre a nossa trajetória, como disse nas palavras acima. Você confere ao final da reportagem a íntegra dessa que foi a primeira entrevista explosiva do Pavio, republicada pela primeira vez após duas décadas.

Para ler a entrevista de Dom Waldyr ao Pavio Curto, CLIQUE AQUI.


Lançamento do livro


Na noite chuvosa de 30 de novembro deste ano, oito anos após a morte de Dom Waldyr, o Pavio Curto não poderia deixar de estar presente, no lançamento do livro ‘Dom Waldyr Calheiros, Dom e Profecia: entre o Báculo, Estrelas, o Aço e a Botina’, de autoria dos historiadores e professores Luiz Henrique de Castro Silva e Hugo Leonardo Borba. O local escolhido para o evento foi o Memorial Zumbi dos Palmares, em Volta Redonda, um espaço público e aberto que, segundo um dos autores, o professor Hugo Leonardo, sinalizou “a abertura de Dom Waldyr e também a dimensão plural do seu pastoreio nas diversidades.”

Foram horas de muita emoção, afeto e troca de experiências do convívio com Dom Waldyr Calheiros, seja físico ou através do seu legado que plantou várias sementes por onde passou, em especial na região Sul Fluminense. O evento foi aberto pelo canto de ‘Pai Nosso dos Mártires’, que muito bem simboliza a caminhada, o compromisso e o legado de Dom Waldyr. 


Em seguida, os autores compartilharam a motivação, a experiência e o desafio da  elaboração do livro. Segundo o professor Luiz Henrique, o livro foi construído por várias mãos. 

-  No próprio título está marcada a ação plural de Dom Waldyr, onde tentamos destacar toda sua trajetória. A relação profética que ele estabeleceu na Diocese, a partir de uma formulação do Concílio Vaticano II e da Conferência dos Bispos da América Latina em Medellín, em 1968 (báculo); a resistência à ditadura militar na região do Sul Fluminense (estrelas); a questão da exploração dos trabalhadores dentro do processo fabril representado pela CSN (aço) e a proximidade que ele teve com os operários e suas lutas por direitos e dignidade (botina), fato que o tornou conhecido como o bispo dos operários, conferido pelos seus pares da CNBB”, explicou o historiador. 


Palavra aberta: muita emoção


Após suas falas, os escritores convidaram para testemunhos quatro representantes de algumas das inúmeras frentes de atuação de Dom Waldyr Calheiros na região Sul Fluminense.  Participaram Adelaide Afonso, da Comunidade São Paulo Apóstolo e  militante do Movimento Negro; Edir Alves, da Comunidade São José Anchieta, ex- preso político, dirigente da Juventude Operária Católica (JOC) e membro do MEP-VR; Márcia Lobão, do movimento pela moradia, representando Maria de Lurdes, a Lurdinha, ex-coordenadora da Comissão de Posseiros e  coordenadora do Movimento Nacional de Luta pela Moradia; e o padre Normando Cayouette.

 


Na sequência, a palavra foi aberta aos presentes. A primeira a falar foi Dodora Mota, professora e líder sindical e popular, amiga do Pavio Curto desde sua criação há vinte anos e que participou da histórica entrevista com Dom Waldyr Calheiros em 2001. Muito emocionada, ela contou sobre o apoio que recebeu do então bispo para prosseguir seus estudos e se formar professora e da intervenção decisiva de Dom Waldyr para que a tortura ao seu irmão e outros presos políticos no antigo Batalhão de Barra Mansa durante a ditadura militar fosse suspensa. Ela foi seguida por falas de Inês Pandeló, Reimont Otoni e várias outras pessoas que conviveram ou vivenciaram o legado de Dom Waldyr Calheiros. 

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Morte por Covid 19 de quem tomou duas doses da vacina representa apenas 0,004% da população

Por Lara Salles, Nayara Indyla e Gustavo Nogueira*


As mortes de idosos por Covid-19, mesmo após tomarem as duas doses de vacina, têm gerado questionamentos sobre a eficácia do imunizante e até mesmo a recusa da imunização. Com a repercussão do assunto e o receio da população, o Ministério da Saúde divulgou que ocorre uma morte a cada 25 mil pessoas que tomam as duas doses, o que representa apenas 0,004%. Já em relação às pessoas que se recusaram, o Instituto Butantan informou que no Brasil esse grupo representa 96% das mortes por Covid-19. 

Diante disso, vários agentes de saúde se pronunciaram e afirmaram que as vacinas contra a Covid-19 não impedem a contaminação com vírus. Isso, no entanto, não significa que não funcionem. Segundo a coordenadora de imunização de Barra Mansa, Marlene Fialho, desde o início da campanha de vacinação várias pessoas não quiseram tomar a vacina e um dos motivos seria os casos raros de óbitos pela doença, mesmo após as duas doses.

A coordenadora reforçou ainda que alguns cidadãos queriam até mesmo escolher a marca do imunizante, alegando o nível de eficácia. “O que fazemos diante disso é orientar sobre a necessidade da imunização e sobre a vacina que está disponível, pois o grande objetivo, na verdade, é que todos estejam imunizados independente de qual vacina seja, para tirar o vírus de circulação e evitar novas variantes mais agressivas”, explicou. 


Imunidade

A universitária Vitória Luccas contou que um membro de sua família se recusou a tomar a vacina. “Foi difícil explicar que a vacina não deixa de ser eficaz, apesar de existirem casos raros, como o do ator Tarcísio Meira. Mas ficamos bem tristes por ele se recusar a tomar o imunizante por esse motivo. As pessoas deveriam se conscientizar mais sobre a importância de se proteger”, lamentou.

Um estudo italiano inédito, realizado pelo Instituto Nacional de Saúde (ISS), mostrou que pessoas vacinadas contra o novo coronavírus têm pouca probabilidade de morrer em decorrência da doença. O levantamento revela que a idade média das pessoas imunizadas que morreram por Covid-19 foi de 85 anos e que elas já tinham, em média, cinco doenças preexistentes. 

Segundo especialistas, um dos motivos para esse raro acontecimento seria que após uma certa idade, o corpo não consegue mais produzir imunidade, o que é chamado pelos médicos de imunossenescência. Ou seja, não gera defesa suficiente e compromete a eficácia da vacina. 

Outro motivo seria a existência de grupos populacionais específicos, que não possuem maturidade para a produção de imunidade, como pessoas com desnutrição, obesidade, sedentarismo, que tomam medicação com imunossupressores, que fizeram transplante de órgãos sólidos ou medula óssea. 


*Estudantes de Jornalismo

Jovens falam sobre a importância de doar sangue

Por Silas Freitas e Vitor Calicchio


A doação de sangue não é apenas um ato de amor; é mais que isso, salva vidas. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, 16 a cada mil habitantes são doadores de sangue, 1,6% da população. Ainda que estejam na média da quarentena da Covid-19, as coletas caíram bastante e muitos hospitais precisam de sangue. Apesar do momento pandêmico que o país vive os pacientes não podem esperar, pois existem pessoas nos leitos dos hospitais necessitando da colaboração de todos.

Poucas pessoas têm a informação sobre como a doação de sangue funciona de fato e muitos possuem medo de doar. Se preocupar com o próximo é um ato de amor, um ato de solidariedade com quem necessita. Envolve não só a questão emocional, mas o psicológico daquele que precisa receber e seus familiares. Mas o doador precisa ter a consciência que ele está realizando um ato de amor, salvando vidas.

Como é o processo de doação 

O enfermeiro Tiago Oliveira explica que “doação de sangue nada mais é do que a retirada de um pequeno volume de sangue que o organismo repõe nas primeiras 72 horas seguintes”. O atendimento é rápido: o procedimento se inicia pelo cadastro, aferição de sinais vitais, testes de anemia, triagem clínica, coleta do sangue e lanche.  

