domingo, 5 de setembro de 2021

Reforma administrativa

Entidades do funcionalismo se mobilizam contra a PEC-32

População será a maior prejudicada com a precarização dos serviços públicos


Por Alvaro Britto e Clóvis Lima 

Em setembro de 2020, o governo Bolsonaro enviou ao Congresso Nacional proposta de Emenda Constitucional da Reforma Administrativa (PEC/32/2020) com a justificativa de combater “privilégios” do serviço público no Brasil. Sem discussão com a sociedade, não houve apresentação de nenhum estudo técnico que apontasse tais privilégios ou sustentasse a máxima de que o Estado brasileiro é muito grande. 

A flexibilização da estabilidade no emprego e do concurso para o acesso ao serviço público são duas questões que mais preocupam na proposta do governo. Isso tem gerado a oposição e mobilização das entidades representativas do funcionalismo, que buscam pressionar os deputados e senadores para rejeitarem a PEC-32. 

A grande maioria da população, entretanto, que será a maior prejudicada com a aprovação da proposta de Bolsonaro e a consequente queda de qualidade nos serviços públicos, ainda está alheia ao debate da reforma administrativa. 

Fim dos privilégios?

Um estudo feito por Wellington Nunes (UFPR) e José Celso Cardoso Júnior (Ipea) mostra onde estão os privilegiados em termos de remuneração no serviço público federal. Eles usaram uma base de dados produzida pelo Atlas do Estado Brasileiro, a partir da Relação Anual de Informações Sociais, que contém estatísticas relativas aos vínculos de trabalho ativos e permanentes do setor público federal civil brasileiro, nos três poderes, para os anos de 2000, 2005, 2010, 2015 e 2018. 

A conclusão a que chegaram é que a remuneração acima do teto do funcionalismo público está muito longe de ser exorbitante. Ficou óbvio que a elite do funcionalismo público federal é fácil de ser encontrada, principalmente no Ministério Público da União, Tribunais Regionais e Superiores, na Câmara dos Deputados, no Senado, no Tribunal de Contas da União e no Ministério das Relações Exteriores.

Mas muitas dessas funções não estão incluídas na proposta de Reforma Administrativa apresentada pelo governo. Caso o texto seja aprovado como está, ficam de fora promotores, juízes e parlamentares. O texto traz poucas alterações para a carreira militar, mas concede maior flexibilidade para acumulação de cargos. O que nos leva ao questionamento: será que essa reforma realmente foi pensada para combater privilégios?

Qual a importância da estabilidade?

A estabilidade existe não como privilégio, mas para impedir que cargos (sobretudo técnicos) fiquem à mercê das mudanças dos mandatos políticos e que haja nepotismo, com a nomeação direta ou cruzada de parentes e apadrinhados políticos. 

Com o fim da estabilidade e a transferência de funções técnicas e gerenciais a servidores que não são de carreira, as chances de impacto negativo no andamento de processos e serviços é imensa, o que gerará também, é claro, uma perda significativa de qualidade no serviço prestado ao cidadão.

Dia nacional de luta

No dia 18 de agosto, entidades representativas do funcionalismo público foram às ruas em todo o Brasil, com apoio das centrais sindicais, Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular e do movimento Fora Bolsonaro! Algumas categorias, mais mobilizadas, chegaram a paralisar suas atividades durante o dia. O objetivo foi informar e denunciar para a população os ataques da proposta de reforma administrativa de Bolsonaro ao serviço público federal, estadual e municipal. 

Para conhecer e trazer esse importante debate sobre mais uma proposta antipopular deste governo de extrema-direita e neoliberal, o Pavio Curto entrevistou lideranças do funcionalismo público que participaram das manifestações no dia 18 de agosto em Resende e Barra do Piraí, na região Sul Fluminense.  

“A população ainda não está consciente da precarização que a reforma causará nos serviços públicos”

Georvânio Paulo, presidente do Sindicato dos Funcionários Públicos do Município de Resende 

“O mais grave é a impossibilidade de progressão salarial impedindo benefícios vinculados ao tempo de serviço e gratificações, como a dos médicos lotados dentro do Hospital, por exemplo. Os salários permanecerão achatados”. 

“A população ainda não está consciente dos prejuízos da precarização que a reforma causará nos serviços públicos. Daí a importância de estarmos nas ruas explicando, informando e denunciando”. 

“A reforma só aumenta a desigualdade social de Resende, afetando a vida das famílias de mais de 5 mil servidores e de toda a população que utiliza os serviços públicos”. 

“A maioria dos servidores ainda não está mobilizada contra a reforma mas o sindicato está trabalhando junto à base nesse sentido”. 

“O governo federal interfere diretamente no município através de várias normas e leis. Em Resende, o prefeito não atende o sindicato e os direitos são atingidos. Só conseguimos reverter após decisão judicial. A sua política local é um espelho do bolsonarismo”. 

“A participação dos servidores públicos é urgente e necessária para  garantir a sua existência enquanto categoria”. 



