Crédito imagens/arquivo pessoal João Vítor Gomes de Oliveira
Por Gabrielle Granadeiro
“O meio ambiente nos protege e a gente deve proteger o meio ambiente para que ele continue resguardado, protegido. Essa defesa não é só para nós, Pankararus ou indígenas, mas para toda a população. Tem a ver com a qualidade do ar, da água, com o aumento do fluxo de chuvas, as condições geográficas e biológicas que precisam estar sempre sendo reforçadas. Não é apenas uma defesa egoísta.”
É desta maneira que o ativista ambiental João Vítor Gomes de Oliveira, da etnia indígena Pankararu, resume a importância de defender o meio ambiente. De forma geral, os povos indígenas têm uma ligação mais direta com a natureza, retirando dela os meios para sua sobrevivência. Em muitas nações, eles se consideram parte dela, como mostram estudos antropológicos – como o do brasileiro Eduardo Viveiros de Castro, relacionando a própria origem à da terra. É o caso dos Pankararu, que usam o meio ambiente para se orientar:
“Os antigos contam que vivíamos na Cachoeira de Itaparica e um grupo de indígenas resolveu pular nela para se encantar. Esses encantados são seres espirituais que orientam para o bem viver: orientações de saúde, uso de ervas. A gente observa as estrelas, as nuvens, os animais para se orientar. São os sinais que vemos serem transmitidos pela natureza. Se não tem a natureza na íntegra, a gente não vê isso”, explica João Vítor, que também integra a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) e atua como articulador da Comissão de Juventude Indígena de Pernambuco (Cojipe).
Além do caráter mais religioso de orientação, essa etnia, que se vive no sertão de Pernambuco, próximo ao rio São Francisco, usa a força dos quatro elementos – fogo, terra, água e ar – em seus rituais e na alimentação. Retira da terra a argila branca para se pintar e se proteger nos rituais; extrai o barro para preparar os utensílios nos quais serão feitas as comidas, além de plantar e colher grande parte da alimentação, apesar de ter tido problemas com a área plantável nos últimos anos.
“Aqui na aldeia existe soberania alimentar e nutricional. Sempre nos alimentamos do que tinha na terra, como pornunça – um tipo de mandioca – umbu, murici, palma, caça com peixe, feijão, batata. Nos últimos anos começamos a ter acesso aos alimentos industrializados e mudou o perfil de alimentação. Além disso, sofremos com posseiros que passaram a morar e plantar em nossas terras, nos deixando nas regiões mais montanhosas, onde o plantio é mais difícil”, relata o ativista.
Ele explica que as invasões de posseiros começaram ainda na década de 1940 e que, à medida que foram aumentando, impediram o acesso do povo Pankararu às terras mais planas. Em 1987, a área foi demarcada como pertencente aos indígenas, mas somente em 2018 os posseiros passaram a deixar a região, o que eles chamam de “desintrusão”. Ainda assim, o plantio não pôde ser retomado imediatamente, devido à exploração intensiva da terra, que foi erodida e desmatada pelos posseiros.
“Demos um tempo para a terra descansar e só depois voltamos a plantar. Hoje conseguimos ter feijão, milho, de forma sustentável e familiar, sem agrotóxicos, para nosso autossustento. A gente até comercializa, mas é entre si: um planta uma coisa e vende para o outro que planta outra. Sobre a terra, quando a retomamos, havia sinais de erosão, porque eles [os posseiros] tiravam a terra para vender, desmatavam. Em áreas que considerávamos sagradas, eles queimaram árvores para aumentar o pasto”, lamenta o ativista, acrescentando que a “desintrusão”, embora tenha acontecido há alguns anos, não fez com que os Pankararu vivessem completamente em paz:
“Os posseiros que viviam aqui são camponeses, agricultores que acreditam que perderam suas terras e querem se vingar. Até hoje recebemos ameaças, placas com ameaças e nomes de pessoas. Eles cortam arame das cercas para que seus animais venham pastar aqui, continuam nos intimidando. O Ministério Público e a Funai sabem, temos lideranças no programa de proteção e não sabemos o que eles podem fazer conosco para se vingar”.
Confirmando as informações passadas por João Vítor, a página do Ministério Público Federal na internet informou, em agosto de 2020, que notificara o Ibama, a Funai e a Polícia Federal sobre as invasões dos posseiros e ameaças às lideranças indígenas, e que um inquérito administrativo tramitava em caráter prioritário.
Outro ponto considerado importante para manter a boa relação com o meio ambiente, na opinião do ativista, é a valorização dos saberes tradicionais baseados em chás, banhos e sementes curativos. Para ajudar neste trabalho, João cursa a faculdade de Farmácia na Universidade Federal de Sergipe, pois acredita que assim pode ajudar sua comunidade integrando a medicina tradicional indígena com o que ele chama de uso racional da medicina.
“Tem médico que descredibiliza os saberes tradicionais para fazer uso de medicamentos, cápsulas e xaropes dentro da comunidade desde a época da Funasa [Fundação Nacional de Saúde], para fazer essa ‘empurroterapia’ de remédios. As pessoas precisam confiar nos saberes tradicionais, porque parte da cura vem da fé. Mas não é por isso que só vai usar chá em todos os casos. Por isso defendo esse uso racional dos medicamentos. A medicina tradicional é uma ciência também, uma ciência divina, mas a medicina ocidental também tem seu valor”, explica o universitário.
No dia 5 de junho celebra-se o Dia Mundial do Meio Ambiente. A data foi instituída pela ONU em 1972, como forma de ressaltar a necessidade de medidas de preservação ambiental e estimular o combate à poluição. Esse trabalho, contudo, é feito cotidianamente por ativistas ambientais e indígenas como João Vítor, que reforçam que esta sensibilização é uma questão de sobrevivência.
“Resguardar o meio ambiente está na essência de ser Pankararu. Sem acesso à natureza, a gente perde a ligação. Vamos ser qualquer grupo, menos um grupo indígena. Defender a natureza é, sobretudo, defender a vida das pessoas, das plantas, dos animais em nível mundial. Garantir a nossa existência e as que virão depois, também. Não acho que é uma questão de conscientização, porque consciência sobre o problema as pessoas têm, mas de sensibilização sobre o valor destas pautas. Que legados vamos deixar para os que virão? Uma terra degradada, violada ou uma da qual possamos nos orgulhar?”, conclui.
Fontes:
Dia Mundial do Meio Ambiente, Wikipédia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_Mundial_do_Ambiente)
Eduardo Viveiros de Castro, Wikipédia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Eduardo_Viveiros_de_Castro)
Pankararu, In Povos indígenas no Brasil (https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Pankararu)
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