– Vejo a importância da doação de sangue porque sei que posso salvar vidas. Me sinto com uma missão, pois meu aniversário é no dia 25 de novembro, dia do doador de sangue. Sempre fui bem tratada e nunca senti nenhum preconceito e quando tenho oportunidade incentivo outras pessoas a doarem também - declarou Ana Carla, 23 anos, doadora desde 2017.

João Rodrigues da Silva Filho, 27, doador há dois anos conta que decidiu ser doador por amor. “Tenho como obrigação fazer o bem ao próximo. A sociedade de hoje talvez ainda necessite aprender formas de ajudar quem precisa. Doar sangue é doar vida”, afirmou.

Até ano passado homossexuais só podiam doar sangue se estivessem em abstinência sexual no período de um ano. No dia 8 de maio de 2020 o Supremo Tribunal Federal derrubou essa proibição e as regras passaram a ser iguais para todos, estabelecendo a igualdade de tratamento entre as pessoas. Ainda que existam preconceitos, foi uma grande vitória para todos, principalmente os que precisam da transfusão. Rodrigo Rodrigues, candidato a doador de sangue conta como se sentiu com a liberação: “Fiquei muito feliz com a decisão do STF, pois agora sei que posso doar e ajudar o próximo. Tomo todos os cuidados e tenho os meus exames em dia”, comemorou.



Como doar sangue

É preciso estar dentro de alguns critérios, como ter entre 16 e 69 anos, estar em boas condições físicas, ter tido uma boa alimentação, mas não é necessário estar em jejum. É também necessário ter acima de 50 kg e ter dormido bem. É recomendado não ter ingerido bebida alcoólica nas últimas 12 horas e não ter fumado nas últimas duas horas. 

O homem pode doar a cada dois meses, sendo no máximo quatro vezes por ano. Já a mulher a cada três meses, sendo até três doações por ano. Além disso, o candidato passará por todos os exames necessários para saber se está em condições de doar. Todos precisam portar documento oficial com foto e menores de idade devem estar obrigatoriamente acompanhados por responsável legal.

Onde doar sangue

No hemonúcleo mais próximo da sua residência ou hemocentro. O atendimento é de 8 às 16 horas, de segunda a sexta-feira. 


* Estudantes de Jornalismo

Descaso ao ciclismo: a mobilidade que conecta meio ambiente, corpo e coletivo

Por Samara Balieiro 


O ciclismo é mais que um esporte e possui diversos benefícios para a saúde, para o meio ambiente e para o espaço urbano. A prática auxilia na perda de peso, no combate ao sedentarismo, no fortalecimento da musculatura e estimula uma melhor respiração e circulação sanguínea, além de reduzir o estresse e proporcionar menor risco de desenvolver depressão e ansiedade ao fornecer benefícios psicológicos e sociais. 

O ciclismo ainda promove proteção para o ambiente social como um todo. Optar pelo uso da bicicleta contribui com a redução da emissão de carbono, auxilia a eficiência do trânsito e permite a confluência do espaço urbano com a atividade física.

Apesar de inúmeras qualidades do ciclismo, a prática é pouco incentivada. Existem mais bicicletas do que carros no Brasil. São cerca de 50 milhões de bikes contra 41 milhões de automóveis, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Apesar disso, apenas 3% das viagens diárias no país são realizadas por ciclistas, enquanto 25% são feitas com automóveis, segundo a Agência Nacional de Transportes Públicos (ANTP). O risco de morte é um dos principais motivos para esses números.

De acordo com a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (ABRAMET), na última década, mais de 13 mil ciclistas morreram após se envolverem em algum tipo de incidente; 60% são vítimas de atropelamento. O Sistema de Informações Hospitalares (SIH) e o Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), ambos do Ministério da Saúde, informaram que em 2020, só em junho, foram registradas 690 internações no SUS, reforçando a urgência de medidas que disponibilizem mais segurança para aqueles que utilizam esse meio de transporte.

Segundo Luís Felipe César, jornalista especializado em gestão ambiental e desenvolvimento sustentável, para incentivar e garantir a segurança do ciclista é preciso modificar o espaço físico. “Existe a necessidade de se fazer mais ciclovias e desenvolver percursos que façam sentido conforme a dinâmica da cidade, a dinâmica dos trajetos entre escola e residência ou entre trabalho e residência”, comentou o jornalista.

Uma alternativa mais barata e segura

Com o alto preço do combustível e com os transportes públicos lotados em meio à pandemia do novo coronavírus, o número de ciclistas aumentou em todo o Brasil. De acordo com a Aliança Bike, que reúne lojistas e empresas voltadas ao esporte sustentável, as vendas de bicicletas cresceram 34,17% no primeiro semestre de 2021 em relação ao mesmo período em 2020. Consequentemente, acidentes envolvendo ciclistas aumentaram 30% nos cinco primeiros meses de 2021, segundo a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (ABRAMET). 


 “Sempre que possível, considere andar de bicicleta ou caminhar: isso proporciona distanciamento físico, ajudando a cumprir o requisito mínimo para a atividade física diária, que pode ser mais difícil devido ao aumento do teletrabalho e acesso limitado ao esporte e outras atividades recreativas” – Guia sobre locomoção durante a pandemia, publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Fabrício dos Santos, ciclista, personal trainer e maratonista relatou que “a bicicleta hoje em dia, como meio de transporte para mim, funciona de segunda à sábado. Como eu trabalho como personal trainer, giro a cidade quase toda de bike, o tempo todo, durante a semana. Aos finais de semana a bike vira meu lazer.”

Apesar da experiência e de utilizar a bicicleta desde os quatro anos de idade em Itatiaia (RJ), onde cresceu, Fabrício comenta que desenvolveu atenção redobrada. “Tenho uma falsa segurança no meu pedalar, mas é muito perigoso andar de bike na nossa região, são muitos motoristas, ciclistas e pedestres que não respeitam a sinalização básica”, queixou-se. 

Rafael Ribeiro, que utiliza a bicicleta como meio de transporte na cidade de Resende (RJ), aponta o mesmo problema. “Nos horários de pico é bem complicado, em torno de 18h, 19h ou no horário de almoço. É bizarro, principalmente nas pontes do centro. Os carros, principalmente os ônibus, passam bem grudados com você, chega a assustar, às vezes parece que fazem de propósito”, conta.

Sobre a divisão do espaço urbano no trânsito, o jornalista Luís Felipe César alerta sobre a importância da sinalização adequada das ciclovias e que haja programas intensos de educação para o trânsito. “Essa educação abrange tanto os ciclistas quanto os motoristas e até o pedestre, sempre com apoio da guarda municipal, responsável pela aplicação da legislação de trânsito”, explicou.

A sobrevivência do ciclismo no Sul-Fluminense por meio do esporte e do turismo

No Sul-Fluminense o ciclismo é incentivado principalmente pelo esporte e pelo turismo. Em 2018, em sua segunda edição no Brasil, o Gran Fondo New York foi disputado na região com cerca de 1.500 ciclistas inscritos, a maior maratona da modalidade no mundo, com percurso longo de 160km, e médio, com 88km e ainda a inclusão de duas novas serras do histórico Vale do Café. 

Há também o projeto O Circuito, que conecta as cidades do sul do estado através de um circuito turístico com intenção de criar maior contato com o meio ambiente e peculiaridades de cada região. O projeto promove a conexão do caminho das Agulhas Negras com o Vale do Café, logo, os ciclistas precisam trafegar pela Rodovia Presidente Dutra, onde não são raros acidentes envolvendo ciclistas, atletas e até romeiros, que realizam por tradição o percurso até a cidade de Aparecida, em São Paulo. 

