sábado, 18 de junho de 2022

Tudo faz sentido, mas é mera coincidência

Aos 25 anos, Os Ciclomáticos traz reflexão sobre o papel da mídia


Por Alvaro Britto

Quem não já se pegou contando o número de likes ou visualizações em um post? Quem já não compartilhou uma desinformação, a popular fake –news? Quem não se pegou conversando com uma pessoa que está na sala ao lado através de aplicativo de mensagens? Quem não se viu numa mesa onde todos estão interagindo nas redes sociais e ninguém interage com quem está sentado ao lado? Quem não se viu orientando seu comportamento e atitudes pelo que está viralizando nas redes sociais?

Que a mídia sempre influenciou as nossas vidas, isso não é novidade. Desde as pinturas rupestres até a poderosa rede Globo, passando pela Bíblia e chegando na rede da legalidade de Brizola. Entretanto, algumas características das redes sociais as colocam em “outro patamar”, para o bem e para o mal, como a rapidez e falta de obstáculos para a propagação da informação, a chamada viralização. Uma mensagem postada no Brasil – dependendo da conexão e do pacote de dados, é claro – pode chegar a centenas, milhares, de pessoas quase que instantaneamente em países do outro lado do mundo. 

Há ainda outra novidade. Diferente da antiga comunicação unidirecional, tipo “eu falo, gravo, escrevo ou desenho e todos escutam, assistem ou leem”, com as redes sociais o jogo passou a ter mão dupla. Claro que sempre houve a comunicação interpessoal, onde conversamos e dialogamos com outra pessoa, ou mesmo em uma aula ou numa palestra participativa. Hoje, todos são produtores de conteúdo – de boa ou má qualidade, mas não é essa a discussão – que podem chegar a inúmeras pessoas a qualquer distância. Isso revolucionou a comunicação e, naturalmente, a convivência entre os seres que habitam o planeta.

Com a palavra, quem constrói os Ciclomáticos


Essa é a reflexão que traz o grupo Os Ciclomáticos Companhia de Teatro com o seu novo espetáculo “Tudo faz sentido, mas é mera coincidência”, que estreou no dia 2 de junho no Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto, no bairro do Humaitá, no Rio de Janeiro. A montagem inédita, que também comemora os 25 anos da companhia teatral, tem texto de Fabiola Rodrigues e Ribamar Ribeiro, que também assina a direção. No elenco, Carla Meirelles, no papel da filha; Getúlio Nascimento, o cachorro; Julio Cesar Ferreira, o pai; Nívea Nascimento, a mãe; Renato Neves, o filho; e Fabíola Rodrigues, como a mídia (não é a Alexa, como a atriz faz questão de destacar).

A atual temporada vai até o dia 25 de junho. A peça tem patrocínio da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e Secretaria Municipal de Cultura, através do projeto “Os Ciclomáticos – 25 anos de Teatro Suburbano”, contemplado no edital FOCA 2021. A reportagem do Pavio Curto foi gentilmente convidada pelos Ciclomáticos para a estreia e compareceu. Já havíamos assistido ao espetáculo “Ariano – O Cavaleiro Sertanejo” no mês anterior e saímos maravilhados pela energia positiva e qualidade do espetáculo. A amiga, atriz, diretora e escritora Fabíola Rodrigues também integra o Coletivo Pavio Curto e nos apresentou ao trabalho dos Ciclomáticos. 


Entretanto, na nossa equipe de reportagem (ainda) não há críticos de teatro. Como é de costume e um dos princípios do Pavio Curto, resolvemos dar a voz a quem constrói o espetáculo e os Ciclomáticos. Na correria da vida, entre uma apresentação e outra, uma viagem e outra, precisamos escolher apenas quatro representantes: Ribamar, Fabiola, Getúlio e Nívea, a quem agradecemos imensamente a disponibilidade e o pronto retorno.

