Documentário sobre estações ferroviárias do Vale do Paraíba terá estreia internacional
Por Alvaro Britto
Com destaque para Barra do Piraí, as estações ferroviárias do Vale do Paraíba são o tema do primeiro longa metragem produzido pela Quiprocó Filmes e com roteiro e direção de Fernando Souza e Gabriel Barbosa: Entroncamentos – vida e memória nas estações ferroviárias do Vale do Paraíba. A estreia mundial do documentário acontecerá no Festival Internacional de Buenos Aires, em setembro de 2022. Ele é o único festival de cinema da América Latina realizado anualmente na Europa e na América do Sul. Este ano, o festival será em Marbella, na Espanha, em formato presencial e virtual.
Escravidão
Questionados pelo Pavio Curto sobre a relação das ferrovias com o perfil escravocrata da região, que se prolongou por um bom tempo mesmo após a Lei Áurea, os autores esclareceram que a ferrovia no Brasil, sobretudo no Vale do Paraíba, foi concebida para atender à produção de café, que era baseada na exploração do trabalho escravo. O Rio de Janeiro foi o maior porto de desembarque de pessoas escravizadas do Atlântico Sul durante séculos, e grande parte dessas pessoas foram levadas para o trabalho forçado nas plantações de café.
“Sem dúvida, contar a história da ferrovia também é contar a história dos horrores da escravidão e de como a demografia dessa região é caracterizada de uma maioria de pessoas negras, que ocuparam centralidade fundamental na construção da ferrovia e das cidades encravadas no Vale do Paraíba. Trata-se de uma história que em geral sofre com a violência do silenciamento e apagamento”, afirmou Fernando Sousa.
Por outro lado, segundo os autores, “as culturas da diáspora negra constituem a formação social e cultural da região a partir da religiosidade afro-brasileira, do jongo, do caxambu, uma musicalidade que marcou de forma definitiva o samba urbano carioca. Por isso, optamos por recorrer às músicas de Clementina de Jesus para compor a trilha sonora do filme, reafirmando a contribuição da população negra na construção de um universo de significados estéticos sofisticados que caracterizam o Vale do Paraíba”. A trilha sonora do filme também conta com músicas do compositor e instrumentista Abel Ferreira.
Trabalhadores
As histórias dos personagens envolvidos diretamente com as estações e o vasto material de arquivo são o fio condutor do documentário. A Estrada de Ferro D. Pedro II, uma das primeiras linhas férreas do Brasil, tinha como objetivo inicial escoar a produção de café do Vale do Paraíba e, posteriormente, contribuir para estruturar a industrialização da região no século XX. Assim, diversas cidades nasceram ao longo do seu traçado, consolidando um estilo de vida intimamente ligado ao trem e às estações.
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Muitos trabalhadores dessas estações – hoje sucateadas e fora de funcionamento
– ainda moram no seu entorno, o que nos permite vislumbrar uma forte relação
ainda não rompida com esses lugares, que são centrais para a formação social da
região do Vale do Paraíba e do Estado do Rio de Janeiro - informou Gabriel Barbosa.
Incentivo
Com a finalização do filme, a Quiprocó Filmes aprovou um projeto de Circulação Estadual de Programação na Lei Estadual de Incentivo à Cultura (Lei do ICMS) para a captação de recursos a fim de viabilizar um circuito de exibições no interior fluminense. Os diretores planejam uma estreia em Barra do Piraí, em março de 2023, quando será comemorado o aniversário de 133 anos da cidade, que se confunde com a história de construção das linhas ferroviárias da região do Vale do Paraíba. Também pretendem lançar o documentário em Volta Redonda e outras cidades da região, como Vassouras, Valença, Barra Mansa e outras que possuem sua história ligada à ferrovia.
“Entroncamentos: vida e memória nas estações ferroviárias do Vale do Paraíba” é apresentado pelo Governo Federal, Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro, através da Lei Aldir Blanc. O primeiro longa-metragem da dupla de cineastas contou ainda com recursos de um financiamento coletivo, o apoio da Casa Fluminense, da Fundação Heinrich Böll e do Centro Universitário Geraldo Di Biase.
Conheça os diretores e a produtora do documentário
Fernando Sousa é mestre em Ciências Sociais pela UERJ. Ele assina a pesquisa e o argumento do curta Manobreiro de Água e estreia como diretor e roteirista com o filme Intolerâncias da Fé, produzido para a faixa Sala de Notícias do Canal Futura. Em 2016, cria a Quiprocó Filmes com seu sócio Gabriel Barbosa, produtora em que assina a direção e roteiro dos documentários Nosso Sagrado, Nossos Mortos Têm Voz, Memórias de Aço, Respeita Nosso Sagrado e Entroncamentos, exibidos e premiados em festivais nacionais e internacionais, destacando-se o prêmio de melhor documentário do 42º Encontro da Associação Nacional de Pós Graduação em Ciências Sociais, vencendo o 3º Concurso de Documentários da TV Câmara e recebendo menções honrosas no 9º Festival Internacional de Cine Político de Buenos Aires e no 12º Festival Visões Periféricas. Pela Quiprocó Filmes, atua como diretor e produtor executivo em projetos que abordam temáticas raciais, religiosas e de direito à memória.
Gabriel Barbosa é doutor e mestre em Antropologia pela UFF e graduado em Ciências Sociais pela UFRJ. Em 2016, fundou a produtora Quiprocó Filmes ao lado de seu sócio, Fernando Sousa. Assina a direção, argumento e roteiro dos documentários "Nosso Sagrado", "Nossos Mortos Têm Voz", "Memórias de Aço", "Respeita Nosso Sagrado" e "Entroncamentos", que foram exibidos e premiados em diversos festivais nacionais e internacionais, destacando-se o prêmio de melhor documentário do 42º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós Graduação em Ciências Sociais, do Cine Tamoio - Festival de Cinema de São Gonçalo, vencendo o 3º Concurso de Documentários da TV Câmara e recebendo menções honrosas no 9º Festival Internacional de Cine Político de Buenos Aires e no 12º Festival Visões Periféricas. Atua no desenvolvimento e produção de projetos cinematográficos que abordam a temática racial, religiosidades e direito à memória.
Fundada em 2016 no Rio de Janeiro por Fernando Sousa e Gabriel Barbosa, a Quiprocó Filmes é uma produtora audiovisual que pretende provocar mudanças através de um olhar inquieto, com obras para cinema, tv, streaming, publicidade e instituições. No ano de 2017, lançou o média-metragem Nosso Sagrado, em 2018, o Nossos Mortos Têm Voz, ambos premiados e selecionados para festivais dentro e fora do Brasil. Em 2021, produziu os curtas-metragens Memórias de Aço, Respeita Nosso Sagrado e Balaio de Omolú. Em 2022, realizará o lançamento do primeiro longa-metragem da dupla de cineastas Fernando Sousa e Gabriel Barbosa, percorrendo um circuito de festivais nacionais e internacionais. Com parcerias em projetos com o Museu da República, Ilê Omolu Oxum, Fórum Grita Baixada, Casa Fluminense, Fundo Brasil de Direitos Humanos, Fundação Heinrich Böll Brasil, British Council e Visão Mundial Brasil, vem ganhando espaço dentre as produções nacionais.
Reportagem: Alvaro Britto
Fotos: Davi Maciel / Divulgação Quiprocó Filmes
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