Para solucionar esse problema e promover mais segurança aos ciclistas e incentivar a prática como transporte, lazer ou esporte, o jornalista Luís Felipe César, que também presidiu a Agência do Meio Ambiente de Resende (2006-2008) relata que o primeiro passo é ouvir o cidadão que pratica o ciclismo, a partir de um processo de consulta executado pelo poder público. “Poderiam ser ouvidos ciclistas que usam a bicicleta como meio de transporte e os que usam como esporte, para saber o que pensam, quais são suas as dificuldades e pedir sugestões. Acho que esse deve ser o ponto de partida para qualquer ação.” 

*Estudante de Jornalismo

Vereadoras são minoria no Sul Fluminense

Volta Redonda, a maior cidade da região, não tem representação feminina 

Por Harrison Nebot*


As mulheres têm percorrido longos caminhos de debates e reivindicações para conseguirem alcançar mais espaço na sociedade, e principalmente nas esferas de poder, de onde saem decisões de políticas públicas que possibilitam a sociedade passar por transformações estruturais. A representatividade feminina nos parlamentos municipais do sul do estado do Rio de Janeiro reflete a falta de paridade de gênero na representação política brasileira, do qual fazem parte os municípios de Angra dos Reis, Barra Mansa, Barra do Piraí, Itatiaia, Paraty, Pinheiral, Piraí, Porto Real, Quatis, Resende, Rio Claro, Rio das Flores, Valença, Três Rios e Volta Redonda. 

Das 15 cidades pesquisadas, nenhuma casa legislativa possui mais de 30% do gênero feminino. Angra dos Reis lidera o ranking com quatro vereadoras, representando 29% do total de 14 assentos. Gabi Greg (PP), Jane Veiga (MDB), Luciana Valverde (MDB) e Titi Brasil (MDB) formam o time de mulheres angrenses no poder. Na avaliação dos números, das 21 cadeiras com representantes femininas do sul fluminense, 17 estão ocupadas por vereadoras em primeiro mandato, resultando em 81% do total. O que gera um alerta em como manter as mulheres no poder e a realidade da violência política de gênero.


Nas piores colocações da média regional, que não elegeram nenhuma representante: Itatiaia, Piraí, Rio Claro, Rio das Flores e Volta Redonda. A Cidade do Aço, o maior munícipio da região, chama atenção por não ter nenhuma mulher em suas fileiras. Ela conta com 224 mil eleitores, sendo 53,38% de mulheres, além de ter uma grande efervescência cultural, política e econômica. 

Algumas características que levariam mais vozes femininas ao legislativo são a grande amplitude de debate através das universidades existentes no município, criação de movimentos sociais. Além disso, partidos que tradicionalmente elegem mulheres, como PT e Psol, poderiam eventualmente dar vitória para a ala feminina para não ficar em uma posição tão desconfortável entre os maiores municípios da região sul.

Partidos refletem política nacional

Apesar de não possuírem mandatos carregados de atuação conservadora, as vereadoras eleitas são, em sua maioria, de partidos que dão sustentação ao presidente Jair Bolsonaro (PL).

O PSL e MDB são os que possuem o maior número de vereadoras, cada um com três parlamentares, já o PP e Republicanos possuem duas. Os partidos DC, PMB, PATRIOTA e PTB possuem apenas uma representante. Esses partidos adentraram a onda conservadora, o que refletiu nas eleições municipais de 2020.

Na esteira de uma oposição com menor representatividade no âmbito nacional, as eleitas para os parlamentos municipais de centro e de centro-esquerda na região tiveram duas vitórias do PT. Já os partidos PSB, PV, Rede e Cidadania conquistaram apenas uma vaga nos municípios da região. 

As duas vereadoras que mais são posicionadas ideologicamente com seus partidos e levantam pautas nacionais em seus munícipios nas sessões legislativas são duas professoras, Fernanda Carreiro e Flora, de Barra Mansa e Paraty, respectivamente. Nas redes sociais de ambas é possível perceber a forte atuação legislativa ligada ao Partido dos Trabalhadores e às pautas da esquerda. 


Fernanda Carreiro (PT) ressalta a atuação solitária dentro do ambiente tradicionalmente masculino e machista. 

- Sou mulher, professora, sindicalista, e por fim, petista. O combo perfeito para que fique isolada dentro da Câmara Municipal que é praticamente toda governista. E apesar de sermos quatro mulheres aqui, o debate sobre a nossa importância e participação fica muito reduzido pois não basta ser mulher para entender a opressão do patriarcado. É preciso compreender e absorver as nuances do machismo para enfrentar o dia a dia da política – disse a vereadora. 

A parlamentar quando questionada se há uma união entre as mulheres que exercem mandato na Câmara de Barra Mansa esclarece a dinâmica da cidade. 

- A questão da participação e empoderamento da mulher, independente de esquerda e direita, quem transita em um ambiente democrático e zela por ele, sabe que o debate sobre mulheres é salutar para que avancemos mais. É lamentável que não tenhamos uma Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher para proteger e identificar possíveis mudanças no município. Somos uma das maiores cidades da nossa região e precisamos urgentemente pautar debates ligados a diversos temas como mulheres, LGBTQIA+, negritude e distribuição de renda – afirmou Fernanda.

Jovem surpreendeu com grande votação em Três Rios 

A jornalista e empreendedora Bia Bogossian, alcançou votação expressiva na cidade de Três Rios, foi a segunda vereadora mais votada no placar geral e a primeira entre as mulheres. O mandato da jovem vereadora tem bandeiras progressistas como pautas LGBTQIA+ e defesa das mulheres. 

Bogossian tem o maior número de seguidores nas redes socias entre todas as parlamentares do sul do estado, são mais de 10 mil apenas no Instagram. A jovem é ligada ao Movimento Acredito e ao Renova Brasil, os mesmos aos quais pertence a deputada paulista Tábata Amaral. O destaque também vai para os famosos que seguem a vereadora líder em votação, Rene Silva (a Voz das Comunidades) e a atriz Maria Ribeiro.

A vereadora reflete, em entrevista, o sucesso nas urnas, redes sociais e propostas para Três Rios.

Você é a vereadora mais jovem do Sul Fluminense, 23 anos, e dentro desse universo político o que te motivou a entrar para a disputa eleitoral? 

O que me motivou foi uma grande questão que é pensar que as políticas públicas são a maior ferramenta de transformação na vida das pessoas. O que eu sempre comparo é dizer que nós, como indivíduos, podemos ir na rua, pegar e ajudar uma pessoa que é um morador de rua, por exemplo, nós como indivíduos. E aí a gente ajuda a transformar a vida daquela pessoa. Só que via políticas públicas a gente pode transformar a vida de muitas pessoas, pode ter uma política pública que tire todos os moradores da rua, né? E faça com que eles tenham dignidade e etc. Então, peguei um exemplo assim pra explicar que a minha maior motivação vem disso.

A sua votação foi expressiva, qual ingrediente desse sucesso nas urnas?

O ingrediente é um mix de muito propósito e muita estratégia. Então, não adianta propósito sem estratégia, não adianta estratégia se não tiver um grande propósito, as pessoas sacam isso. Se você tem um grande propósito, mas não tem uma campanha muito bem planejada esse teu propósito não vai ficar claro para as pessoas e não vai tocar o coração delas. E se você tem muita estratégia, muito dinheiro e diversos mecanismos eleitorais, mas você não tem um propósito verdadeiro, as pessoas percebem isso também e não vão te eleger. A gente tinha uma equipe de voluntários jovens que ajudaram muito, pensando junto em cada ação pra atingir cada público nosso. E aí a gente canalizava em comunicação, marketing e todo o plano de mandato, todo o projeto de política que eu tenho pra Três Rios. 


