segunda-feira, 31 de maio de 2021

Boiada passa na Câmara e deputados atropelam o licenciamento ambiental

Ilustração CRISTOVÃO VILLELA

POR ÁLVARO BRITTO

Você sabe. Para construir com segurança aquele puxadinho ou aquela meia água para abrigar alguém da família que aumentou, precisa regularizar a situação junto à prefeitura da sua cidade através de uma licença. 

Se por algum motivo tiver necessidade de uma poda drástica ou mesmo cortar uma árvore, precisará justificar e obter uma autorização do órgão ambiental local. Mesma coisa para construção próxima à margem de rios e lagoas ou de encostas. 

Exagero? Claro que não. O licenciamento ambiental parte do princípio que a natureza é um bem público e não privado e qualquer modificação tem impactos na vida do planeta. Portanto, toda obra ou empreendimento que interfira na natureza não pode ser decisão exclusiva do proprietário e sim do poder público, como representante do conjunto da sociedade. 

Há problemas? Com certeza. Nem sempre o poder público age em defesa do interesse público. Mas pelo menos nós temos instrumentos legais e institucionais para fiscalizá-lo, denunciá-lo e, como nós do Pavio Curto somos chegados, detoná-lo!


Grandes obras

Agora imagine uma grande obra ou empreendimento, como um hotel na floresta, um terminal portuário, uma hidrelétrica, uma indústria, um assentamento rural ou uma ponte sobre um rio. É óbvio que, em função do tamanho do impacto ambiental, precisa ser avaliada de forma muito criteriosa para obter uma licença. 

Ainda mais em uma época em que toda a humanidade – com raras exceções, como o governo negacionista brasileiro – compreende a encruzilhada em que está o nosso planeta, ameaçado pelo aquecimento global causado por um modelo capitalista predatório em que a natureza é utilizada como matéria-prima para exploração e acumulação. Daí a necessidade de muito mais rigor na concessão de licenciamentos ambientais. 

Acredite então. Foi justamente esse licenciamento ambiental que a maioria da Câmara dos Deputados resolveu flexibilizar ao aprovar, no dia 13 de maio, o texto principal do relatório do deputado Neri Geller (PP-MT) sobre o Projeto de Lei (PL) nº 3.729/2004, da Lei Geral do Licenciamento Ambiental. 

O PL restringe, enfraquece ou, em alguns casos, até extingue parte importante dos instrumentos de avaliação, prevenção e controle de impactos socioambientais de obras e atividades econômicas no país. Trata-se da pior e mais radical proposta já elaborada no Congresso sobre o assunto e que, na prática, torna o licenciamento convencional uma exceção, na avaliação da Frente Parlamentar Ambientalista, de pesquisadores e organizações da sociedade civil. 

Para eles, se transformado em lei, o projeto pode produzir recordes de desmatamento em série, em especial por eliminar restrições à destruição da floresta, em geral estimulada por grandes obras de infraestrutura na Amazônia, como estradas e hidrelétricas.


Entenda os principais problemas do PL 3.729/2004

1. Dispensa de licenciamento para agricultura, pecuária e silvicultura, além de mais 13 tipos de atividades com impactos ao meio ambiente.

2. Brecha para disputa entre estados e municípios, que poderão estabelecer regras de licenciamento menos rígidas do que as de outras unidades da federação para atrair empresas e investidores.

3. Licença autodeclaratória (LAC), emitida automaticamente sem análise prévia de órgão ambiental, passa a ser a regra. Na prática, torna o licenciamento exceção ao invés de regra.

4. Restrições à participação popular no licenciamento, inclusive das comunidades impactadas por empreendimentos.

5. Ameaça às Unidades de Conservação, Terras Indígenas não totalmente demarcadas (41% do total) e Territórios Quilombolas não titulados (87% do total), porque a análise dos impactos dos empreendimentos sobre essas áreas não será mais obrigatória.

6. Restrição à participação no licenciamento de órgãos como Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Funai, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Ministério da Agricultura e Ministério da Saúde.

