domingo, 14 de agosto de 2022

MEMÓRIA REGIONAL

Documentário sobre estações ferroviárias do Vale do Paraíba terá estreia  internacional 

Por Alvaro Britto

Com destaque para Barra do Piraí, as estações ferroviárias do Vale do Paraíba são o tema do primeiro longa metragem produzido pela Quiprocó Filmes e com roteiro e  direção de Fernando Souza e Gabriel Barbosa: Entroncamentos – vida e memória nas estações ferroviárias do Vale do Paraíba. A estreia mundial do documentário acontecerá no Festival Internacional de Buenos Aires, em setembro de 2022. Ele é o único festival de cinema da América Latina realizado anualmente na Europa e na América do Sul. Este ano, o festival será em Marbella, na Espanha, em formato presencial e virtual.



Segundo os diretores, a narrativa do filme é construída a partir de entrevistas e vasto material de arquivo de cine-jornais, fotografias, mapas e litogravuras, que contam a história da ascensão e declínio do transporte ferroviário no maior entroncamento da América Latina, no Vale do Paraíba fluminense. “Em meio a esses registros heterogêneos e às ruínas das estações ferroviárias, a narrativa é costurada pela experiência dos personagens, suas reminiscências de relações de amizade, afetos, paixões e tensões forjadas nos trilhos do trem”, explicaram. 


Embora não se detenha sobre a história específica de cada uma delas, o filme retrata diversas estações ferroviárias da região. Aquelas que se localizam nas regiões rurais e mais afastadas do grande centro sofreram um maior impacto do abandono em consequência do declínio do transporte ferroviário, tais como Engenheiro Gurgel, Morsing, Ipiabas, Barão de Vassouras, Ipiranga e Sebastião de Lacerda, entre outras. 



Escravidão

Questionados pelo Pavio Curto sobre a relação das ferrovias com o perfil escravocrata da região, que se prolongou por um bom tempo mesmo após a Lei Áurea, os autores esclareceram que a ferrovia no Brasil, sobretudo no Vale do Paraíba, foi concebida para atender à produção de café, que era baseada na exploração do trabalho escravo. O Rio de Janeiro foi o maior porto de desembarque de pessoas escravizadas do Atlântico Sul durante séculos, e grande parte dessas pessoas foram levadas para o trabalho forçado nas plantações de café. 

“Sem dúvida, contar a história da ferrovia também é contar a história dos horrores da escravidão e de como a demografia dessa região é caracterizada de uma maioria de pessoas negras, que ocuparam centralidade fundamental na construção da ferrovia e das cidades encravadas no Vale do Paraíba. Trata-se de uma história que em geral sofre com a violência do silenciamento e apagamento”, afirmou Fernando Sousa.  

Por outro lado, segundo os autores, “as culturas da diáspora negra constituem a formação social e cultural da região a partir da religiosidade afro-brasileira, do jongo, do caxambu, uma musicalidade que marcou de forma definitiva o samba urbano carioca. Por isso, optamos por recorrer às músicas de Clementina de Jesus para compor a trilha sonora do filme, reafirmando a contribuição da população negra na construção de um universo de significados estéticos sofisticados que caracterizam o Vale do Paraíba”. A trilha sonora do filme também conta com músicas do compositor e instrumentista Abel Ferreira.  

Trabalhadores

As histórias dos personagens envolvidos diretamente com as estações e o vasto material de arquivo são o fio condutor do documentário. A Estrada de Ferro D. Pedro II, uma das primeiras linhas férreas do Brasil, tinha como objetivo inicial escoar a produção de café do Vale do Paraíba e, posteriormente, contribuir para  estruturar a industrialização da região no século XX. Assim, diversas cidades nasceram ao longo do seu traçado, consolidando um estilo de vida intimamente ligado ao trem e às estações. 

- Muitos trabalhadores dessas estações – hoje sucateadas e fora de funcionamento – ainda moram no seu entorno, o que nos permite vislumbrar uma forte relação ainda não rompida com esses lugares, que são centrais para a formação social da região do Vale do Paraíba e do Estado do Rio de Janeiro -  informou Gabriel Barbosa.

 Sobre a situação atual dos ex-ferroviários, os autores identificaram que ela varia de acordo com as funções que cada um exercia na estrutura da empresa: maquinista, manobreiro, chefe-de-estação, etc. “Apesar de compartilharem de um sentimento de pertencimento ao trabalho ferroviário, os conflitos e desigualdades entre os mesmos fazia parte do cotidiano. Por isso, as condições de vida dos trabalhadores variavam e continuam a variar de acordo com o posto que ocupavam quando estavam na ativa”, explicaram. 