Como vereadora em exercício de mandato você tem o maior número de seguidores nas redes sociais das 21 mulheres que ocupam cadeiras legislativas do Sul Fluminense. A sua campanha e seu mandato tem atenção especial nas redes sociais?

Sim, tem uma grande importância a rede social no meu mandato. Isso é inclusive uma questão muito complexa pra eu lidar como pessoa, porque as coisas se misturaram muito, minhas redes sociais deixaram de ser pessoais e passaram a ser uma ferramenta de trabalho. Mas eu também gosto de postar sobre minha vida pessoal e as vezes as pessoas não sabem lidar. Esperam que o político seja um robô que só vai postar as coisas boas e bonitinhas. E nem tudo vai agradar a todos, porém eu gosto de ser bem verdadeira. Eu uso muito o meu alcance nas redes e é muito bom porque eu consigo me comunicar sobre os assuntos relevantes para a cidade, como votações da legislação orçamentária. Eu vejo que a população de Três Rios está participando de momentos importantes para o município. E democratizar a informação é importante. Por outro lado, a internet dá palco para discursos de ódio e muita negatividade. Preciso ter inteligência emocional para lidar com tudo isso, porém é uma ferramenta muito importante pro meu mandato. 

Em algum momento da sua atuação no parlamento de Três Rios você já percebeu alguma atitude machista que te impedisse ou tentasse restringir suas ações dentro da casa legislativa?

Sim, com certeza. Eu acho que o parlamento reflete a nossa sociedade que é machista, né? O patriarcado e todo o nosso histórico de sociedade e a política é um desses locais em que o machismo ainda é muito exacerbado. Já ouvi de um vereador, por exemplo, durante a sessão insinuando que eu deveria tirar meu casaco, em uma atitude claramente de cunho sexual e machista. O tipo de brincadeira que não se faz em um ambiente de trabalho mas, eu acho que com a educação e aos poucos explicando pra esses caras o quanto isso é ultrapassado podemos evoluir. Essa suposta brincadeira não é mais aceita na minha geração, e que estamos tratando de um tema sério e não é legal esse tipo de insinuação. Tenho sido resiliente e paciente para atualizar os homens sobre essa nova realidade. E já tentaram sim evitar a minha ida para a mesa de diretora, inclusive os homens foram ao banheiro masculino para tentar derrubar a minha vitória. 

Apesar de Três Rios ser uma cidade pequena, você tem um apelo grande nas redes sociais, pretende alçar voos mais altos, como uma candidatura a deputada estadual ou federal?

Sim, tenho muita vontade de seguir uma carreira política. Então tenho sim pretensões de outras candidaturas e alçar voos mais altos, como você disse. Há possibilidade de ser por agora mas, ainda estou analisando questões pra ver se faz sentido que seja em breve ou mais pra frente.

Violência de gênero na política

O termo violência de gênero na política foi recentemente empregado para denunciar abusos contra mulheres que atuam na política e tem gerado grande debate na sociedade e até mesmo na Justiça Eleitoral. Os desacatos cometidos por homens para tirar a legitimidade de mulheres que se propõe ingressar na vida pública são diversos, e por consequência, acarretam na não permanência quando elas conseguem alcançar o poder. A violência muitas vezes começa antes mesmo da consagração nas urnas e o enfrentamento se inicia nas pré-candidaturas e campanhas eleitorais. 

O que dá ressonância à região Sul Fluminense visto que há um número de 81% de vereadoras em primeiro mandato. Viabilizar a permanência das mulheres no poder e investir em mecanismos com esse objetivo é um dever cívico para ter a participação justa da representatividade feminina. 

Em 2019, o Tribunal Superior Eleitoral lançou a campanha “Participa Mulher” com a finalidade de concentrar e divulgar dados sobre a participação feminina nas eleições e números sobre as eleitas para diversas esferas do poder. 

Relembrando alguns casos que marcaram o país quando o termo “violência política de gênero” ainda não era instituído, temos como exemplo a utilização de adesivos em carros com a imagem depreciativa da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2015 quando os preços dos combustíveis aumentaram. Em 2020 foi a grotesca imagem, registrada ao vivo pela TV ALESP, do assédio sofrido pela então deputada estadual Isa Penna (Psol-SP). O deputado Fernando Cury (Cidadania) apalpou os seios da parlamentar e a envolveu em um abraço sem seu consentimento. O deputado ficou afastado – voltou ao mandato em outubro passado – do cargo por 180 dias, em decisão unânime da Assembleia Legislativa de São Paulo. Também o Ministério Público – SP denunciou o político pelo crime de importunação sexual no mesmo processo movido pela deputada Isa Penna (Psol). A justiça acatou recentemente a denúncia, tornando o deputado réu.

* Estudante de Jornalismo

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Realidade na ponta do lápis: artistas usam desenhos como movimento social

Censura e dificuldades financeiras fazem parte da história de profissionais conceituados da região


Por Ana Júlia Pompeu e Polliana Amurim*


Desde os primórdios, a arte de desenhar esteve muito presente em nossa sociedade. O homem sempre sentiu necessidade de se expressar através de ações artísticas. Um exemplo disso são as pinturas rupestres, realizadas no período Paleolítico e o Neolítico, feitas em paredes e rochas de cavernas e ao ar livre, que, segundo historiadores, eram criadas pelo homem para mostrar a natureza que estava a sua volta e até mesmo seus desejos.

Com o passar do tempo, as expressões artísticas, em especial os desenhos, foram ganhando cada vez mais espaço e, hoje estão inseridos em nosso dia a dia, por meio de revistas, jornais, filmes e através das redes sociais. Atualmente, muitos profissionais têm usado sua arte como instrumento para dar voz às causas sociais, sejam através de ilustrações, charges, tatuagens e grafite. Afinal, o ser humano tende a expandir seus pensamentos em diversas formas de organização, sejam lutas por direitos sociais, comunicativo-culturais ou políticos de cidadania.

As ilustrações são imagens que passam alguma mensagem e que pretendem informar ou explicar algum assunto. Elas podem acompanhar textos ou serem usadas sozinhas, desde que cumpram a função de comunicar. Muitos artistas enxergam suas criações como uma extensão de si mesmo, pois podem refletir suas opiniões e também é uma forma de liberar sua voz.


É o caso da ilustradora Mani Ceiba. “Sempre desenhei, desde criança. Funcionava como uma forma de comunicação mesmo. Somente através dos desenhos eu conseguia expressar melhor o que eu sentia. Com 17 anos eu entrei na escola Panamericana de Artes em São Paulo”, contou a artista.

Já a charge, que é um gênero textual, tem como principal característica fazer uma crítica através do humor de uma forma criativa e descontraída. É sempre desenhada como uma caricatura e, geralmente, trata de temas pertinentes como política, questões sociais, economia, atualidade, arte e outros.

O chargista Cristóvão Villela é um dos profissionais que fazem parte deste movimento. “A minha carreira como desenhista começou quando eu tinha 14 anos, eu fazia caricatura na escola e fui convidado a trabalhar em um jornal. A charge é um ponto crítico, é crítica ao que estiver acontecendo e eu faço isso com muito humor. Sempre procuro fazer isso a partir das minhas ideias”, afirmou Cristóvão.




O ilustrador Clóvis José de Lima também iniciou sua carreira ainda adolescente e hoje tem seu trabalho divulgado em diversos veículos regionais. “Com 14 anos pintava cartazes numa rede de supermercados e logo aos 15 anos fui para o Sindicato dos Metalúrgicos para fazer charges nos boletins. Passei pela Gráfica Gazetilha como desenhista e depois publiquei no Jornal do Vale um jornal tabloide que circulava na região. Lá fazia charge, tiras em quadrinhos, ilustrava matérias e até desenhava a descrição de crimes na página policial”, completou Clóvis.


Censura nos dias atuais?