7. Bancos e outras instituições que financiam os empreendimentos não terão mais nenhuma responsabilidade socioambiental, ou seja, caso haja danos ao meio ambiente ou tragédias, como a de Brumadinho, eles poderão dizer que não têm nada a ver com o problema.

8. O PL não trata de qualquer questão ligada às mudanças climáticas.


Conheça algumas avaliações sobre o PL

“O projeto, se também for aprovado no Senado, ainda mais sem a participação dos povos e comunidades impactados, constituirá frontal violação aos direitos constitucionais dos povos indígenas, especialmente de seus direitos territoriais. Seu objetivo é impor severos impactos às Terras Indígenas, assim como aos Territórios Quilombolas, Unidades de Conservação e áreas de proteção, bem como ao Patrimônio Histórico e Cultural, sem que sequer sejam objeto de avaliação de impacto ou de medidas de prevenção, mitigação e compensação”. 

Nota pública assinada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Coordenação de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), além de mais 24 redes e organizações. 


“É uma afronta à sociedade brasileira. O país no caos em que se encontra e os deputados aprovam um projeto que vai gerar insegurança jurídica, ampliar a destruição das florestas e as ameaças aos povos indígenas, quilombolas e Unidades de Conservação. Assistimos, hoje, a uma demonstração clara de que a maior parte dos deputados segue a cartilha do governo Bolsonaro e vê a pandemia como oportunidade para ‘passar a boiada’ e atender a interesses particulares e do agronegócio”. 

Luiza Lima, Greenpeace Brasil


“É a Lei do ‘Deslicenciamento’. Esse projeto instala no Brasil o autolicenciamento ambiental como regra. Para dar apenas um exemplo, dos dois mil empreendimentos sob licenciamento ambiental em curso na capital do Brasil, 1.990 passarão a ser autolicenciados a partir do primeiro dia de vigência da nova lei”.

 André Lima, Instituto Democracia e Sustentabilidade


“O texto aprovado é tão nefasto que, de uma só vez, põe em risco a Amazônia e demais biomas e os recursos hídricos, e ainda pode resultar na proliferação de tragédias como as ocorridas em Mariana e Brumadinho e no total descontrole de todas as formas de poluição, com prejuízos à vida e à qualidade de vida da população. Por fim, pode se transformar na maior ameaça da atualidade às áreas protegidas e aos povos tradicionais”.  Maurício Guetta, Instituto Socioambiental


“Com a aprovação da ‘Mãe de Todas as Boiadas’, a Câmara dos Deputados, sob a direção do deputado Arthur Lira, dá as mãos para o retrocesso e para a antipolítica ambiental do Governo Bolsonaro. É o texto da não licença, da licença autodeclaratória e do cheque em branco para o liberou geral. Implodiram com a principal ferramenta da Política Nacional do Meio Ambiente. Quem pagará a conta da degradação são os cidadãos brasileiros, que vão sustentar a opção daqueles que querem o lucro fácil, sem qualquer preocupação com a proteção do meio ambiente e com as futuras gerações. Judicialização e insegurança jurídica são o que eles terão como resposta”.

 Suely Araújo, Observatório do Clima


“O texto não considera a Avaliação Ambiental Estratégica, o Zoneamento Econômico Ecológico e a análise integrada de impactos e riscos, além de excluir o controle social dos princípios do licenciamento ambiental. Dessa forma, afeta diretamente as políticas públicas de recursos hídricos e unidades de conservação”.

 Malu Ribeiro, Fundação SOS Mata Atlântica


“O texto aprovado produzirá uma avalanche de problemas sociais e ambientais não avaliados e não mitigados por empreendimentos de significativo impacto ambiental. Os órgãos ambientais não terão condições de se manifestar a tempo, pois o prazo é impraticável, além de estarem sucateados e silenciados. Os parlamentares aprovaram um desastre que precisa ser revertido no Senado, ou no STF”.