Os Ciclomáticos, como o Pavio Curto, tem entre suas marcas o trabalho coletivo. Logo, citamos e homenageamos todos os demais integrantes, também responsáveis pela construção desses 25 anos de caminhada de muita luta e sucesso. Parabéns!! André Vital (in memoriam) - figurinista e visagista; Cachalote Mattos – cenógrafo; Carla Meirelles - atriz e diretora; Fabíola Rodrigues - atriz, diretora e escritora; Fernanda Dias - atriz e coreógrafa; Getúlio Nascimento - ator, maquiador e preparador vocal; Juliana Santos - atriz, fonoaudióloga e preparadora vocal; Julio Cesar Ferreira - ator e diretor; Mauro Carvalho - ator, coreógrafo e iluminador; Nívea Nascimento - atriz, designer e figurinista; Renato Neves - ator e diretor; Ribamar Ribeiro - ator, diretor, escritor e Produtor. 


Ribamar Ribeiro: “O nosso teatro é um ato de resistência e não vão nos derrubar!”


Ribamar Ribeiro é ator, diretor, dramaturgo, produtor, professor e sonoplasta. Possui Licenciatura em Artes Visuais e é Mestre em Artes na UERJ. Já escreveu e dirigiu mais de 50 espetáculos teatrais.

É Diretor Artístico e um dos fundadores de Os Ciclomáticos Companhia de Teatro e da CTI - Comunidade Teatral Independente. Como Ator já trabalhou com André Paes Leme, Marília Martins, José da Costa e Nanci de Freitas e Antônio Abujamra. Possui mais de 40 prêmios em todo o Brasil. Professor da FUNARTE, SENAC Rio e SESC Rio. Ministrou oficinas e palestras nas Universidades: UNIRIO, UFBA, Universidade Rural e Estácio de Sá; e também em Festivais Internacionais: Lima - Peru, França e Alemanha. Em 2006 dirigiu o musical sobre samba: "É Isso Aí, Irajá!", de Nei Lopes. 

Em 2013 escreve e dirige "Casa Grande e Senzala - Manifesto Musical Brasileiro" vencedor do Prêmio Montagem Cênica do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Em 2015 recebe o Prêmio Internacional do Festival Internacional de Teatro Latino-americano em Lima no Peru como diretor e dramaturgo pela pesquisa de linguagem. Também participa do festival Santiago a mil na Comitiva Brasileira do Ministério da Cultura no Chile. Em 2018 foi jurado do Concurso de Dramaturgia para Infância e Juventude - FUNARTE - 2018. Em 2020 participa do Laboratório de Direção Cênica do X FESTEPE - Festival Internacional de Teatro y Performance em Chancay - Lima - Peru.

Como dramaturgo, foi selecionado para as publicações com os seus textos: "Cenas do Confinamento", "Escrita Criativa - UERJ" e "Festival de Peças de Um Minuto" de Os Parlapatões. A sua performance "Arquivo Vivo" foi apresentada na UERJ, UFRJ / EBA e na PUC Rio. 

Como começou sua carreira no teatro?

Eu comecei a fazer teatro na igreja católica perto de onde morava. Era um menino da favela do Jacarezinho e nunca tive artista na família, mas sempre tive vontade de atuar. Até me lembro que guardei um recorte de jornal que tinha uma matéria sobre escolas de teatro. Fui fazer Tablado, e logo depois fiz o teste para entrar para o Curso de Ator Profissional do Senac Rio. Ali foi onde encontrei a minha família que se tornaria parte do que é Os Ciclomáticos hoje!

Como nasceu o Ciclomáticos e o que significa teatro suburbano?

Os Ciclomáticos nasce nas ruas de Bonsucesso, onde fica o Senac e ali este grupo de jovens percebeu que poderia se juntar para fazer teatro.

Hoje, a Companhia possui sede própria, localizada na Rua de Santana, Centro, Rio de Janeiro, denominada Espaço das Artes – Os Ciclomáticos. Em 1999, passou a se chamar Os Ciclomáticos Companhia de Teatro, da qual sou um dos fundadores. Uma das curiosidades sobre o nome da Companhia é que o nome anterior era da diretora do Grupo na época, Lia Sol Lenberg. Porém, com a saída dela, em uma de nossas reuniões, iniciamos uma busca para o novo nome do grupo. Na época, ensaiávamos na casa de um dos integrantes, Renato Neves, e no meio da reunião alguém sugeriu o nome Ciclomáticos e perguntamos o porquê desse nome. A resposta foi a seguinte: “Nós sempre ensaiamos perto dessa geladeira velha que usamos como armário, sempre aqui e o nome dela é Ciclomático. Acho que seria legal este nome.” Enfim, neste dia passamos a nos chamar Os Ciclomáticos, a companhia com nome de geladeira.