Infelizmente, a censura sempre esteve relacionada quando falamos sobre manifestações artísticas, obras literárias, meios de comunicação e liberdade de expressão. Ao longo dos anos, diversos artistas e meios de comunicação foram perseguidos, e lutaram para conseguir o seu lugar, porém o que parece tão distante ainda é uma batalha para eles. 


Em 2020, foi divulgada uma carta aberta assinada pela Associação dos Cartunistas do Brasil, a Associação dos Quadrinistas e Caricaturistas do Estado de São Paulo, o Instituto Memorial das Artes Gráficas do Brasil e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, após o governo solicitar a Polícia Federal e ao Ministério Público a abertura de investigação sobre uma charge - que fazia alusão à falta de medidas sanitárias durante a pandemia - feita por Renato Aroeira. 


Em cidades do interior também é possível presenciar atos de censura. Cristóvão revelou que já passou por alguns problemas com veículos de comunicação, e até políticos que não concordavam com seu trabalho.  


“Minha charge já foi censurada em um jornal que tinha ideias diferentes, já teve vereador que veio aqui em casa me ameaçar. Já tive censura até com o Facebook, minha página foi bloqueada pelas charges. Foi difícil recuperá-la, mas conseguimos”, relatou.

Clóvis afirmou que situações de censura também são comuns dentro das redações. “Não é algo explícito, mas acontece de forma velada. Já fui processado também por uma empresa estrangeira por associar a marca deles às vezes. Tive também charges censuradas através de uma liminar emitida pela prefeitura de Volta Redonda, que me impedia de desenhar um prefeito ou críticas a ele, depois de um ano a liminar caiu, mas não achei que valesse a pena mais desenhar a figura”, completou o ilustrador.

Mani, que busca retratar em muitos dos seus desenhos mulheres de formas naturais e sem amarras, também sofreu represálias. “Eu já fiz muito desenho considerado erótico e não tive uma censura exatamente, mas sim julgamento, preconceitos, falta de noção e um tipo de confusão de algumas pessoas. Também tive uma perseguição de religiosos uma época”, lembrou Mani.


Portfólio de dificuldades 

Seguir uma carreira como artista no Brasil não é fácil, e claro que os desenhistas não ficariam de fora. São inúmeros fatores que levam essa profissão ser tão desvalorizada, como questões de renda, tempo e concorrência. Mani relata que a falta de incentivo e reconhecimento é uma das partes mais difíceis. “Pressão da família e cobranças de que arte não é profissão me fizeram tentar outras coisas, mas nada me dá a mesma satisfação. Acabo me chateando rápido e desistindo no meio”, completou a artista.

Já Clóvis acredita que há dificuldades ligadas aos freelancers, que são profissionais autônomos. “As redes sociais ajudam a nos manter informados e ativos, porém não como trabalho remunerado. Quem se dedica a essa área também tem que pagar suas contas, não é só militância e nesse aspecto o espaço para a profissão de chargista minguou muito de uns tempos para cá. Poucos jornais contratam chargistas. Jornais mais tradicionais como O Globo, O Dia e outros mantêm ainda esses profissionais, porém é pouco para um país tão grande e cheio de talentos”, finalizou Clóvis. 

Além das dificuldades ‘comuns’ da profissão, há profissionais que lidam com a questão de ser mulher num universo ainda dominado por homens. É o caso de Mani, que afirma que há muitos casos de machismo velado na indústria. 

“Já ouvi de que estavam procurando um homem, já escutei que no ambiente só tem homens e que eu não ia me sentir à vontade. Também já escutei que estavam procurando uma mulher porque precisavam de trabalho mais delicado. Existe a situação de que alguém está te dando uma chance por ser mulher e não pelo seu trabalho. Mas o negócio é pisar com força e seguir em diante”, completou Mani.

Apesar das dificuldades, desde o início do ano, os três trabalham juntos, voluntariamente, no jornal digital Pavio Curto, onde têm ampla liberdade e, mais que isso, decidem coletivamente a linha editorial.

É inegável a importância desses artistas em nossa região e consequentemente em nosso país. É por causa deles e de seus trabalhos que a liberdade de expressão de forma criativa é uma realidade que vem crescendo. Suas ilustrações nos fazem questionar o que deve ser contestado, nos faz rir em momentos de desespero e nos tornam seres que vão além do senso comum. 


* Estudantes de Jornalismo


Mais que papel: artesanato sustentável conquista o seu espaço

Por Ana Júlia Pompeu e Polliana Amurim*

O termo empreendedorismo social vem cada vez mais ganhado destaque. Na prática, é quando uma empresa busca não somente o lucro, mas também a utilização de técnicas sustentáveis a fim de desenvolver seu negócio em conjunto com melhorias para a comunidade.

De acordo com o estudo “Solucionar a Poluição Plástica: Transparência e Responsabilização”, o Brasil é quarto país do mundo que mais produz lixo, atrás apenas dos Estados Unidos (1°), China (2°) e Índia (3°). O artesanato sustentável surgiu da necessidade de reaproveitar o grande volume de resíduos produzidos.

Além disso, para muitos brasileiros, conseguir trabalho formal está cada vez mais difícil.  Dessa forma, o artesanato sustentável é uma alternativa para conseguir o ganha-pão, já que esse tipo de arte é mais lucrativo para os artesãos devido ao fácil acesso aos materiais.


Diferente do artesanato tradicional, na prática sustentável as peças são criadas a partir de materiais que iriam para o lixo.  Dessa forma, eles são transformados em decoração e usados com uma oportunidade de fonte de renda.

Dificilmente podemos imaginar materiais que, na visão de muitos, não possuem mais a serventia poderiam ser reaproveitados. Porém, em Volta Redonda, três irmãs decidiram abrir sua loja com produtos feitos de maneira artesanal. Rosenilda, Marília e Roselena são donas do Ateliê “Três Marias”, conhecido por transformar jornais, rolos de papel higiênico, papel, pallets e caixotes em peças totalmente novas. O que antes era apenas um papel que seria descartado, hoje é a borda de espelho na sala de alguém.

“O trabalho é árduo e pesado, principalmente para artesãs mulheres. No meu caso, trabalho com pallets, pneus, madeira reciclada, tudo que demanda força. O retorno financeiro, por enquanto, não é tão grande, mas vale o esforço pelo trabalho final e a sensação de ajudar o planeta, embelezar lares e receber elogios por transformar ambientes em lugares aconchegantes”, afirmou Rosenilda.

Apesar de muitas pessoas mostrarem preferencias por empresas verdes, as irmãs contam que os principais interessados possuem maior poder aquisitivo. A população em geral, de renda mais baixa, ainda tem muito preconceito em gastar dinheiro com “lixo”.

“Não compreendem que retiramos o que poderia fazer mal ao planeta e transformamos em arte”, disse Marília. Porém as donas do Atelier não desanimam. Pelo contrário, se sentem felizes por divulgarem esse tipo de trabalho da região e torcem para que se torne cada vez mais conhecido.


Apesar das dificuldades, dados do IBGE mostram que o artesanato brasileiro tem ganhado força nos últimos anos e muitos consumidores preferem investir em produtos mais acessíveis e com os quais sintam uma conexão, como é o caso de Iasmin Ferreira. A jovem de 21 anos revela que sempre foi ligada à arte e busca cada vez mais estar engajada em questões socioambientais.

“Por muito tempo eu pintei como hobby, porém parei depois que entrei na universidade. Mas ainda gosto de consumir esse tipo de produto. Vi no artesanato sustentável a junção de duas coisas nas quais tenho interesse. Acho importante esse consumo consciente”, afirmou.

Ela também comentou sobre a importância do consumo consciente, de uma forma que ajude a economia, mas que não cause tantos impactos na natureza: “As pessoas têm mania de jogar coisas em boas condições fora e, às vezes, elas só precisam do trato de um bom artesão. O universo e o nosso bolso agradecem”.