 Alessandra Cardoso, Inesc


“Lamentável o desmonte do licenciamento ambiental. Um texto enviesado, discutido a portas fechadas com governo, ruralistas e industriais, que ignora o princípio da precaução e atropela os fundamentos do direito ambiental. É repleto de inconstitucionalidades e vai gerar enorme insegurança jurídica para os empreendedores. Liberar geral para depois responsabilizar é um contrassenso total, que o digam os povos e comunidades tradicionais impactados em todo o país, as vítimas de Brumadinho e Mariana”.

 Guilherme Eidt, ISPN.


Vamos detonar juntos esse PL?

O Projeto de Lei (PL) nº 3.729/2004 segue agora para o Senado. Se sofrer mudanças, volta a ser debatido na Câmara, mas apenas as alterações serão analisadas. Se for aprovado pelos senadores como está, segue para sanção presidencial. Por motivos óbvios, nada a esperar de positivo do presidente que não acredita em aquecimento global. 


Portanto, o caminho da nossa mobilização e pressão para barrar esse PL é o Senado Federal. Lembrando que vários senadores disputarão a reeleição e mesmo outros cargos no pleito de 2022.  Para conhecer e pressionar os senadores acesse: https://www25.senado.leg.br/web/senadores  e acompanhe o Pavio Curto nas redes sociais. 


Saiba como votaram os deputados federais do RJ

Contra o PL  - 10

Alessandro Molon (PSB-RJ) -votou Não

Benedita da Silva (PT-RJ) -votou Não

Chico D´Angelo (PDT-RJ) -votou Não

Clarissa Garotinho (PROS-RJ) -votou Não

David Miranda (PSOL-RJ) -votou Não
Glauber Braga (PSOL-RJ) -votou Não

Jandira Feghali (PCdoB-RJ) -votou Não

Marcelo Freixo (PSOL-RJ) -votou Não

Paulo Ramos (PDT-RJ) -votou Não

Rodrigo Maia (DEM-RJ) -votou Não


A favor do PL  - 28

Altineu Côrtes (PL-RJ) -votou Sim

Carlos Jordy (PSL-RJ) -votou Sim

Chiquinho Brazão (Avante-RJ) -votou Sim

Chris Tonietto (PSL-RJ) -votou Sim

Daniel Silveira (PSL-RJ) -votou Sim
Daniela Waguinho (MDB-RJ) -votou Sim

DelAntônioFurtado (PSL-RJ) -votou Sim 

Dr.Luiz Antonio Jr (PP-RJ) -votou Sim

Felício Laterça (PSL-RJ) -votou Sim

Gelson Azevedo (PL-RJ) -votou Sim

Gurgel (PSL-RJ) -votou Sim
Helio Lopes (PSL-RJ) -votou Sim

Hugo Leal (PSD-RJ) -votou Sim

Jorge Braz (Republican-RJ) -votou Sim

Juninho do Pneu (DEM-RJ) -votou Sim

Lourival Gomes (PSL-RJ) -votou Sim

Luiz Lima (PSL-RJ) -votou Sim
LuizAntônioCorrêa (PL-RJ) -votou Sim

Major Fabiana (PSL-RJ) -votou Sim

Márcio Labre (PSL-RJ) -votou Sim

Marcos Soares (DEM-RJ) -votou Sim

Otoni de Paula (PSC-RJ) -votou Sim

Paulo Ganime (Novo-RJ) -votou Sim

Professor Joziel (PSL-RJ) -votou Sim

Ricardo da Karol (PSC-RJ) -votou Sim

Rosangela Gomes (Republican-RJ) -votou Sim

Soraya Santos (PL-RJ) -votou Sim
Vinicius Farah (MDB-RJ) -votou Sim


Faltaram a votação -  8

Aureo Ribeiro (Solidaried-RJ) 

Christino Aureo (PP-RJ)
Flordelis (PSD-RJ)

Gutemberg Reis (MDB-RJ)

Otavio Leite (PSDB-RJ)
Pedro Augusto (PSD-RJ)

SóstenesCavalcante (DEM-RJ)

Talíria Petrone (PSOL-RJ)



Referências: Instituto Socioambiental (ISA); Observatório do Clima; Congresso em Foco


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