quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Skate: do underground às olimpíadas

Por Fábio Germano Ventura*


Divulgação COB


A fadinha do skate Rayssa Leal se tornou a mais jovem brasileira medalhista da história. Ela conquistou a medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. Para muitos, a disputa vencida por Rayssa durante a madrugada foi o primeiro contato com o skate. A modalidade, que surgiu na Califórnia, no fim da década de 1950, mas faz sua estreia apenas agora nas Olimpíadas. 

Se os organizadores elaborassem um roteiro da estreia olímpica do skate, eles provavelmente mudariam muito pouco sobre o que aconteceu em Tóquio. Muitas pessoas podem achar estranho ver skate na Olimpíada. E isso não é um desprezo pela habilidade ou pelo talento necessários para competir como um skatista de elite. É estranho por causa da longa história do skate como uma atividade contracultural. 

Ao se tornar olímpico e conquistando ampla visibilidade, os amantes da modalidade se dividiram em opiniões. Alguns acreditam que possa ser um divisor de águas na busca pela desmarginalização e mudança de visão com o esporte. Já outros afirmam que isso pode ser o fim da essência do movimento do skate. 

A chegada do skate 

Não se sabe ao certo como, mas sabemos onde o skate surgiu: no sul da Califórnia, nos Estados Unidos. O estado herdou o espírito livre dos hippies do fim dos anos 1960 e se tornou palco da contracultura no pós-Guerra do Vietnã.

Foi nos anos 1980 que o skate explodiu na América e chegou ao profissionalismo na década seguinte, com marcas patrocinando e campeonatos como o X-Games e a World Cup of Skateboarding. Parques de skate foram construídos para esse fim e se inseriam na paisagem urbana do país. As competições existiam, mas havia pouco dinheiro a ser ganho. Andar de skate era uma questão de camaradagem, criatividade e expressão pessoal.

Até que a febre chegou ao Brasil. A modalidade, ainda pouco conhecida no mundo, chegou no Rio de Janeiro trazida por filhos de americanos e brasileiros que viajavam para os Estados Unidos. Era chamada de “surfinho”. 

O skate se popularizou quando apareceu na Revista Pop, uma das mais lidas entre os jovens na década de 1970. Surgiram empresas brasileiras especializadas. A primeira pista da América Latina foi inaugurada em Nova Iguaçu, em 1976. 

Depois do auge de popularidade, a modalidade quase desapareceu. Quando os partins e motocross se transformaram em moda, os fabricantes de skates que não migraram sua produção começaram a falir. O investimento caiu e aumentou o preconceito contra os skatistas, que eram considerados “jovens vagabundos”. Em 1988, Jânio Quadros (PTB), então prefeito de São Paulo, proibiu a prática de skate na cidade. A prefeitura não queria skatistas nas ruas da Zona Sul, já que o esporte era visto como marginal. 

Sua sucessora na prefeitura, a então petista Luiza Erundina, revogou a medida. Na época essa foi uma decisão muito importante e fez com que o skate passasse a ser menos estigmatizado. Entre os anos 1990 e 2000, ocorreu o maior “boom” do skate no país. A modalidade street ganhou popularidade, visto que o esporte podia ser paticado em qualquer espaço, não somente em pistas.

No Sul Fluminense

Mesmo com a projeção conquistada, a realidade da modalidade no Brasil ainda é dura. Na região Sul Fluminense, skatistas enfrentam o preconceito diariamente e lidam com a falta de espaços, com a infraestrutura limitada para a prática esportiva e até mesmo quando utilizam como transporte no dia a dia. Fazendo um recorte regional, Barra Mansa e Volta Redonda possuem grandes nomes do skate e vários praticantes da modalidade, seja na modalidade street ou na park, disputada em pistas. Na região ainda há resquícios da marginalização do skate. O tatuador e skatista amador Felipe Justino, de 23 anos, que já participou de vários eventos de cunho esportivo e beneficente no município, afirma: 

— Sempre houve e sempre vai existir o preconceito. Assim como o movimento punk, o skate é liberdade, aceita todos, que em sua maioria são jovens tachados como inadequados pela sociedade e que possuem famílias desestruturadas, de baixa renda. E, em uma cidade do interior repleta de preconceito, nós sentimos na pele todos os dias ao sairmos de casa com o skate na mão para usar como transporte. Já perdi a conta de quantas vezes fui parado pela polícia nessas situações.

Mesmo com a aceitação conquistada ao longo dos anos, o sistema de segurança de forma velada ainda vê a prática como ato de “rebeldia” e pune grande parte dos praticantes, deixando explícitos problemas que o skate já enfrentava na década de 1980. 

A busca por um novo reconhecimento 

A medalha de prata obtida pela “Fadinha  do Skate”, a Rayssa Leal, na modalidade Skate Street na Olimpíad de Tóquio 2020, conquistou o coração do brasileiro. Apesar de ter somente 13 anos, ela se tornou um ícone na modalidade. Depois de sua aparição nas olimpíadas, a fadinha mudou a percepção de muitas pessoas sobre a prática do esporte e despertou o interesse em muitas crianças e adolescentes. Isso provocou um aumento na procura de aulas de skate para esse público.

Alunos e professsores de skate VR


Na determinação de formar novas “fadinhas do skate” na região, o professor de skateboard Renan Sales, de Volta Redonda, realiza há seis anos um projeto de aulas de skate para crianças, adultos e adolescentes. 

“O aumento de público simpatizante e praticante é algo imensurável e me proporcionou trocas com novos alunos. Isso representa um novo momento para a prática. Percebo no meu trabalho que, além da aceitação dos pais, agora vemos que as próprias pessoas acreditam ser possível andar de skate. Antes era algo que muitos achavam impossível, ou tinham receio. Ao assistir o campeonato, acabaram vendo que cair faz parte do skate”, diz Renan. 

O professor apoia a ideia de inserir o skate em instituições de ensino como uma ferramenta de aprendizado do esporte e da cultura, Segundo ele, isso permitirá ao skate ser visto com naturalidade, da mesma forma que o futebol, o basquete e o vôlei, por exemplo. 

Desse modo, a prática pode ser utilizada como uma ferramenta de transformação social, seja ele inserido em escolas, eventos esportivos ou projetos sociais que possam surgir futuramente no município. É necessário que até os olhos dos mais conservadores apreciem as manobras do skate e aceitem que, atualmente, ele se trata de um dos esportes que mais representam o Brasil no exterior.


* Estudante de Jornalismo

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