* Estudantes de Jornalismo 

Base x profissional, os desafios da promoção

Por Felipe Ramos, Hugo Alexandre e Leonardo Klotz*


O processo de transição da base para o profissional é uma das partes mais importantes no desenvolvimento de um bom jogador de futebol. Ocorrendo principalmente na categoria sub-20, os jogadores são escolhidos a dedo pela comissão técnica da equipe principal, de acordo com seus próprios critérios de análises e/ou carências no elenco.

A base, como muitos dizem, é a escola do futebol, na qual os jogadores ainda em formação aprendem os princípios básicos para qualquer atleta, os chamados de fundamentos. A realização desse processo feita com calma e de maneira profissional potencializa o talento dos jovens e os transforma em diamantes que, posteriormente, brilharão na equipe principal.

Ao se destacar nas categorias iniciais do futebol, os atletas começam a chamar a atenção dos treinadores do profissional, e assim, logo recebem uma oportunidade para se juntarem com os mais experientes. É fundamental para o desenvolvimento desses jovens que o processo de transição seja realizado com cuidado e no momento adequado.  

A idade média para que essa mudança de categorias aconteça é aos 20 anos, porém é cada vez mais frequente que atletas mais novos, com 18, 17 e até mesmo 16 anos, atuem na equipe profissional.

A transição da base para o profissional é um processo contínuo, não acontece da noite para o dia, como nos diz o preparador físico do profissional Barra Mansa Futebol Clube, Marcus Vinícius:

 “Primeiramente, o atleta tem que ter passado por toda a base, seja no clube ou em outro. O atleta precisa ter essa continuidade. A gente vai colocando aos poucos no profissional. Ele vai treinar com o elenco de cima uma vez, depois aumenta pra uma semana e aí, dependendo da necessidade da equipe profissional, ele já fica por lá mesmo”, comenta. 

Para subir à equipe profissional, o jovem deve reunir algumas características básicas que o possibilitem compor o elenco principal, além de demonstrar sua qualidade. 

“As características que mais importam na hora de escolher um atleta são: a parte técnica, a parte física, se é um atleta mais forte, porque se é mais franzino dificulta um pouco. E por último a parte psicológica”, afirma o preparador físico.

Como já dito, a base é a escola do futebol, e faz com que os atletas fiquem prontos fisicamente, tecnicamente, emocionalmente e psicologicamente para exercer sua profissão em alto nível nas categorias superiores. Porém nem sempre isso acontece, como nos disse o jogador João Victor, recém-promovido ao profissional do Barra Mansa F.C.

Base do futebol Barra Mansa, João Victor 


“Confesso que não me senti totalmente preparado. Em alguns momentos duvidei de mim. Ainda mais no começo, quando retornei ao futebol, foi um processo difícil, mas graças a Deus deu tudo certo e hoje eu me encontro preparado para estar onde estou”, conclui.

Esse sentimento compartilhado por João é comum entre os atletas jovens, principalmente por haver muitas diferenças entre a base e o profissional. Uma das principais é a pressão/cobrança sofrida pelos atletas, tanto por intermédio da torcida quanto de si próprio.

“O trabalho na base é para desenvolver o atleta, para ele mesmo conhecer suas próprias características. Cabe à comissão técnica extrair o melhor e corrigir o que é pra ser corrigido. No profissional, creio que o maior desafio seja se adaptar ao elenco, ao modelo tático para trabalhar situações que possam ocorrer no jogo. O trabalho é mais maduro” afirma João.


A parte psicológica

O aspecto psicológico é uma das principais áreas de um atleta e ganhou atenção especial nos últimos anos. Afinal, um esportista que sabe lidar bem com sua própria cabeça tem muito mais facilidade de extrair o máximo de seu corpo, melhorando a performance.

A forma com que os recém-promovidos lidam com as cobranças, expectativas, derrotas e vitórias é fundamental para seu desenvolvimento. Tudo isso não é fácil e, se não tiverem todo o suporte para passar por essas situações, pode-se gerar um problema que afete até outros âmbitos da vida do jogador.

Um grande exemplo que recentemente chocou o mundo do esporte foi a desistência da principal ginasta americana, Simone Biles, a participar da final olímpica no solo da modalidade, além de abrir mão de competir no salto e nas barras assimétricas.  

“Temos que proteger nossas mentes e corpos, não é apenas ir lá [competir] e fazer o que o mundo quer que façamos. Nós não somos apenas atletas. No fim do dia, nós somos pessoas, e às vezes temos que dar um passo atrás”, disse a ginasta em entrevista à BBC.

Nos últimos dez anos, os casos de depressão cresceram 18%. No esporte estes índices também tem aumentado. Segundo estudo realizado pela Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol (FIFpro), os jogadores profissionais sofrem mais com a saúde mental do que o público em geral — e 38% dos jogadores que estão em atividade no mundo sofrem sintomas de depressão e/ou ansiedade.

A avaliação psicológica nos atletas da base que estão prestes a subir para a equipe profissional é feita de maneira conjunta com outros setores do clube. Desta forma, é possível ter um diagnóstico mais completo sobre o jogador, como destaca Marcus:

“A gente identifica primeiramente no dia a dia. Tem todo um conjunto com o preparador físico, o treinador, a comissão técnica em geral, nutricionista, fisioterapeuta e o psicólogo. No cotidiano, já identificamos quais atletas podem estar passando por alguns problemas específicos e aí já rola uma conversa para que se possa passar confiança a eles.”

Ter uma mente saudável é fator crucial em momentos decisivos e de grande pressão. São nessas situações adversas que toda a preparação de uma boa base faz a diferença.

“Vemos quem está realmente pronto nas horas mais difíceis, como em decisões importantes de campeonatos, nas quais atletas de bom nível psicológico desenvolvem uma maior facilidade de dominar a situação.”, completa o profissional.


Aproveitamento da base no Barra Mansa F.C

Em todo clube, a base é seu maior patrimônio, pois é nela é que se desenvolvem os pratas da casa. Ou seja, jogadores que possuem uma grande ligação com a instituição e sua torcida. Além disso, futuramente podem gerar grande receita aos cofres do clube e se tornar figuras históricas do time.

O aproveitamento dos jovens na equipe principal do Barra Mansa é realizado de forma progressiva e natural. O atleta é preparado durante todos as etapas da base até chegar no momento ideal para essa evolução.

São introduzidos apenas alguns atletas na pré-temporada do elenco profissional. Geralmente os que mais se destacam na equipe sub-20, afirma Marcus Vinícius.

Base do futebol Barra Mansa, Marcus Vinicius

“Os atletas que sobem logo no início são os de maior destaque no sub-20 e também os jogadores das posições carentes no plantel principal. Porém isso varia muito de acordo com a necessidade da equipe, principalmente a financeira, quando o clube não tem dinheiro para contratações mais caras e acaba subindo os jovens para suprir as necessidades.”

Diversos clubes de menor poderio financeiro utilizam seus jovens como uma válvula de escape em momentos difíceis, como lesões ou vendas dos jogadores do elenco profissional. Com isso, acabam subindo suas “crias" cedo demais e queimando etapas no desenvolvimento do atleta. 

Daniel Martins, torcedor do Barra Mansa, acredita que o aproveitamento dos jovens na equipe profissional pode ser analisado de duas formas, entretanto tende a ser mais negativo que positivo.

“Vejo que o Barra Mansa tem usado esses jovens não como um planejamento de carreira, mas sim como necessidade. Então, quando acontece isso, se eles não tiverem um trabalho psicológico, físico, tático e técnico muito bom, o aproveitamento destes atletas acaba sendo ruim. Muitas vezes achamos que quanto mais atleta da base tiver no profissional melhor, mas não é assim.”, afirma.

