quinta-feira, 17 de junho de 2021

Suzana Guarani fala sobre futebol indígena feminino

Suzana Para’í Guarani:  

“Eu gosto de jogar com as meninas, correr, às vezes a gente escorrega e cai na lama. É paixão pelo futebol!”



Crédito da imagem/arquivo pessoal Suzana Para'í


 Por Mani Ceiba e Alvaro Britto

Flor Pequena do Mar é o significado do seu nome. Suzana Para,í é do povo Guarani, tem 22 anos e mãe de Lucas Tupã, de seis anos de idade. Mora na aldeia ‘Tekoa Ka’ Aguy Ovy Porã’ (Mata Verde Bonita em guarani), localizada há sete anos no bairro São José de Imbassaí, município de Maricá, região litorânea do Rio de Janeiro, onde habitam atualmente 120 indígenas. 

Suzana foi entrevistada na tarde do dia 9 de junho, de forma virtual devido à pandemia. O assunto era a prática do futebol feminino pelas mulheres indígenas, mas como boa prosa, o tema foi bem mais abrangente e cheio de informações. 

Joga mulher com mulher, com homem. O juiz é um homem porque nós mulheres queremos mesmo jogar e não apitar. Mas poderia ser mulher”

Essa paixão pelo futebol não é só da Aldeia Mata Verde Bonita nem apenas do povo Guarani.  Há vários torneios oficiais disputados por inúmeros povos indígenas em regiões de todo o Brasil. No Xingu, maior parque indígena do país, por exemplo, toda aldeia indígena possui ao menos um campo de futebol, independentemente de seu tamanho ou etnia. E na maioria delas, existe um campo de futebol apenas para as mulheres, que jogam todos os dias. As mulheres sempre tiveram participação importante no desenvolvimento das sociedades indígenas, e no futebol não é diferente, tendo os times femininos grande popularidade. 

Estudos comprovam que as origens do chamado “velho esporte bretão” estão longe da Inglaterra. Os britânicos apenas criaram no século XIX as principais regras atuais do futebol, que vem sendo praticado há muitos séculos antes de chegar à Europa. Na China, registros indicam que o pontapé inicial foi dado há mais de 2,5 mil anos. Já na América, o jogo de bola mesoamericano era praticado ao longo de mais de 3.000 anos por povos como os Astecas e mais tarde os Maias. Na Amazônia, há relatos de que etnias já desaparecidas praticavam o jogo de bola com os pés antes da invasão dos colonizadores.



“Desde pequena a gente já começa a jogar. Tenho duas irmãs de 6 e 8 anos, elas já começaram, querem jogar com as mais velhas, mas eu não deixo ainda”

Suzana Para,í joga como zagueira no time de futebol feminino da aldeia. Suas irmãs de 6 e 8 anos também já começaram. Querem jogar com as mais velhas, mas Suzana só deixa com as pequenas.  Ela disse que há uniformes nas cores rosa e azul, “mas usamos misturados e às vezes pegamos emprestado os azuis dos meninos”. 

Na aldeia Mata Verde Bonita há dois campos, um grande e outro pequeno para treinos de dois times de seis jogadoras cada. As traves do gol são de bambu e a duração dos jogos femininos é de 45 minutos.  O técnico do time é um indígena da própria aldeia. Mesmo os indígenas que não jogam assistem e torcem para os times, principalmente nos jogos ou treinamentos que acontecem no sábado ou domingo.  


“Temos jogos indígenas em abril, todos os anos. Vêm povos diferentes de muitas aldeias, de vários estados do Brasil. Vêm de ônibus. Meninos, meninas para jogar, arco-flecha, corrida de tora. É muito bom!”

Os jogos indígenas realizados anualmente em Maricá estão suspensos desde 2020 devido à Pandemia. Eles são organizados diretamente pelos caciques das aldeias que entram em contato e convidam os outros povos. Normalmente participam, além dos Guaranis, aldeias de Pataxós e Fulniôs do Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e do Nordeste.  A expectativa é grande para o retorno dos jogos após o fim do isolamento social.

Suzana Para,í é torcedora do Flamengo. E, segundo ela, a grande maioria dos indígenas da Aldeia Mata Verde Bonita também é adepta do rubro-negro carioca. Eles costumam assistir os jogos e torcerem juntos pelo Flamengo. Suzana disse que a maioria dos meninos, e também das meninas, sonha em ser jogador de futebol profissional. “Não só aqui, mas também nas outras aldeias. Eu jogo porque gosto muito mesmo, mas tenho outros planos”, afirmou a indígena guarani.  


“Nasci na aldeia Araponga em Paraty. Mudamos pra Camboinhas, em Niterói, quando tinha uns 7 ou 8 anos e depois viemos para cá”

A Aldeia foi criada há sete anos em uma área de 93 hectares doada pela Prefeitura de Maricá, que envia um caminhão pipa duas vezes por semana para a suprir o abastecimento de água potável da aldeia. “Para lavar as coisas e tomar banho, usamos água do poço”, informou Suzana.  Ela contou ainda sobre a existência de plantações de mandioca, milho, abóbora e banana, além da criação de animais e também a produção e comercialização de artesanato.

Há uma escola municipal na aldeia indígena para os que cursam o ensino fundamental de primeira à quinta série (os professores também ensinam a língua guarani). As séries seguintes são oferecidas em outras escolas fora da aldeia.  


“Aqui não aconteceu nada de grave na pandemia. Nós nos isolamos totalmente. Temos os mais velhos e queremos protegê-los porque ainda têm muita sabedoria para passar pra gente”

Todos os indígenas foram imunizados com as duas doses da vacina contra a Covid-19, mas mesmo assim a aldeia está fechada para visitas. Com isso, a venda de artesanato tem sido prejudicada. 

“Somos privilegiados aqui na nossa aldeia. Não corremos o risco de ser expulsos ou invadidos, somos protegidos por Nhanderu (Deus). Mas não é assim em todas. Muitas aldeias passam dificuldades. Passam fome. Eu visito outras aldeias, a gente faz doações. Porque temos que ter amor e proteger a todos os povos”, afirmou Suzana Para,í.

“Quero ser advogada para defender meu povo e todos os povos indígenas. Tô terminando meus estudos e depois vou fazer Direito”

Suzana costuma visitar outras aldeias, onde representa a sua. “Por causa disso, sou considerada uma jovem liderança”, revelou a indígena. E história familiar é que não falta. Sua tia Jurema Nunes Guarani é a atual cacique da aldeia, cargo que ocupa há dois anos, enquanto seu pai, que é professor, também já foi cacique da Mata Verde Bonita. 

E não é só. A atuação política também está nos planos de Suzana Para,í. Na eleição municipal de 2020, foi a primeira candidata indígena de Maricá, concorrendo ao cargo de vereadora pelo PDT.   Não conseguiu a vitória mas não desistiu. “Eu acho muito importante indígenas lutarem nesses espaços também”, defendeu a jovem guarani. 





Mais uma reportagem com uma entrevista explosiva onde o Pavio Curto abraça a pauta indígena, não para falar ou contar histórias de indígenas, mas para ouvi-los como protagonistas que são. A essência dessa reportagem é mostrar como os jogos são uma tradição indígena e o futebol como uma paixão dessa tradição é levada a sério por homens e mulheres da aldeia. Mulheres jogadoras de futebol na aldeia são respeitadas e gostam muito dessa prática.


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