Incentivo

Com a finalização do filme, a Quiprocó Filmes aprovou um projeto de Circulação Estadual de Programação na Lei Estadual de Incentivo à Cultura (Lei do ICMS) para a captação de recursos a fim de viabilizar um circuito de exibições no interior fluminense. Os diretores planejam uma estreia em Barra do Piraí, em março de 2023, quando será comemorado o aniversário de 133 anos da cidade, que se confunde com a história de construção das linhas ferroviárias da região do Vale do Paraíba. Também pretendem lançar o documentário em Volta Redonda e outras cidades da região, como Vassouras, Valença, Barra Mansa e outras que possuem sua história ligada à ferrovia.

“Entroncamentos: vida e memória nas estações ferroviárias do Vale do Paraíba” é apresentado pelo Governo Federal, Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro, através da Lei Aldir Blanc. O primeiro longa-metragem da dupla de cineastas contou ainda com recursos de um financiamento coletivo, o apoio da Casa Fluminense, da Fundação Heinrich Böll e do Centro Universitário Geraldo Di Biase.

Conheça os diretores e a produtora do documentário 


Fernando Sousa é mestre em Ciências Sociais pela UERJ. Ele assina a pesquisa e o argumento do curta Manobreiro de Água e estreia como diretor e roteirista com o filme   Intolerâncias da Fé, produzido para a faixa Sala de Notícias do Canal Futura. Em 2016, cria a Quiprocó Filmes com seu sócio Gabriel Barbosa,  produtora em que assina a direção e roteiro dos documentários Nosso Sagrado, Nossos Mortos Têm Voz, Memórias de Aço, Respeita Nosso Sagrado e Entroncamentos, exibidos e premiados em festivais nacionais e internacionais, destacando-se o prêmio de melhor documentário do 42º Encontro da Associação Nacional de Pós Graduação em Ciências Sociais, vencendo o 3º Concurso de Documentários da TV Câmara e recebendo menções honrosas no 9º Festival Internacional de Cine Político de Buenos Aires e no 12º Festival Visões Periféricas. Pela Quiprocó Filmes, atua como diretor e produtor executivo em projetos que abordam temáticas raciais, religiosas e de direito à memória.

Gabriel Barbosa é doutor e mestre em Antropologia pela UFF e graduado em Ciências Sociais pela UFRJ. Em 2016, fundou a produtora Quiprocó Filmes ao lado de seu sócio, Fernando Sousa. Assina a direção, argumento e roteiro dos documentários "Nosso Sagrado", "Nossos Mortos Têm Voz", "Memórias de Aço", "Respeita Nosso Sagrado" e "Entroncamentos", que foram exibidos e premiados em diversos festivais nacionais e internacionais, destacando-se o prêmio de melhor documentário do 42º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós Graduação em Ciências Sociais, do Cine Tamoio - Festival de Cinema de São Gonçalo, vencendo o 3º Concurso de Documentários da TV Câmara e recebendo menções honrosas no 9º Festival Internacional de Cine Político de Buenos Aires e no 12º Festival Visões Periféricas. Atua no desenvolvimento e produção de projetos cinematográficos que abordam a temática racial, religiosidades e direito à memória.

Fundada em 2016 no Rio de Janeiro por Fernando Sousa e Gabriel Barbosa, a Quiprocó Filmes é uma produtora audiovisual que pretende provocar mudanças através de um olhar inquieto, com obras para cinema, tv, streaming, publicidade e instituições. No ano de 2017,  lançou o média-metragem Nosso Sagrado, em 2018, o Nossos Mortos Têm Voz, ambos premiados e selecionados para festivais dentro e fora do Brasil. Em 2021, produziu os curtas-metragens Memórias de Aço, Respeita Nosso Sagrado e Balaio de Omolú. Em 2022, realizará o lançamento do primeiro longa-metragem da dupla de cineastas Fernando Sousa e Gabriel Barbosa, percorrendo um circuito de festivais nacionais e internacionais. Com parcerias em projetos com o Museu da República, Ilê Omolu Oxum, Fórum Grita Baixada, Casa Fluminense, Fundo Brasil de Direitos Humanos, Fundação Heinrich Böll Brasil, British Council e Visão Mundial Brasil, vem ganhando espaço dentre as produções nacionais. 


Reportagem: Alvaro Britto 

Fotos: Davi Maciel / Divulgação Quiprocó Filmes

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