Nós somos legitimamente uma companhia de teatro suburbana. Os integrantes todos são do subúrbio carioca e ter esta representatividade é de extrema importância, já que no Rio existe um forte bairrismo e por muitas vezes acredita-se que só tem teatro de qualidade na zona sul e centro do Rio. Por isso, nos intitulamos de teatro suburbano.


Quantas peças escreveu? Qual o estilo predominante?

Escrevi em minha carreira mais de 40 espetáculos, para Os Ciclomáticos e outros coletivos. A maioria dos meus espetáculos vem da pesquisa do teatro-seminário, metodologia criada por mim, que se tornou a pesquisa do mestrado em Artes.

O que é ser diretor do Ciclomáticos?

É uma honra! Ter estes artistas incríveis que acreditam nas minhas loucuras e embarcam juntos sem pestanejar é fantástico! Só tenho a agradecer!

Como foi a emoção e o significado dessa estrela junto com a comemoração dos 25 anos?

Uma celebração, afinal de contas bodas de prata não é para qualquer um! Muito orgulhoso de fazer um trabalho tão diferente e contemporâneo com a companhia. Só alegria, pois tudo faz sentido, mas é mera coincidência!

Projetos para o futuro?

Temos vários! Queremos abrir um mercado internacional apresentando nossos espetáculos, levando arte para a Europa, Américas e Ásia! Reverberar a qualidade do trabalho artístico para o mundo! E continuar levando arte para o Brasil, que está precisando mais do que nunca!

Como avalia o atual momento da cultura brasileira?

Nós artistas fomos muito apedrejados nesta conjuntura, muito desvalorizados e a pandemia provou como fomos necessários para manter a saúde mental e psicológica. O nosso teatro é um ato de resistência e não vão nos derrubar!

Fabíola Rodrigues: “a mídia desempenha um papel de espelhamento do que a sociedade reflete”


É diretora formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-graduada em Psicopedagogia Institucional pela AVM-Cândido Mendes, estudou interpretação e linguagem corporal no Centro Artístico Experimental - SESC RIO, sob a coordenação de Ana Kfouri. Membro da Companhia desde 2003, como atriz e diretora, ingressou no papel de dramaturga em 2006 no programa infantil “Antes que o Galo Cante”, escrito em conjunto com Ribamar Ribeiro. 

Coordenadora e instrutora de projetos sociais no SENAC RIO, trabalha com desenvolvimento e inclusão social desde 1998 e colabora com a APAE, SEFRAS e CIEDS. Premiada como atriz, diretora e dramaturga em festivais reconhecidos nacionalmente, ela participa de vários shows realizados pela empresa, incluindo seu trabalho mais recente como atriz, o musical “Casa Grande e Senzala - Manifesto Musical Brasileiro”. Atualmente como educadora de arte, ela pesquisa e desenvolve projetos em torno do universo das histórias.

Como começou sua carreira no teatro?

Sou de Itatiaia e comecei fazendo um curso com Daniel Fortes e ele me convidou para conhecer o grupo em Penedo. Eu tinha 16 anos na época. O grupo já existia mas estava se estruturando no momento, Herdeiros de Tespis. Os integrantes, incluindo eu, fomos para o Rio estudar. A primeira ideia era nos formar e retornar com o grupo. Tentamos no Rio, mas não funcionou. Em 2003 conheci o Ribamar em um curso de direção teatral no SESC Tijuca, e ele me falou sobre os Ciclomáticos e o projeto novo. Me convidou para assistir uma leitura do texto e quando vi já estava como atriz no projeto. Desde então faço parte do grupo.

Como e quando você entrou para o Ciclomáticos? Além de atriz, o que mais faz?