“Aqui só se fala em retirada de direitos e nesse ritmo daqui a pouco voltamos à escravidão” 

Eulália Citroni, diretora do SEPE, núcleo de Resende

“Considero muito grave na PEC 32 que ela prejudica a população que mais precisa do serviço público, os pobres, já que a desigualdade só aumentará com a precarização. E a população ainda não acordou para isso”. 

“A PEC também significa os fim dos concursos, possibilitando as nomeações políticas. No caso dos servidores, a maioria acredita enganada que não será atingida pela reforma, só as próximas gerações”. 

“Alguns prefeitos, como o de Resende, são imediatistas e ainda não perceberam que essas medidas vão inviabilizar futuros governos. Estão preocupados com obras de fachada. A reforma irá impactar os servidores e a população em geral, sobrecarregando o serviço público”. 

“Essa manifestação é um ato de resistência e um tapa na cara de um município majoritariamente bolsonarista. Precisamos continuar realizando seguidos atos pequenos, manter a mobilização”. 

“Somos poucos mas não estamos errados”. 

“Devemos buscar a justiça, o povo precisa ser lembrado e ter sua importância reconhecida no Brasil. Aqui só se fala em retirada de direitos e nesse ritmo daqui a pouco voltamos à escravidão”. 


“É uma proposta cruel, que aprofunda ainda mais a desigualdade ao prejudicar a qualidade do serviço prestado”

Cláudia Luisa, presidente da Associação dos Professores Municipais de Resende (APMR) 

“O mais negativo da PEC é a perda da estabilidade, que afeta diretamente os profissionais de educação e saúde. É uma proposta cruel, que aprofunda ainda mais a desigualdade ao prejudicar a qualidade do serviço prestado”. 

“A estabilidade nunca foi absoluta, está prevista a demissão após processo administrativo, garantida a ampla defesa. Com a reforma, cargos comissionados indicados por políticos poderão até dar aula, afetando a qualidade da educação”. 

“O salário dos professores pouco representa na folha, já que não recebemos aumento há nove anos. A PEC significa perda de direitos também para quem está na ativa”. 

“Entre os professores, há uma parcela consciente e mobilizada, mas a maioria ainda não tem real noção das consequências da reforma. E há ainda os que fazem a chamada “jornada dupla”, ficam dependentes e evitam se manifestar”.  

“O prefeito bolsonarista de Resende defende a PEC da reforma. Isso é coerente com sua condução autoritária da administração e com o abandono de políticas públicas populares. Na prática, já aplica a reforma com o corte de direitos e precarização dos serviços”. 

“A PEC aumenta ainda mais a desigualdade social com a precarização do trabalho do funcionalismo. Isso diminui a qualidade dos serviços prestados e prejudica toda a população, inclusive servidores da ativa e aposentados. A reforma não afeta promotores, judiciário, militares e parlamentares, cargos de direção na prefeitura e na câmara. Só aumenta o abismo social”. 


“Os servidores que recebem salários altíssimos não serão atingidos pela PEC, como juízes, procuradores e generais”

Clarice Ávila, diretora do SEPE, núcleo de Barra do Piraí

“Essa proposta de emenda constitucional, se aprovada pelo Congresso, vai promover o fim do serviço público como está garantido na Constituição. A PEC 32 acaba com a estabilidade do funcionalismo e trará mais arrocho salarial, término do regime jurídico único e apadrinhamento político com a submissão do servidor aos governantes”.

“O discurso do Bolsonaro é que a PEC vai acabar com os privilégios, com os altos salários dos servidores, mas como sempre Bolsonaro mente porque a massa dos funcionários públicos recebe baixos salários e trabalha em péssimas condições. Os servidores que recebem salários altíssimos não serão atingidos pela PEC, como juízes, procuradores e generais”.

“A PEC da Reforma Administrativa na verdade vai atingir em cheio os servidores que trabalham diretamente nos serviços essenciais, como professores, médicos, enfermeiros, entre outros. Diga não à PEC 32!”


Próximos passos

Após passar pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, onde foi analisada sua constitucionalidade, a proposta se encontra em Comissão Especial designada a analisar o seu mérito, que é presidida pelo Deputado Fernando Monteiro (PP-PE) e com o deputado Arthur Maia (DEM-BA) como relator. A previsão é que o relatório seja votado nas próximas semanas. 

Se for aprovado, ele vai para deliberação do plenário da Câmara. Nele, a PEC precisa de quórum qualificado para sua aprovação, ou seja, no mínimo, 308 votos favoráveis dos 513 deputados, em dois turnos. Depois, o texto segue para o Senado Federal, onde precisará de 49 votos, também em dois turnos. Caso a PEC que saiu da Câmara não tenha sido alterada pelo Senado, o texto é promulgado em sessão no Congresso pelo Presidente da República e entra, então, em vigor. Caso seja alterada, volta para Câmara.

A hora então, junto com as mobilizações de rua e nas redes, é a pressão sobre os deputados e senadores.

Acesse https://napressao.org.br/campanha/diga-nao-a-reforma-administrativa

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