sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Cidades do Sul Fluminense tiveram calor recorde em 2024

 Oito municípios superaram 1,5ºC de elevação em relação à temperatura média daquela registrada nos últimos 80 anos

Por Alvaro Britto



Se o calor no mundo foi recorde no ano passado,  com o planeta superando pela primeira vez 1,5ºC de elevação em relação à temperatura média do período pré-industrial —crítica para o equilíbrio climático —, em 30 cidades do Brasil a média de 2024 ficou pelo menos 3ºC acima da marca registrada nos últimos 80 anos, de acordo com estudo da pesquisadora Ana Paula Cunha, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

Também na região Sul Fluminense, várias cidades alcançaram em 2024 temperaturas acima da média dos últimos 80 anos, sendo que oito delas ultrapassaram 1,5ºC de elevação: Paraty + 1.685 ºC; Valença + 1.660 ºC; Rio da Flores + 1.643 ºC; Resende + 1.589 ºC; Angra dos Reis + 1.588 ºC; Vassouras + 1. 547 ºC; Barra do Piraí + 1518 ºC; e Itatiaia + 1.516 ºC. E as sucessivas ondas de calor nos dois primeiros meses de 2025 indicam perspectivas ainda mais graves.

Estudo do Cemaden

O estudo da pesquisadora do Cemaden mediu a anomalia de calor na temperatura média dos municípios em 2024 em relação à média histórica. A conta foi realizada por meio da combinação de bancos de dados baseados em informação de satélites e medições. Ana Paula Cunha usou como base os dados do ERA5, do serviço climático europeu Copernicus. O resultado foi divulgado em reportagem do jornal O Globo.

“Nossa análise não se refere ao período pré-industrial porque a incerteza seria muito grande frente à escassez de dados. Mas se vê claramente que os anos de 2023 e 2024 só potencializaram uma tendência de aquecimento que já ocorria há décadas, pelo menos desde os anos 1940/70”, explicou a pesquisadora.

Especialistas explicam que o fenômeno é resultado da combinação de fatores globais, como o aumento de temperatura devido às mudanças climáticas e ao El Niño, e aspectos locais, como significativa parte do território desmatada e ocupada por plantações, pastagens ou simplesmente terras de solo degradado. “O território brasileiro não aquece de forma homogênea. É um país continental e algumas áreas esquentam mais do que outras por uma série de fatores”, esclareceu ela.

Números assustadores

O meteorologista Marcelo Seluchi, do Cemaden, ressalta que os números são assustadores.  “Meio grau Celsius acima da média do ano todo já é muito. Mas tivemos alguns lugares com mais de 3ºC acima da média do ano. É uma barbaridade“ afirmou ele.  No Sudeste, o calor está relacionado à escassez de chuva. E pesaram as muitas ondas de calor. Elas foram associadas à falta de frentes frias, retidas no Sul, em boa parte devido ao El Niño, que tem forte relação com as chuvas que em maio devastaram o Rio Grande do Sul.

Além disso, as ondas de calor foram muito frequentes e intensas numa região que já costuma sofrer com calor e baixa umidade. Possui ainda elementos que favorecem a elevação da temperatura, como continentalidade (não tem o alívio da umidade do mar) e vastas áreas desmatadas e ocupadas por plantações e pastagens. “Vegetação nativa retém mais umidade do que esse tipo de áreas”, explicou Seluchi. Quando há baixa umidade, a maior parte da energia solar que chega à superfície é convertida em calor, elevando a temperatura do ar.

Partes da Amazônia ficaram mais de 2ºC acima da média e isso também é causa da falta de chuva. O ano passado foi extremamente seco na Amazônia, em parte devido ao El Niño, em parte ao Atlântico com temperaturas acima da média. “Os chamados rios voadores transportam umidade da Amazônia para o Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Se a Amazônia sofre com a seca, as consequências são sentidas nas áreas que dependem da umidade proveniente dela.” explicou Ana Paula Cunha.

No Sul Fluminense

A nossa reportagem ouviu moradores de algumas cidades da região sobre o aumento do calor.

Acácio Junior, o Cacinho, chargista do Pavio Curto, nasceu em Barra do Piraí, cidade que ficou na 7ª colocação no Sul Fluminense entre aquelas que a média de temperatura subiu nos últimos anos. Ele mora em Juiz de Fora desde 2005, sendo que está na área rural há seis anos. Visitou a cidade natal recentemente, onde moram seus familiares. “Hoje Barra poderia se chamar Barra do Piraí Hell, devido ao grande calor. Antigamente, era considerada uma região fria. Hoje o frio nem passa perto”, afirmou Cacinho.

Resende ocupa a 4ª posição de município mais quente do Sul Fluminense. Para o arquiteto Caleb Chaves, nascido e morador da cidade, “a emissão de gases de efeito estufa é a grande causa do aumento do calor e nada é feito para reduzi-lo”. Ele também indica a impermeabilização do solo urbano e o asfaltamento das ruas, além do corte desenfreado de árvores. Como forma de reduzir os efeitos ele sugere uma ocupação do solo mais permeável e menos densa, arborização urbana e um sistema de transporte público eficiente de baixo impacto.

Na cidade vizinha de Itatiaia, que está na 8ª posição, a moradora Fabíola Rodrigues, atriz, escritora e produtora de teatro, também acendedora do Pavio Curto, lembra de que há alguns anos ninguém tinha ar condicionado na cidade. “Bastava abrir as janelas da casa que refrescava. Atualmente o ar condicionado está se tornando essencial”, disse ela. Além do aquecimento global, Fabíola identifica localmente o asfaltamento excessivo das ruas como principal causa do aumento de calor.  

 

Ilustração: Cacinho

* Jornalista

Fontes: Cemaden e O Globo

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