Eu entrei oficialmente em 2003 com o espetáculo "Amargasalmas". Fui convidada por Ribamar Ribeiro para atuar, estávamos fazendo um curso no SESC Tijuca com a Marília Martins, onde nos conhecemos. Atualmente além de atuar, também escrevo, colaborando com a dramaturgia e letra de música.

Quantas peças você já escreveu? Qual o estilo predominante?

Escrevi quatro peças das quais duas foram encenadas. Além de esquetes teatrais e adaptações. Não saberia definir um estilo, porque em geral escrevo pensando no projeto e cada um acaba por ter seu estilo próprio.

Como foi a emoção e o significado dessa estreia junto com a comemoração dos 25 anos?

Foi emocionante, em especial porque foi a primeira estreia sem o André Vital e isso mexeu muito com a gente. Outra questão foi o desafio de uma nova linguagem e personagens bem diferentes do que estávamos acostumados.

Você interpreta a mídia, tema central da peça.  Com vê o papel e influência da mídia nas relações familiares e na sociedade como um todo?


A mídia se confunde um pouco enquanto conceito e personagem. Neste caso, respondendo como dramaturga eu diria que a mídia desempenha um papel de espelhamento do que a sociedade reflete. Foi importante desenvolver no texto também que a mídia sempre esteve atrelada às tecnologias. E que a tecnologia não necessariamente é um aparato eletrônico. A máquina de escrever é uma tecnologia, a caneta é tecnologia. Então quando ela fala "eu comecei nos jornais e nas revistas", tem que se colocar também que a prensa foi a primeira tecnologia que levou às massas o papel midiático.  Então ela nasce ali naquele momento em que você consegue atingir as massas. 

Foi importante também passar a informação do que realmente é a mídia e do que a mídia pode alcançar. Não é uma coisa ruim. Ela tem outras capacidades, outras potencialidades que podem ser atingidas de formas diferentes, mas ela só faz aquilo o que a sociedade mandou fazer. E também alertar sobre os problemas que essa nova tecnologia carrega, como os algoritmos e a questão da bolha de você estar inserido no sistema que não te deixa ampliar além daquilo que já conhece. E principalmente sobre a privacidade, que era algo muito caro e que agora há um mundo tecnológico onde as pessoas simplesmente ignoram ou não percebem que estão abrindo mão dessa privacidade. 

Como atriz, eu já vejo na mídia uma personagem extremamente arrogante e prepotente, porque ela conhece seu poder mas ao mesmo tempo sua fragilidade. Em cena, são poucos os momentos em que ela revelou essa fragilidade. Todo mundo pensa que ela tem o controle mas na verdade o controle não está com ela.  Apesar dela controlar todo o espetáculo e toda a cena, essa personagem é na verdade controlada, já que ela não tem a opção de fazer diferente pois é apenas o reflexo da sociedade e daquela família. Isso a incomoda profundamente.  Ela quer ser controlada pelo lado mais benéfico e vê na figura do cachorro essa possibilidade. Mas acaba não sendo porque a sociedade vai mudando o cachorro para o mesmo viés que a família se encontrava.

Você sofre ou já sofreu machismo no teatro? Isso está mudando ou piorou nesses tempos de obscurantismo?

Como sempre vivenciei a experiência de grupo, nunca presenciei o machismo no teatro. O mais próximo foi com um professor da faculdade de Direção Teatral que quando eu disse que começaria a atuar, disse uma frase grosseira, "dizendo que era só colocar os peitinhos de fora". Durante este período mais obscuro a verdade é que toda a classe sofreu ataques.

Nívea Nascimento: ”25 anos marca uma trajetória de muito trabalho, muita dedicação e muito amor”


Formada em Publicidade, Técnica de Produção de Moda e atriz de Os Ciclomáticos Cia de Teatro, atua em inúmeros espetáculos dentro de Os Ciclomáticos e também na CTI - Comunidade Teatral Independente, que consiste em um movimento cultural da zona norte do Rio de Janeiro, instituição essa que exerce as três funções, atriz, figurinista e designer gráfica.