Em clubes com condições financeiras melhores este problema é muito menos recorrente. Segundo o site do Fluminense, o clube das Laranjeiras só em 2021 utilizou 25 atletas da base em meio ao elenco profissional. Marca que supera seu maior feito, de usar 20 jovens na categoria de cima, em 2002.

Entre todos os atletas, destaca-se o jovem Miguel, de apenas 16 anos. Ele fez sua estreia no Campeonato Carioca contra o Resende e se tornou o jogador mais jovem a vestir a camisa tricolor na era profissional (desde 1933).

O grande aproveitamento das categorias de base é resultado, de acordo com o clube, do alto investimento em multidisciplinaridade, com a integração de profissionais de várias áreas, como fisioterapia, fisiologia, preparação física, nutrição e psicologia.

“Eu acredito que o Barra Mansa não aproveita bem seus talentos, porque, se você olhar a base de outros clubes da região, vai encontrar diversos atletas oriundos daqui. Isso se deve à má situação financeira do clube, que acaba pulando etapas com esses atletas, e na linguagem popular do futebol ‘os queimando’”, comenta Daniel.

Ao analisar o caso do Fluminense e do Barra Mansa, fica evidente que os profissionais em torno do atleta e estrutura disponibilizada pelo clube são fundamentais na potencialização de seus talentos. Segundo Daniel, existe essa carência na equipe do Sul do Estado do Rio de Janeiro.

“Será que esses atletas que acabaram de subir estão tendo uma formação adequada? Acredito que falte ainda no Barra Mansa alguns profissionais formados e um departamento de fisiologia próprio para a base, para melhorar o desenvolvimento dos jogadores.”, finaliza o torcedor.

O surgimento diário de promessas no futebol brasileiro e seu sucesso no profissional estão diretamente ligados com a maneira pela qual são lapidadas. De nada adianta possuir muito talento e não estar em um local onde haja a estrutura necessária para o melhor desenvolvimento.


* Estudantes de Jornalismo

Mulheres representam 48% das solicitações de MEI

Produções artesanais garantem estabilidade financeira para mulheres durante a pandemia

Por Brenda Destro e Lucas Alves*


Assim como em todo o país, a região Sul Fluminense sofreu com o desemprego em massa, consequência da pandemia de Covid-19. O micro empreendedorismo, alternativa encontrada para recuperar a estabilidade financeira, se destacou durante o período e transformou a vida de mulheres dedicadas a ingressar no mercado de trabalho de forma autônoma. 

O ramo da produção artesanal foi o mais acolhedor para milhares de mulheres cuja a necessidade era complementar a renda de suas famílias. Sendo no âmbito culinário ou na produção de acessórios, os clientes que apoiam essas microempreendedoras saem satisfeitos com seus produtos únicos e artesanais.

Keila Alves, moradora de Barra Mansa, estava desempregada no começo de 2020 e viu uma solução dentro de sua cozinha. Keila já possuía o costume e o gosto por produzir doces e se formalizou como Microempreendedor Individual (MEI) durante a pandemia.


De acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), cerca de 2,6 milhões de empresas solicitaram a oficialização como microempreendedor individual e 48% das solicitações foram feitas por mulheres. Keila conta que a iniciativa foi um passo fundamental para seu negócio. "Trouxe benefícios para mim e para minha empresa. Me senti mais estável dentro do trabalho que eu mesma criei", afirma.

Artesanato

Sarah França, uma jovem resendense estudante de Medicina Veterinária, também enxergou a possibilidade de aumentar sua renda sendo criativa e empreendedora. A aptidão de Sarah não foi no ramo culinário e alimentício, mas sim, em produções artesanais.

O Coral Ateliê comercializa miçangas e acessórios feitos à mão e foi criado no início da pandemia como uma maneira de se distrair durante a quarentena A estudante conta que, por receber muitos elogios, enxergou uma possibilidade de transformar o que era apenas um hobby em trabalho. 

“Sempre gostei de fazer miçangas para relaxar, mas eu recebia muitos elogios da família e de alguns amigos. Então, de tanto me perguntarem onde eu tinha comprado minhas pulseiras e colares, decidi começar a vender", conclui.


Marli Moreira, consumidora de doces artesanais, relata se sentir muito feliz em poder ajudar pessoas que dependem de um trabalho autônomo. “É muito satisfatório poder ajudar. Eu sei como é complicado depender do movimento, que nem sempre é bom; fora que dá para sentir o cuidado da pessoa que produz o doce em cada detalhe”, conta.

A estudante Esther Mendes diz que adora acessórios de miçanga, por sentir o cuidado da artesã na confecção e acrescenta: “Eu amo a sensação de ter uma peça única, feita exclusivamente para mim, pela pessoa que tem o cuidado em conhecer o meu gosto para produzir. Isso deixa tudo mais legal”. 


*Estudantes de Jornalismo

Músicos do interior: a dura realidade do sonho

Por Felipe Ramos, Hugo Alexandre e Leonardo Klotz*


A escolha da carreira artística é cercada de desafios e incertezas, ainda mais para quem mora no interior. Falta de apoio familiar, de incentivo à cultura, dificuldades financeiras, preconceito da sociedade e a busca pelo sucesso são fatores que rondam a vida de quem escolhe viver de música, principalmente na pandemia.

Quem vê os artistas musicais fazendo sucesso na mídia não imagina o quão difícil foi o seu começo de carreira. A batalha para estourar sua primeira música, a tentativa de chamar atenção de grandes gravadoras e a busca por oportunidades parecem ser um clichê para grande maioria deles.

Antes da fama e de ganharem seus salários atuais, boa parte dos grandes nomes da música brasileira enfrentaram uma dificuldade em comum: a financeira. Com isso, a necessidade da busca por outro trabalho para complementar a renda é fundamental para fechar as contas no fim do mês. Um exemplo disso é o cantor Daniel Cruz, conhecido popularmente como Delacruz, que antes da fama trabalhava em um shopping center para ajudar a criar seu filho.


O músico Felipe Nunes, da banda Renova Samba, de Barra do Piraí, passa por situação parecida. Ele falou sobre as dificuldades enfrentadas no dia a dia.

“A maior dificuldade é aparecer, principalmente por estarmos no Sul do Estado, lugar onde as oportunidades são mais escassas que nas grandes capitais. Com isso, ainda não consigo viver somente da minha música e preciso dar um jeito de conciliar a carreira na banda com outro trabalho”, comentou Felipe.

A falta de incentivo de órgãos públicos e da iniciativa privada é um dos principais obstáculos na vida dos artistas que ainda não alcançaram o reconhecimento e vivem no interior, longe dos grandes centros. A modificação na Lei Rouanet também foi um fator que dificultou ainda mais a vida dessas pessoas.

“Não recebo nenhuma ajuda da prefeitura. A única coisa que fazem é me chamar quando tem algum evento. Não acredito que isso seja ‘ajuda’, mas sim uma moral, pois eles me contratam”, explicou o músico.


Aceitação dos músicos regionais nas próprias cidades

Antes de fazer sucesso no país, o artista começa sua trajetória em sua própria cidade, seja cantando em bares, em festas municipais ou eventos particulares. O grande reconhecimento começa em sua cidade, quando os mesmos adquirem a aceitação do público, é o primeiro passo.

Para saber a opinião de quem consome este tipo de conteúdo, entrevistamos o ouvinte da música regional Luiz Mateus. Ele opina sobre os artistas de sua cidade, Barra do Piraí. 

“As músicas regionais em grande parte são boas, sim. Possuímos muitos artistas talentosos na região, principalmente pela parte de Barra do Piraí. Em questão de letra, flow e ritmo, somos realmente muito bons. Existem apenas alguns músicos que tentam passar uma visão diferente da realidade, mas isso acontece em todos os lugares”, afirmou Luiz.

