domingo, 22 de dezembro de 2024

Comunidade Quilombola Alto da Serra do Mar, em Rio Claro (RJ), comemora Decreto do presidente Lula

    Comunidade recebeu dirigentes do Incra/RJ em outubro 
 

Por Alvaro Britto*

Fomos da humilhação a motivo de orgulho graças à nossa luta”, afirmou Terezinha Antero, 77 anos, ao comemorar a publicação, em 20 de setembro, do Decreto Presidencial que declarou de interesse social o Território Quilombola Alto da Serra do Mar, em Lídice, distrito de Rio Claro. Nascida em Passa Três, outro distrito do município localizado entre o Vale do Paraíba e a Costa Verde, no Sul Fluminense, Dona Terezinha chegou ao quilombo aos oito anos de idade, na década de 50 do século XX.

    Seu Dito e Dona Terezinha

Ela pertence à família Antero, cuja união com a família Leite através do seu casamento em 1965 com Benedito Leite, atualmente com 81 anos e nascido em Engenheiro Passos, distrito de Resende, deu origem à comunidade quilombola Alto da Serra. As duas famílias são descendentes de trabalhadores escravizados que viviam nas antigas fazendas de café do Vale do Paraíba. Após a abolição, sobreviveram da extração de carvão vegetal, combustível da nascente indústria da região, e colheita do palmito.

                                   Seu Dito

Agricultura familiar

Com a proibição do carvão e do palmito, buscamos a agricultura familiar, produzindo banana, milho, feijão, coco, aipim, hortaliça. A dificuldade era conseguir vender. Mas mesmo assim a gente fazia esse caminho aqui a pé, o caminho do ouro, pegava o ônibus lá embaixo e vendia a produção em Angra dos Reis”, contou Benedito Leite Filho, presidente da Associação Quilombola Alto da Serra do Mar, onde nasceu e vive há 53 anos. Bené é um dos seis filhos de Dona Terezinha e Seu Dito.

                     Benedito Filho, o Bené,  presidente da Associação

Nos anos 80 começaram as disputas judiciais pelo território. Além reintegração de posse, penhora, leilão e medida cautelar, as famílias sofreram ameaças. Somente em 2003 foi feito um acordo. “O pessoal chegava e dizia “sou dono do pedaço, eu sou dono do outro”. Resistimos com o apoio do projeto Balcão de Direitos da ONG Koinonia, que trouxe advogados e a Defensoria Pública, onde na época atuava a Maria Lúcia, que hoje é superintendente do Incra e está de volta para anunciar o Decreto”, lembrou Bené.

                      Bené fala na reunião com representantes do Incra/RJ


Muita emoção estar de volta para conversar com a comunidade sobre essa conquista tão importante depois de 21 anos”, comemorou a superintendente Maria Lúcia de Pontes. Com uma equipe da recém-criada Divisão Quilombola do Incra/RJ, ela visitou Alto da Serra no dia 31 de outubro para esclarecer as próximas etapas. “Agora, o Incra fica autorizado a iniciara desapropriação dos imóveis rurais de ocupantes não-quilombolas da território. Essa etapa engloba vistorias, avaliações e ajuizamento de ações para posterior indenização dos proprietários”, explicou. 


    Reunião da comunidade de Alto da Serra do Mar com dirigentes do Incra/RJ

Orgulho de ser quilombola

No Território Quilombola Alto da Serra do Mar, que possui uma área de 211,98 hectares, 20 famílias vivem da agricultura, piscicultura e criação de animais de pequeno porte. Em 2003, a comunidade se autodeclarou remanescente quilombola, abriu processo de titulação do território em que vivem em 2006 no Incra, foi certificada pela Fundação Cultural Palmares em 2010 e teve sua Portaria de Reconhecimento publicada em 19 de abril de 2016. 


                      Dona Terezinha assina lista de presença                                                                                                                                              
Como diz minha mãe, hoje temos vários motivos de orgulho: a produção de doces e bananadas, a comercialização dos nossos produtos na região, o reflorestamento e recuperação das nascentes dos rios, o ecoturismo com visitas guiadas por quilombolas na Trilha do Cameru, o plantio de sementes juçara para atrair fauna e flora, a capacitação em associação e cooperativismo na Escola Rio das Pedras, e a nossa Dança Afro, composta por jovens que se apresentam por todos os cantos, representando a cultura quilombola do Alto da Serra”, apontou Benedito Filho.

                      Alvaro Britto entrevista Dona Terezinha e Seu Dito



Texto e fotos: Alvaro Britto


* Jornalista


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