Com 20 anos trabalhando no ramo da cultura, é detentora de vários prêmios em destaque de atuação e figurino. Participou de incontáveis festivais de teatro dentro e fora do país como Peru, França e Alemanha. Teve o prazer de se apresentar para plateias numerosas que contavam com 6 mil espectadores, e outras menores que tiveram contato com arte pela primeira vez e saíram transformadas (coisas das artes).

Como atriz em teatro seus últimos trabalhos foram: Casa Grande e Senzala - Manifesto Musical Brasileiro; A Farra do Boi Bumbá; Avesso; Minha alma é nada depois dessa história; O Noviço. Atuação em curta metragem: Porta a fora. Figurino: Avesso; O Beijo no Asfalto; A farsa do Poder; O Noviço; O que eu fiz para merecer isso.

Como começou sua carreira no teatro?

Teatro faço desde sempre. Iniciei na escola primária. Desde lá já diziam que era uma mini Claudia Raia  kkkkkk

Como e quando você entrou para o Ciclomáticos?

Em 2003 iniciei um curso de teatro pelo Senac RJ onde o Renato Neves era coordenador e o Ribamar Ribeiro professor de teatro. Meu primeiro espetáculo profissional foi com direção do Ribamar inclusive. Em 2004, "É isso aí, Irajá" com texto de Ney Lopes. Eu fazia teatro sem nunca ter ido ao teatro, que loucura isso, não?! Foi em 2004, no teatro Miguel Falabella, no Norte Shopping, que assisti pela primeira vez, com toda estrutura teatral, um espetáculo, "Amargasalamas", também com direção do Ribamar. Um anos depois eu estava em palco, com os Ciclomáticos, fazendo uma substituição para esse mesmo espetáculo. Em 2006 recebi o convite para integrar a Cia.

O que é ser uma atriz do Ciclomáticos?

É ralar muito kkkk! Não por ser atriz lá. Mas pelo fato do grupo trabalhar de forma coletiva, onde o ator não é somente ator, ele é também contra regra, produtor, designer, relações públicas, financeiro... Talvez a técnica seja a única área que trabalhe numa única função. Os demais, atores e diretores, esses fazem de tudo!

Como foi a emoção e o significado dessa estreia junto com o aniversário de 25 anos da Cia?

É o primeiro espetáculo depois da perda de um dos fundadores da Cia, André Vital, figurinista e visagista do grupo. Um comediante nato. Não! Ele não era ator. Mas levava muito jeito para comédias ácidas. kkkkk Nos deixou numa sexta-feira de carnaval, a festa que ele mais amava.

Todas as nossas obras levam a mão muito forte e presente do André. Mesmo que ele fosse aberto aos novos olhares, pois sempre trabalhou de forma colaborativa, agregando pessoas, somando com outros artistas, ainda assim, sua assinatura era muito particular. E graças a ele, e a maestria que tinha e juntar pessoas, promover encontros, que escolhemos Julia Paula e Tiago Costa para estarem com a gente nesse trabalho que inclusive, é a cara dele. Em todo os sentidos. André e Julia estudaram moda juntos na faculdade e Tiago tem em seus trabalhos artísticos como performance drag muitas referências dele.

25 anos marca uma trajetória de muito trabalho, muita dedicação e muito amor. Somos uma família com todos os seus percalços, mas permanecemos juntos. Se nem uma pandemia mundial nos separou, nada mais nos separa.

Como está sendo interpretar a mãe, uma espécie de síntese ampliada da família?


Está sendo uma delícia! Ela é histriônica com todas as características do significado dessa palavra. 

Uma mãe, mulher e esposa que nem pode expressar tudo que pensa. Quer ser vista como a melhor entre os melhores dentro de toda sua futilidade e falta de afeto familiar, tanto para dar quanto para receber. Uma mulher que quer se apresentar para o mundo mas não quer ser vista por ele. Uma matriarca típica que vive o caos mas fecha os olhos para tudo. 

Estou amando o papel. Acredito ser uma crítica familiar, social e tecnológica necessária.

Você sofre ou já sofreu machismo no teatro? Isso está mudando ou piorou nesses tempos de obscurantismo?

