quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Realidade na ponta do lápis: artistas usam desenhos como movimento social

Censura e dificuldades financeiras fazem parte da história de profissionais conceituados da região


Por Ana Júlia Pompeu e Polliana Amurim*


Desde os primórdios, a arte de desenhar esteve muito presente em nossa sociedade. O homem sempre sentiu necessidade de se expressar através de ações artísticas. Um exemplo disso são as pinturas rupestres, realizadas no período Paleolítico e o Neolítico, feitas em paredes e rochas de cavernas e ao ar livre, que, segundo historiadores, eram criadas pelo homem para mostrar a natureza que estava a sua volta e até mesmo seus desejos.

Com o passar do tempo, as expressões artísticas, em especial os desenhos, foram ganhando cada vez mais espaço e, hoje estão inseridos em nosso dia a dia, por meio de revistas, jornais, filmes e através das redes sociais. Atualmente, muitos profissionais têm usado sua arte como instrumento para dar voz às causas sociais, sejam através de ilustrações, charges, tatuagens e grafite. Afinal, o ser humano tende a expandir seus pensamentos em diversas formas de organização, sejam lutas por direitos sociais, comunicativo-culturais ou políticos de cidadania.

As ilustrações são imagens que passam alguma mensagem e que pretendem informar ou explicar algum assunto. Elas podem acompanhar textos ou serem usadas sozinhas, desde que cumpram a função de comunicar. Muitos artistas enxergam suas criações como uma extensão de si mesmo, pois podem refletir suas opiniões e também é uma forma de liberar sua voz.


É o caso da ilustradora Mani Ceiba. “Sempre desenhei, desde criança. Funcionava como uma forma de comunicação mesmo. Somente através dos desenhos eu conseguia expressar melhor o que eu sentia. Com 17 anos eu entrei na escola Panamericana de Artes em São Paulo”, contou a artista.

Já a charge, que é um gênero textual, tem como principal característica fazer uma crítica através do humor de uma forma criativa e descontraída. É sempre desenhada como uma caricatura e, geralmente, trata de temas pertinentes como política, questões sociais, economia, atualidade, arte e outros.

O chargista Cristóvão Villela é um dos profissionais que fazem parte deste movimento. “A minha carreira como desenhista começou quando eu tinha 14 anos, eu fazia caricatura na escola e fui convidado a trabalhar em um jornal. A charge é um ponto crítico, é crítica ao que estiver acontecendo e eu faço isso com muito humor. Sempre procuro fazer isso a partir das minhas ideias”, afirmou Cristóvão.




O ilustrador Clóvis José de Lima também iniciou sua carreira ainda adolescente e hoje tem seu trabalho divulgado em diversos veículos regionais. “Com 14 anos pintava cartazes numa rede de supermercados e logo aos 15 anos fui para o Sindicato dos Metalúrgicos para fazer charges nos boletins. Passei pela Gráfica Gazetilha como desenhista e depois publiquei no Jornal do Vale um jornal tabloide que circulava na região. Lá fazia charge, tiras em quadrinhos, ilustrava matérias e até desenhava a descrição de crimes na página policial”, completou Clóvis.


Censura nos dias atuais?

Infelizmente, a censura sempre esteve relacionada quando falamos sobre manifestações artísticas, obras literárias, meios de comunicação e liberdade de expressão. Ao longo dos anos, diversos artistas e meios de comunicação foram perseguidos, e lutaram para conseguir o seu lugar, porém o que parece tão distante ainda é uma batalha para eles. 


Em 2020, foi divulgada uma carta aberta assinada pela Associação dos Cartunistas do Brasil, a Associação dos Quadrinistas e Caricaturistas do Estado de São Paulo, o Instituto Memorial das Artes Gráficas do Brasil e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, após o governo solicitar a Polícia Federal e ao Ministério Público a abertura de investigação sobre uma charge - que fazia alusão à falta de medidas sanitárias durante a pandemia - feita por Renato Aroeira. 


Em cidades do interior também é possível presenciar atos de censura. Cristóvão revelou que já passou por alguns problemas com veículos de comunicação, e até políticos que não concordavam com seu trabalho.  


“Minha charge já foi censurada em um jornal que tinha ideias diferentes, já teve vereador que veio aqui em casa me ameaçar. Já tive censura até com o Facebook, minha página foi bloqueada pelas charges. Foi difícil recuperá-la, mas conseguimos”, relatou.

Clóvis afirmou que situações de censura também são comuns dentro das redações. “Não é algo explícito, mas acontece de forma velada. Já fui processado também por uma empresa estrangeira por associar a marca deles às vezes. Tive também charges censuradas através de uma liminar emitida pela prefeitura de Volta Redonda, que me impedia de desenhar um prefeito ou críticas a ele, depois de um ano a liminar caiu, mas não achei que valesse a pena mais desenhar a figura”, completou o ilustrador.

Mani, que busca retratar em muitos dos seus desenhos mulheres de formas naturais e sem amarras, também sofreu represálias. “Eu já fiz muito desenho considerado erótico e não tive uma censura exatamente, mas sim julgamento, preconceitos, falta de noção e um tipo de confusão de algumas pessoas. Também tive uma perseguição de religiosos uma época”, lembrou Mani.


Portfólio de dificuldades 

Seguir uma carreira como artista no Brasil não é fácil, e claro que os desenhistas não ficariam de fora. São inúmeros fatores que levam essa profissão ser tão desvalorizada, como questões de renda, tempo e concorrência. Mani relata que a falta de incentivo e reconhecimento é uma das partes mais difíceis. “Pressão da família e cobranças de que arte não é profissão me fizeram tentar outras coisas, mas nada me dá a mesma satisfação. Acabo me chateando rápido e desistindo no meio”, completou a artista.

Já Clóvis acredita que há dificuldades ligadas aos freelancers, que são profissionais autônomos. “As redes sociais ajudam a nos manter informados e ativos, porém não como trabalho remunerado. Quem se dedica a essa área também tem que pagar suas contas, não é só militância e nesse aspecto o espaço para a profissão de chargista minguou muito de uns tempos para cá. Poucos jornais contratam chargistas. Jornais mais tradicionais como O Globo, O Dia e outros mantêm ainda esses profissionais, porém é pouco para um país tão grande e cheio de talentos”, finalizou Clóvis. 

Além das dificuldades ‘comuns’ da profissão, há profissionais que lidam com a questão de ser mulher num universo ainda dominado por homens. É o caso de Mani, que afirma que há muitos casos de machismo velado na indústria. 

“Já ouvi de que estavam procurando um homem, já escutei que no ambiente só tem homens e que eu não ia me sentir à vontade. Também já escutei que estavam procurando uma mulher porque precisavam de trabalho mais delicado. Existe a situação de que alguém está te dando uma chance por ser mulher e não pelo seu trabalho. Mas o negócio é pisar com força e seguir em diante”, completou Mani.

Apesar das dificuldades, desde o início do ano, os três trabalham juntos, voluntariamente, no jornal digital Pavio Curto, onde têm ampla liberdade e, mais que isso, decidem coletivamente a linha editorial.

É inegável a importância desses artistas em nossa região e consequentemente em nosso país. É por causa deles e de seus trabalhos que a liberdade de expressão de forma criativa é uma realidade que vem crescendo. Suas ilustrações nos fazem questionar o que deve ser contestado, nos faz rir em momentos de desespero e nos tornam seres que vão além do senso comum. 


* Estudantes de Jornalismo


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