Equipe da ação integrada com as lideranças quilombolas Denise e Adão
Por Alvaro Britto*
“Estamos muito felizes com a publicação do Relatório pelo Incra. É mais uma etapa da luta para a conquista da titulação do nosso território. Nossos antepassados sofreram muito para estarmos aqui. Foi muito sangue, usaram o corpo das mulheres, a nossa tataravó foi abusada. Defender sempre esse lugar lindo é a forma de agradecermos. E também para vivermos com justiça social e ambiental e contra todo tipo de racismo estrutural. Firmes, fortes, unidos e ligados para impedir a especulação com o nosso território”, declarou Denise André Casciano, 41 anos, diretora da Associação dos Remanescentes do Quilombo Tapera (ARQT), em Petrópolis, na região Serrana Fluminense.
Adão e Denise, lideranças do Quilombo TaperaA comunidade recebeu no dia 23 de novembro o projeto Defensoria em Ação nos Quilombos, iniciativa da Defensoria Pública do Estado em parceria com a Acquilerj, Incra, Defensoria Pública da União (DPU) e Detran/RJ. “Esta última edição de 2024 foi muito especial porque coincidiu com o término do biênio da gestão da primeira Defensora Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro”, ressaltou a defensora pública Daniele da Silva de Magalhães, da Coordenadoria da Promoção da Equidade Racial, que coordenou a ação realizada em Tapera.
Representante do Detran; Marcella e Daniele, da Defensoria Pública do RJ; e Elisa, do Incra
Publicação do RTID
A chefe da Divisão Quilombola do Incra/RJ, antropóloga Elisa Ribeiro, destacou que a ação foi importante para o Incra estar presente no território pouco mais de um mês após a publicação pela autarquia, em outubro, do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da comunidade quilombola Tapera. “É uma etapa importante do processo de regularização do território, pois é o início da sua oficialização, do reconhecimento público de suas dimensões e localização, assim como de seus moradores” esclareceu ela.
Atendimento do Incra com Denise, liderança da comunidade de Tapera
O RTID reúne estudos técnicos e informações históricas, antropológicas, cartográficas, fundiárias, agronômicas, geográficas e socioeconômicas, que permitem identificar os limites do território, visando à titulação coletiva da área. O território delimitado do Quilombo Tapera tem 594,7 hectares e é composto por 27 famílias. O laudo antropológico do RTID foi produzido pelo Instituto de Terras e Cartografia do RJ (Iterj) entre 2016 e 2019. Em seguida, técnicos do Incra elaboraram o cadastro das famílias quilombolas, o relatório agroambiental e a planta e memorial descritivo.
Comunidade do Quilombo de Tapera
História de luta
As terras tradicionalmente ocupadas pelos quilombolas de Tapera estão localizadas em um vale cercado por maciços rochosos, cuja estrutura fundiária deriva de desmembramentos do imóvel rural Fazenda Santo Antônio, localizado no Vale do Cuiabá, distrito de Itaipava. O imóvel possui registros cartoriais e documentais que datam do século XVIII. Segundo o fundador e presidente da ARQT, Adão Casciano, de 43 anos, nascido e morador no Quilombo Tapera, a comunidade está na região há mais de 150 anos.
Banners expostos na sede da Associação
“Fundamos a Associação em 2010 para defendermos nossos direitos a políticas públicas como energia elétrica, melhoria da estrada, saneamento e transporte público além de lutarmos pela titulação do nosso território. Infelizmente, com a tragédia ambiental de 2011, perdemos nossas casas e o foco foi a reconstrução”, explicou o presidente da ARQT. “Com o apoio e orientação do procurador da República Charles Pessoa conseguimos a certidão da Fundação Palmares em maio de 2011 e abrimos o processo no Incra no início de 2013”, contou Adão.
Comunidade do Quilombo de Tapera
“A troca de experiência com outras comunidades nos eventos da Acquilerj tem sido de grande importância. O empoderamento das mulheres quilombolas tem me motivado muito. Sugeri no Coletivo Feminista de Petrópolis e a Câmara Municipal criou o Dia Municipal da Mulher”, comemorou Denise, diretora cultural da ARQT. Ela tem organizado oficinas de artesanato, como turbante, fuxico e macramê. “Precisamos resgatar a nossa cultura, largar um pouco o celular. No Dia das Crianças realizamos brincadeiras ancestrais. Estamos com oficinas de jongo e em breve de feijoada. E logo e teremos um museu quilombola!”, garantiu a líder quilombola.
Balanço da ação
Segundo a defensora pública Daniele Silva, a ação realizada em Tapera “trouxe a sensação de estarmos no caminho certo ao ver a sociedade civil empoderada, a atividade associativa da Acquilerj respeitada, confiantes no trabalho da Defensoria Pública de cumprir sua missão constitucional de defesa intransigente das pessoas em situação de vulnerabilidade. Fica a esperança que no próximo biênio esse projeto seja preservado, buscando também seu aprimoramento”, concluiu.
Arendimento da Defensoria Pública da União
Para o presidente da ARQT, “o evento foi muito positivo, já que várias demandas, como segunda via de documentos, foram resolvidas e a comunidade obteve informações sobre seus direitos”. Segundo Adão, estiveram na ação quase 50 pessoas.
Atendimento do DetranA chefe da Divisão Quilombola do Incra/RJ destacou a preocupação da autarquia com o direito do quilombola idoso ao reconhecimento como segurado especial para fim de aposentadoria, que foi dificultado pela Portaria 1.209 do INSS. “Mesmo assim, a DPU fez o levantamento dos moradores de Tapera que estão solicitando a aposentadoria especial e o Incra já repassou as fichas de cadastro para que seja feita a solicitação ao INSS”, afirmou ela.
Texto e fotos: Alvaro Britto
* Jornalista
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