Não, nunca sofri machismo no teatro. Não que me lembre. Sempre fui muito imediatista. Agitava uma função e saía, agitava outra e saía. Se fizeram não presenciei. 

As pessoas estão seguindo a linha da verdade, "essa é a MINHA VERDADE", e cada ser constrói e segue a sua própria verdade. É até difícil mensurar se dentro de tantas "verdades" mudanças ocorreram e/ou estão ocorrendo.


Getulio Nascimento: “Ser um ator do Ciclomáticos é você se entregar de corpo e alma pra aquela arte”


Getulio Nascimento é ator e cantor, licenciado em Artes Visuais, integrante de Os Ciclomáticos Companhia de Teatro e da CTI – Comunidade Teatral Independente. Além de ator, também trabalha como cantor, preparador vocal, professor de artes cênicas e maquiador. Participou de mais de vinte espetáculos como ator, entre eles: “Casa Grande e Senzala – Manifesto Musical Brasileiro”, “Salve Ela – Carolina Maria de Jesus em Cena”, “GENET – Os Anjos Devem Morrer” entre outros. 

Como cantor gravou trilhas sonoras para os espetáculos, se apresenta com o show "Caminhos e Andanças" e lançou em 2021 o seu primeiro álbum "Eu Vim". Como preparador vocal trabalhou no espetáculo "Ariano - O Cavaleiro Sertanejo", “Casa Grande e Senzala – Manifesto Musical Brasileiro” com Os Ciclomáticos, com a CTI – Comunidade Teatral Independente e nos Cursos de Formação dos Espetáculos-Aula para Professores de Artes Cênicas da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. 

Estudou na Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Pena e no SENAC Rio. É professor no SESC Rio e também lecionou Teatro na AVICRES – Associação Vida no Crescimento na Solidariedade, nos SESCs de Engenho de Dentro, Madureira e Niterói, e no Espaço Cultural Brasil, trabalhando com crianças e adolescentes carentes. Possui 10 prêmios e 4 indicações como Ator, entre eles, o Prêmio Paschoalino dado pela FETAERJ – Federação de Teatro Associativo do Estado do Rio de Janeiro e o FENATA. Possui também 4 prêmios e 2 indicações de Melhor Maquiagem em festivais de Teatro.

Como começou sua carreira no teatro?

Começo como artista aos sete anos de idade, cantando e fazendo teatro na Igreja Católica.  Até 16 anos fiz cursos livres de canto e teatro.  A partir daí, comecei a fazer outros cursos e estudar de fato o teatro como forma de trabalho. No SENAC de Irajá, com o Ribamar como professor e Renato Neves coordenador dos cursos, comecei a ter contato com o teatro profissionalizante. Após terminar o SENAC, no final de 2005, fiz prova e passei para o curso profissionalizante da Escola de Teatro Martins Pena, que é uma escola centenária, primeira escola pública de teatro do Brasil fundada em 1908. Comecei em 2006 e fui até o início de 2009 fazendo esse curso profissionalizante. 

Como e quando você entrou para o Ciclomáticos?

Em 2006 mesmo, ainda cursando a Escola de Teatro, fui convidado a participar do Ciclomáticos, para o Espetáculo infantil “Antes que o galo cante”. Junto com ele, o grupo também estava montando um espetáculo para comemorar os dez anos da Cia, “Sobre mentiras e segredos”. Trabalhei como ator convidado. Em seguida passei a ser ator fixo do grupo. 

A minha carreira de ator veio muito em paralelo com a minha carreira de cantor. Por ter esses talentos múltiplos, elas sempre andaram juntas. Tanto que no teatro eu sempre cantei, assim como no canto eu sempre trouxe um pouco da atuação. E quando eu estava estudando teatro, tanto no SENAC quanto na Escola Martins Pena, também fazia cursos relacionados a canto. Tanto que, assim que terminei a Escola, emendei num curso de canto lírico, que estudei durante três anos e meio. Então também sou um cantor erudito, além de ser um cantor popular. 

Então até hoje a minha vida como cantor e como ator andam juntas, em paralelo. Sempre que estou no Ciclomáticos, estou com projetos paralelos do meu show, “Caminhos e Andanças”, que eu tinha antes de lançar o meu álbum no ano passado, o meu primeiro com músicas autorais. Essa é a minha dupla jornada de carreira que me acompanha até hoje. 

