quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Descaso ao ciclismo: a mobilidade que conecta meio ambiente, corpo e coletivo

Por Samara Balieiro 


O ciclismo é mais que um esporte e possui diversos benefícios para a saúde, para o meio ambiente e para o espaço urbano. A prática auxilia na perda de peso, no combate ao sedentarismo, no fortalecimento da musculatura e estimula uma melhor respiração e circulação sanguínea, além de reduzir o estresse e proporcionar menor risco de desenvolver depressão e ansiedade ao fornecer benefícios psicológicos e sociais. 

O ciclismo ainda promove proteção para o ambiente social como um todo. Optar pelo uso da bicicleta contribui com a redução da emissão de carbono, auxilia a eficiência do trânsito e permite a confluência do espaço urbano com a atividade física.

Apesar de inúmeras qualidades do ciclismo, a prática é pouco incentivada. Existem mais bicicletas do que carros no Brasil. São cerca de 50 milhões de bikes contra 41 milhões de automóveis, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Apesar disso, apenas 3% das viagens diárias no país são realizadas por ciclistas, enquanto 25% são feitas com automóveis, segundo a Agência Nacional de Transportes Públicos (ANTP). O risco de morte é um dos principais motivos para esses números.

De acordo com a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (ABRAMET), na última década, mais de 13 mil ciclistas morreram após se envolverem em algum tipo de incidente; 60% são vítimas de atropelamento. O Sistema de Informações Hospitalares (SIH) e o Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), ambos do Ministério da Saúde, informaram que em 2020, só em junho, foram registradas 690 internações no SUS, reforçando a urgência de medidas que disponibilizem mais segurança para aqueles que utilizam esse meio de transporte.

Segundo Luís Felipe César, jornalista especializado em gestão ambiental e desenvolvimento sustentável, para incentivar e garantir a segurança do ciclista é preciso modificar o espaço físico. “Existe a necessidade de se fazer mais ciclovias e desenvolver percursos que façam sentido conforme a dinâmica da cidade, a dinâmica dos trajetos entre escola e residência ou entre trabalho e residência”, comentou o jornalista.

Uma alternativa mais barata e segura

Com o alto preço do combustível e com os transportes públicos lotados em meio à pandemia do novo coronavírus, o número de ciclistas aumentou em todo o Brasil. De acordo com a Aliança Bike, que reúne lojistas e empresas voltadas ao esporte sustentável, as vendas de bicicletas cresceram 34,17% no primeiro semestre de 2021 em relação ao mesmo período em 2020. Consequentemente, acidentes envolvendo ciclistas aumentaram 30% nos cinco primeiros meses de 2021, segundo a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (ABRAMET). 


 “Sempre que possível, considere andar de bicicleta ou caminhar: isso proporciona distanciamento físico, ajudando a cumprir o requisito mínimo para a atividade física diária, que pode ser mais difícil devido ao aumento do teletrabalho e acesso limitado ao esporte e outras atividades recreativas” – Guia sobre locomoção durante a pandemia, publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Fabrício dos Santos, ciclista, personal trainer e maratonista relatou que “a bicicleta hoje em dia, como meio de transporte para mim, funciona de segunda à sábado. Como eu trabalho como personal trainer, giro a cidade quase toda de bike, o tempo todo, durante a semana. Aos finais de semana a bike vira meu lazer.”

Apesar da experiência e de utilizar a bicicleta desde os quatro anos de idade em Itatiaia (RJ), onde cresceu, Fabrício comenta que desenvolveu atenção redobrada. “Tenho uma falsa segurança no meu pedalar, mas é muito perigoso andar de bike na nossa região, são muitos motoristas, ciclistas e pedestres que não respeitam a sinalização básica”, queixou-se. 

Rafael Ribeiro, que utiliza a bicicleta como meio de transporte na cidade de Resende (RJ), aponta o mesmo problema. “Nos horários de pico é bem complicado, em torno de 18h, 19h ou no horário de almoço. É bizarro, principalmente nas pontes do centro. Os carros, principalmente os ônibus, passam bem grudados com você, chega a assustar, às vezes parece que fazem de propósito”, conta.

Sobre a divisão do espaço urbano no trânsito, o jornalista Luís Felipe César alerta sobre a importância da sinalização adequada das ciclovias e que haja programas intensos de educação para o trânsito. “Essa educação abrange tanto os ciclistas quanto os motoristas e até o pedestre, sempre com apoio da guarda municipal, responsável pela aplicação da legislação de trânsito”, explicou.

A sobrevivência do ciclismo no Sul-Fluminense por meio do esporte e do turismo

No Sul-Fluminense o ciclismo é incentivado principalmente pelo esporte e pelo turismo. Em 2018, em sua segunda edição no Brasil, o Gran Fondo New York foi disputado na região com cerca de 1.500 ciclistas inscritos, a maior maratona da modalidade no mundo, com percurso longo de 160km, e médio, com 88km e ainda a inclusão de duas novas serras do histórico Vale do Café. 

Há também o projeto O Circuito, que conecta as cidades do sul do estado através de um circuito turístico com intenção de criar maior contato com o meio ambiente e peculiaridades de cada região. O projeto promove a conexão do caminho das Agulhas Negras com o Vale do Café, logo, os ciclistas precisam trafegar pela Rodovia Presidente Dutra, onde não são raros acidentes envolvendo ciclistas, atletas e até romeiros, que realizam por tradição o percurso até a cidade de Aparecida, em São Paulo. 

Para solucionar esse problema e promover mais segurança aos ciclistas e incentivar a prática como transporte, lazer ou esporte, o jornalista Luís Felipe César, que também presidiu a Agência do Meio Ambiente de Resende (2006-2008) relata que o primeiro passo é ouvir o cidadão que pratica o ciclismo, a partir de um processo de consulta executado pelo poder público. “Poderiam ser ouvidos ciclistas que usam a bicicleta como meio de transporte e os que usam como esporte, para saber o que pensam, quais são suas as dificuldades e pedir sugestões. Acho que esse deve ser o ponto de partida para qualquer ação.” 

*Estudante de Jornalismo

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