Um ponto que diferencia os artistas regionais dos já conhecidos é a estrutura disponível. Equipamentos e a melhor qualidade de som fazem a diferença na hora da produção. De acordo com Luiz, os músicos regionais possuem a mesma capacidade dos que já são conhecidos, mas esbarram na falta da estrutura.

“A principal diferença é, sim, a estrutura. A vivência, o talento, o dom são muito parecidos. Porém um microfone bom, um estúdio profissional, uma câmera legal fazem a diferença. Tenho certeza que, se nossos artistas conseguirem uma oportunidade como essa, irão se destacar.”, completou.

Outra situação recorrente no interior é a disputa entre os próprios artistas. Com toda a falta de de estrutura, problemas financeiros recorrentes e ausência de reconhecimento do público, o apoio de sua própria classe é fundamental. Porém, de acordo com Mateus, isso nem sempre acontece.

“Vejo os artistas da região com muito talento e disposição. Mas também, como consumidor, reparo que alguns tentam um atrasar o outro, coisa que não é boa para ninguém, pois está todo mundo no mesmo barco. Se geral focar somente no progresso, tenho certeza que muitos irão alcançar seus objetivos”, finalizou.


* Estudantes de Jornalismo

Skate: do underground às olimpíadas

Por Fábio Germano Ventura*


Divulgação COB


A fadinha do skate Rayssa Leal se tornou a mais jovem brasileira medalhista da história. Ela conquistou a medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. Para muitos, a disputa vencida por Rayssa durante a madrugada foi o primeiro contato com o skate. A modalidade, que surgiu na Califórnia, no fim da década de 1950, mas faz sua estreia apenas agora nas Olimpíadas. 

Se os organizadores elaborassem um roteiro da estreia olímpica do skate, eles provavelmente mudariam muito pouco sobre o que aconteceu em Tóquio. Muitas pessoas podem achar estranho ver skate na Olimpíada. E isso não é um desprezo pela habilidade ou pelo talento necessários para competir como um skatista de elite. É estranho por causa da longa história do skate como uma atividade contracultural. 

Ao se tornar olímpico e conquistando ampla visibilidade, os amantes da modalidade se dividiram em opiniões. Alguns acreditam que possa ser um divisor de águas na busca pela desmarginalização e mudança de visão com o esporte. Já outros afirmam que isso pode ser o fim da essência do movimento do skate. 

A chegada do skate 

Não se sabe ao certo como, mas sabemos onde o skate surgiu: no sul da Califórnia, nos Estados Unidos. O estado herdou o espírito livre dos hippies do fim dos anos 1960 e se tornou palco da contracultura no pós-Guerra do Vietnã.

Foi nos anos 1980 que o skate explodiu na América e chegou ao profissionalismo na década seguinte, com marcas patrocinando e campeonatos como o X-Games e a World Cup of Skateboarding. Parques de skate foram construídos para esse fim e se inseriam na paisagem urbana do país. As competições existiam, mas havia pouco dinheiro a ser ganho. Andar de skate era uma questão de camaradagem, criatividade e expressão pessoal.

Até que a febre chegou ao Brasil. A modalidade, ainda pouco conhecida no mundo, chegou no Rio de Janeiro trazida por filhos de americanos e brasileiros que viajavam para os Estados Unidos. Era chamada de “surfinho”. 

O skate se popularizou quando apareceu na Revista Pop, uma das mais lidas entre os jovens na década de 1970. Surgiram empresas brasileiras especializadas. A primeira pista da América Latina foi inaugurada em Nova Iguaçu, em 1976. 

Depois do auge de popularidade, a modalidade quase desapareceu. Quando os partins e motocross se transformaram em moda, os fabricantes de skates que não migraram sua produção começaram a falir. O investimento caiu e aumentou o preconceito contra os skatistas, que eram considerados “jovens vagabundos”. Em 1988, Jânio Quadros (PTB), então prefeito de São Paulo, proibiu a prática de skate na cidade. A prefeitura não queria skatistas nas ruas da Zona Sul, já que o esporte era visto como marginal. 

Sua sucessora na prefeitura, a então petista Luiza Erundina, revogou a medida. Na época essa foi uma decisão muito importante e fez com que o skate passasse a ser menos estigmatizado. Entre os anos 1990 e 2000, ocorreu o maior “boom” do skate no país. A modalidade street ganhou popularidade, visto que o esporte podia ser paticado em qualquer espaço, não somente em pistas.

No Sul Fluminense

Mesmo com a projeção conquistada, a realidade da modalidade no Brasil ainda é dura. Na região Sul Fluminense, skatistas enfrentam o preconceito diariamente e lidam com a falta de espaços, com a infraestrutura limitada para a prática esportiva e até mesmo quando utilizam como transporte no dia a dia. Fazendo um recorte regional, Barra Mansa e Volta Redonda possuem grandes nomes do skate e vários praticantes da modalidade, seja na modalidade street ou na park, disputada em pistas. Na região ainda há resquícios da marginalização do skate. O tatuador e skatista amador Felipe Justino, de 23 anos, que já participou de vários eventos de cunho esportivo e beneficente no município, afirma: 

— Sempre houve e sempre vai existir o preconceito. Assim como o movimento punk, o skate é liberdade, aceita todos, que em sua maioria são jovens tachados como inadequados pela sociedade e que possuem famílias desestruturadas, de baixa renda. E, em uma cidade do interior repleta de preconceito, nós sentimos na pele todos os dias ao sairmos de casa com o skate na mão para usar como transporte. Já perdi a conta de quantas vezes fui parado pela polícia nessas situações.

Mesmo com a aceitação conquistada ao longo dos anos, o sistema de segurança de forma velada ainda vê a prática como ato de “rebeldia” e pune grande parte dos praticantes, deixando explícitos problemas que o skate já enfrentava na década de 1980. 

A busca por um novo reconhecimento 

A medalha de prata obtida pela “Fadinha  do Skate”, a Rayssa Leal, na modalidade Skate Street na Olimpíad de Tóquio 2020, conquistou o coração do brasileiro. Apesar de ter somente 13 anos, ela se tornou um ícone na modalidade. Depois de sua aparição nas olimpíadas, a fadinha mudou a percepção de muitas pessoas sobre a prática do esporte e despertou o interesse em muitas crianças e adolescentes. Isso provocou um aumento na procura de aulas de skate para esse público.

Alunos e professsores de skate VR


Na determinação de formar novas “fadinhas do skate” na região, o professor de skateboard Renan Sales, de Volta Redonda, realiza há seis anos um projeto de aulas de skate para crianças, adultos e adolescentes. 

“O aumento de público simpatizante e praticante é algo imensurável e me proporcionou trocas com novos alunos. Isso representa um novo momento para a prática. Percebo no meu trabalho que, além da aceitação dos pais, agora vemos que as próprias pessoas acreditam ser possível andar de skate. Antes era algo que muitos achavam impossível, ou tinham receio. Ao assistir o campeonato, acabaram vendo que cair faz parte do skate”, diz Renan. 

O professor apoia a ideia de inserir o skate em instituições de ensino como uma ferramenta de aprendizado do esporte e da cultura, Segundo ele, isso permitirá ao skate ser visto com naturalidade, da mesma forma que o futebol, o basquete e o vôlei, por exemplo. 

Desse modo, a prática pode ser utilizada como uma ferramenta de transformação social, seja ele inserido em escolas, eventos esportivos ou projetos sociais que possam surgir futuramente no município. É necessário que até os olhos dos mais conservadores apreciem as manobras do skate e aceitem que, atualmente, ele se trata de um dos esportes que mais representam o Brasil no exterior.


* Estudante de Jornalismo