O que é ser ator do Ciclomáticos?


Ser ator do Ciclomáticos é você não ser apenas ator, é você ser um artista, um multiartista dentro do Ciclomáticos, porque aqui nós nunca fazemos apenas uma função. Além de atores, também somos maquiadores, contrarregras, cenotécnicos, fazemos de tudo. Ser um ator do Ciclomáticos é você se entregar de corpo e alma pra aquela arte. Tem uma coisa que a gente sempre faz, que aconteceu comigo e também com outras pessoas do grupo. Nós temos todas as áreas de atuação dentro das artes cênicas entre os integrantes do grupo. Tanto que, como ator, eu fui também me especializar em canto pra trazer a arte do canto pra dentro do grupo, nos trabalhos em que precisasse ter um olhar do canto eu pudesse trazê-lo. 

Além disso, o meu gosto por desenho e também por ser artista visual, uma das minhas formações, também trouxe a maquiagem para o meu trabalho como ator e chego a assinar um cenário dentro de um espetáculo do grupo. Então ser um ator do Ciclomáticos é você ser um multiartista dentro do grupo, trazendo o que tem de melhor, o que mais gostaria de fazer, estudar isso e trazer de fato como mão e braços e tudo pra dentro do grupo. 

Como foi a emoção e o significado dessa estreia junto com o aniversário de 25 anos da Cia?

Uma emoção incrível fazer essa estreia, ainda mais em comemoração com os 25 anos do grupo. Porque fazer 25 anos numa Cia de Teatro suburbana já é uma grande conquista. Então fazer aniversário com a estreia de um espetáculo incrível é muito importante pra nós, pois além de uma comemoração, é ao mesmo tempo uma reflexão sobre o que a gente passa hoje em dia, sobretudo essas questões tecnológicas que influenciam o nosso dia a dia. 

Os Ciclomáticos, com 25 anos de muito trabalho, de muita luta, a gente continua ainda firme, vivos, pulsantes e trazendo reflexões para o público, que é o que a gente mais gosta de trazer nos nossos espetáculos. Além de trazer a beleza estética, artística, a gente gosta de fazer com que o público pense e reflita sobre diversas questões, dando voz à cultura popular, como em “Ariano, Cavaleiro sertanejo” e “Farra do Boi bumbá”.

Trazer a importância da nossa brasilidade e da nossa miscigenação, assim como foi no espetáculo “Casa Grande e Senzala - Manifesto Musical Brasileiro”. E agora em “Tudo faz sentido, mas é mera coincidência”, trazendo essa questão tecnológica. Então nesses 25 anos, era uma coisa que nos pulsava muito pra nós falarmos, o que nos move, o que nos inquieta. 

Como é interpretar o cachorro, espécie de consciência crítica da família?

Interpretar o cachorro é muito difícil. Primeiro porque a gente tem que vivenciar aquilo de verdade, para não ficar um personagem muito risível e pouco verdadeiro. O primeiro passo foi na verdade trazer esse sentimento do cachorro real, que quer apenas ser amado, ter o amor dessa família. Mas a família o renega tanto, o enxota tanto, o despreza tanto, que na verdade vai trazendo essas inquietudes e essas reflexões. 

Na verdade, é por conta dessa família que ele fala tudo isso, essas frases de grandes autores, pensamentos de grandes filósofos. Ele traz isso como reflexo dessa família, mas também é um reflexo da nossa sociedade. Então, falar esses textos tem um peso muito grande pra mim, pra mim como ator, e óbvio, como personagem também.  É uma reflexão em todos os sentidos, é super importante, necessária e é uma crítica a tudo isso. 

Homenagem do Pavio

Após o espetáculo de estreia, a reportagem do Pavio homenageou Os Ciclomáticos em nome da nossa amiga e integrante do Coletivo Pavio Curto, Fabíola Rodrigues, com uma linda camiseta que marca o “esperançar” do mestre Paulo Freire.


Fotos: Igor Mattos, Zayra Brum

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